CSM|SP: Apelação Cível – Registro de Imóveis – Dúvida Prejudicada – Ausência de Impugnação a todos os óbices registrários – Orientação para futura prenotação – Exigência de prévia partilha dos bens do cônjuge pré-morto desborda dos limites da qualificação registral, considerando que o imóvel foi adquirido sob regime de separação de bens na Itália antes da vigência da Lei Italiana 151/1975, que alterou o regime legal para comunhão com efeitos ex nunc – Digitalização dos documentos – É preciso analisar o seu enquadramento como título nato digital ou título digitalizado e, assim, verificar se há observância dos requisitos legais e normativos – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1145778-38.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARCO LANDRONI, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 4 de fevereiro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1145778-38.2024.8.26.0100
Apelante: Marco Landroni
Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.675
Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Apelação não conhecida.
I. Caso em Exame
Apelação interposta contra sentença que manteve a negativa de registro da escritura pública de inventário e adjudicação dos bens envolvendo imóvel registrado em nome de pessoa casada na Itália. Alega-se que o imóvel foi adquirido por cônjuge, casada sob regime de separação de bens, com recursos próprios, antes da alteração da legislação italiana.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de prévia partilha dos bens de cônjuge pré-morto e a irregularidade da digitalização dos documentos são válidas para o registro do título.
III. Razões de Decidir
3. A apelação não pode ser conhecida, pois a dúvida está prejudicada, pela falta de impugnação de todos os óbices registrários,
4. Orientação para futura prenotação. A digitalização dos documentos deve ser feita em conformidade à previsão contida no Decreto 10.278/2020. A exigência de prévia partilha dos bens do cônjuge pré-morto desborda dos limites da qualificação registral, considerando que o imóvel foi adquirido por um dos cônjuges, casado sob regime de separação de bens, sem presunção de esforço comum.
5. Alteração do regime legal de bens do casamento ocorrido pela Lei Italiana 151/1975 tem efeitos ex nunc e não atinge ato jurídico perfeito.
IV. Dispositivo e Tese
5. Apelação não conhecida. Dúvida prejudicada.
Tese de julgamento: 1. A dúvida está prejudicada pela ausência de impugnação de todos os óbices registrários. 2. Para fins de orientação para futura prenotação, a exigência de prévia partilha é indevida quando o imóvel foi adquirido sob regime de separação de bens em país estrangeiro (Itália) e a alteração do regime de bens promovida pela lei italiana teve efeitos ex nunc.
Legislação Citada:
Lei Federal nº 6.015/73, arts. 195, 237 Código Civil, art. 1.268
Decreto 10.278/2020, art. 5º LINDB, art. 7º, § 4º Jurisprudência Citada:
TJSP, Apelação Cíve .0664, Rel. Francisco Loureiro, j. 06/08/2024 TJSP, Apelação Cível 1066698-25.2024.8.26.0100, Rel. Francisco Loureiro, j. 15/08/2024
STJ, EREsp 1623858/MG, Rel. Lázaro Guimarães, j. 23/05/2018
Cuida-se de apelação interposta por MARCO LANDRONI em face da r. sentença de fls. 100/109, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que, em procedimento de dúvida, manteve a negativa de registro da escritura pública de inventário e adjudicação relativa aos bens deixados em decorrência do falecimento de Fosca Ricci Landroni, envolvendo o imóvel objeto da matrícula 76.248 daquela Serventia.
A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que Fosca Ricci Landroni adquiriu o imóvel individualmente, na condição de casada pelo regime da separação de bens, segundo a lei italiana, com recursos próprios e exclusivos, e que Vasco Landroni não participou da compra. Assinala que o bem foi adquirido por Fosca Landroni em 28.09.1966, ou seja, enquanto casada pelo regime da separação de bens, antes da mudança da legislação italiana (Lei Italiana 151/1975) e que muito embora não tenha havido a prova da opção pelo regime de bens, a alteração do regime para a comunhão se deu de forma automática, como determinou a lei italiana, de modo que descabida a exigência de reconhecimento na via judicial. Ademais, a alteração do regime para a comunhão parcial só teria efeitos “ex nunc” por inteligência ao art. 1639, §2º do Código Civil (fls. 115/121).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 145/147).
É o Relatório.
A apelação não merece ser conhecida, pois a dúvida está prejudicada, cabendo apenas orientação para futura prenotação.
De acordo com os autos, o apelante apresentou ao 17º Oficial de Registro de Imóveis a escritura pública de inventário e adjudicação relativa aos bens deixados em decorrência do falecimento de Fosca Ricci Landroni, envolvendo o imóvel objeto da matrícula 76.248.
O título foi desqualificado com a seguinte nota de exigência (fls. 36/39):
“Trata-se de escritura de inventário e Adjudicação dos bens deixados por FOSCA RICCI LANDRONI, lavrada em 07 de novembro de 2022, nas páginas 390/396 do livro 1.237, pelo 2º Tabelião de Notas de Atibaia, deste Estado, recepcionada eletronicamente, tendo como objeto o imóvel matriculado sob nº 76.248 nesta Serventia, o qual deixa de ser registrado nesta oportunidade pelos motivos a seguir expostos: Reiteramos parcialmente a Nota de Devolução de 10 de maio de 2024, referente a prenotação 285.202, e de 13 de junho de 2024, referente à prenotação 286.744, no que tange:
1. Tendo em vista que a autora da herança faleceu no estado civil de viúva de VASCO LANDRONI, conforme noticiado na escritura, primeiramente deverá ser registrado a partilha dos bens decorrentes do falecimento do mesmo, em atenção aos princípios da disponibilidade e da continuidade, dispostos nos artigos 915 e 237 da Lei Federal nº 6015/73.
1.1. Os documentos ora apresentados não tiveram o condão de afastar a comunicabilidade do patrimônio, tendo em vista que:
I. Na escritura lavrada em 28/09/1966, as fls. 157 do Livro 1.049, pelo 4º Tabelião de Notas desta Capital, que deu origem à transcrição nº 51.479 do 15º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, não há qualquer menção que FOSCA RICCI LANDRONI adquiriu o imóvel com numerário advindos de bens particulares (sub-rogação real); e
II. Foi apresentado ‘CERTIFICADO’, expedido em 28 de maio de 2024, pelo ‘Consolato Generale d´Italia’, no qual consta a seguinte informação:
‘A pedido da pessoa interessada e para os devidos fins, declara-se que na Itália, até a data de 20 de setembro de 1975, o regime dos bens no casamento era o da separação.
Nesta mesma data entrou em vigor na Italia a Lei n. 151 de 19 de maio de 1975, que dispunha que as pessoas casadas anteriormente àquela data poderiam optar, dentro do prazo de dois anos a contar da promulgação dessa mesma Lei, pelo regime patrimonial que melhor lhes conviesse (isto é, separação ou comunhão de bens). Na falta de referida opção o regime patrimonial passaria a ser, automaticamente, o da comunhão…’ (grifos nossos)
No entanto, não foi apresentado documento oficial no qual demonstre qual foi o regime de bens que os nubentes fizeram ‘opção’.
Sendo o regime da comunhão de bens, deverá ser observado o seguinte:
2. Tendo em vista que a autora da herança faleceu no estado civil de viúva de VASCO LANDRONI, conforme noticiado na escritura, primeiramente deverá ser registrada a partilha dos bens decorrentes do falecimento do mesmo, em atenção aos princípios da disponibilidade e da continuidade, dispostos nos artigos 195 e 237 da Lei Federal 6015/73.
3. Na partilha decorrente do falecimento de VASCO LANDRONI, deverá ser observado a quem foi atribuído o imóvel matriculado sob nº 76.248.
Não sendo o mesmo atribuído na totalidade à viúva, a presente escritura deverá ser rerratificada para constar corretamente o percentual que ficou pertencendo à FOSCA RICCI LANDRONI, o qual deverá ser partilhado em decorrência de seu falecimento, em atenção ao princípio da disponibilidade, previsto no artigo 1.268 do Código Civil Brasileiro.
4. Os documentos ora apresentados que instruem a escritura não estão em consonância com o art. 209, §1º, IV do provimento nº 149 do CNJ, o qual dispõe que:
‘Art. 209. Todos os oficiais de registro e os tabeliães poderão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade do serviço de notas e registro a seu cargo e processa-los para os fins legais.
§1º Considera-se título nativamente digital, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles já referidos na Seção II do Capítulo VII do Título II do Livro IV da Parte Geral deste Código Nacional de Normas, e na legislação em vigor, os seguintes:
I. o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-brasil por todos os signatários e todas as testemunhas;
II. a certidão ou o traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;
III. os documentos desmaterializados por qualquer notário ou registrador gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil; e
IV. as cartas de sentença das decisões judiciais, entre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, por meio de acesso direito do oficial do registro ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado´ (grifo nosso).
Assim, referidos documentos deverão conter a assinatura digital do escrevente que o enviou pela plataforma do ONR (certificado digital ICP Brasil).
Importante: Cumpre informar que com a apresentação de novos documentos os mesmos serão analisados e estarão sujeitos às novas exigências, conforme disposto no item 38.2, Cap. XX das Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.”
Nas razões da dúvida, o Oficial informou que o título foi reapresentado em 05 de agosto de 2024, dentro do prazo de validade da prenotação, instruído com o requerimento para que fosse suscitada dúvida. Anotou, ainda, “que a exigência mencionada no item ‘4’ da Nota de Exigência e Devolução não foi atendida e nem impugnada pelo interessado, razão pela qual, salvo melhor juízo de vossa Excelência, a Dúvida está prejudicada”. (fls. 04)
Como se vê, ainda que se possa questionar a exigência de prévia partilha dos bens de Vasco Landroni, o óbice referente à regularidade da digitalização dos documentos, de acordo com os padrões técnicos, deixou de ser atendido, e tampouco questionado pela parte, o que leva à impossibilidade de conhecimento da dúvida.
Importa ponderar que a jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido de inadmitir o cumprimento de exigência no curso do procedimento e de não conhecer de apelação que deixa de impugnar todos os óbices registrários, exatamente a situação dos autos.
O processo de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo a apenas parte dos óbices ao ingresso do título no fólio real, pois, eventualmente afastados os questionados, restariam os demais, não questionados, que, não atendidos, impediriam, de toda sorte, o registro.
O Oficial apresentou mais de uma exigência e o apelante limitou-se a questionar somente uma delas. A insurgência parcial quanto às exigências do Oficial torna prejudicada a dúvida, procedimento que só admite duas soluções: i) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgido o dissenso entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou ii) a manutenção da recusa formulada.
Portanto, a ausência de impugnação ou desatendimento em relação a uma, ou mais, das exigências apontadas para o ingresso do título no fólio real, atribui ao processo de dúvida natureza consultiva, vez que em caso de reapresentação deverá a nova qualificação ser realizada conforme os requisitos para o registro que então se mostrarem pertinentes.
Com isso, a decisão sobre a possibilidade do registro do título depende da insurgência contra todas as exigências, o que não foi feito na apelação interposta pelo interessado.
Assim, a dúvida está prejudicada.
Para fins de orientação em futura prenotação, passo ao exame dos demais óbices apresentados na nota de exigência.
Ressaltou o Oficial que a digitalização foi feita de forma irregular, isto é, não obedeceu à disciplina normativa.
A qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, na qualidade do próprio título, não se admitindo o acesso de documento apresentado com deficiência formal. A avaliação do título e seus requisitos legais recaem diretamente na análise de sua autenticidade, regularidade formal, integridade e conteúdo.
No caso, o Oficial informou que os documentos apresentados não estão em conformidade ao Provimento nº 149 do CNJ e “deverão conter a assinatura digital do escrevente que o enviou pela plataforma do ONR (certificado digital ICP Brasil)”. (fls. 38)
O Decreto 10.278/2020, ao estabelecer a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais, dispõe:
“Art. 5º – O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:
I. – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;
II. – seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e
III – conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II.”
Nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a matéria vem disciplinada nos itens 365 e seguintes do Capítulo XX:
“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.
366.Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
(…)
366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes.”
Na data da prenotação, ainda estava em vigência o Provimento nº 149 do CNJ, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ e regulamentou sobre a recepção, pelos oficiais de registros de imóveis, de títulos encaminhados eletronicamente, por meio das centrais de serviços eletrônicos ou ONR, nos seguintes termos vigentes à época da prenotação:
Art. 324. Todos os oficiais dos registros de imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá- los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973)
§ 1.º Considera-se um título nativamente digital:
I- O documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas;
II.- a certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;
III- o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4.º da Lei n.4380, de 21 de agosto de 1974, assinado pelo representante legal do agente financeiro;
IV – as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma da lei;
V.- o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil; e
VI.- as cartas de sentença das decisões judiciais, entre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, mediante acesso direto do oficial do Registro de Imóveis ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado.
§ 2.º Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5.º do Decreto n.10.278, de 18 de março de 2020.
Portanto, para a recepção de título encaminhado eletronicamente ao Registro de Imóveis, não basta apenas a remessa eletrônica do título. É preciso analisar o seu enquadramento como título nato digital ou título digitalizado e, assim, verificar se há observância dos requisitos legais e normativos.
Essa exigência relativa aos títulos nato-digitais não se modificou com a edição do Provimento CNJ 180, de 16 de agosto de 2024, ao alterar o Provimento 149 e dispor sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP, conforme previsão do art. 208, §1º do mais recente Provimento[1].
Neste sentido, destacam-se os seguintes precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – MANDADO DE REGISTRO DE USUCAPIÃO – TÍTULO ORIGINAL NÃO PROTOCOLADO NA SERVENTIA EXTRAJUDICIAL DÚVIDA PREJUDICADA – APELAÇÃO NÃO CONHECIDA – ANÁLISE DAS EXIGÊNCIAS A FIM DE ORIENTAR FUTURA PRENOTAÇÃO.” (TJSP; Apelação Cível 1006463-83.2023.8.26.0664; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Votuporanga – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/08/2024; Data de Registro: 13/08/2024)
“REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA COM FORÇA DE ESCRITURA PÚBLICA – TÍTULO E DEMAIS DOCUMENTOS DIGITALIZADOS E ENCAMINHADOS POR INTERMÉDIO DO ONR PELO RESPONSÁVEL PELA DIGITALIZAÇÃO – HIPÓTESE QUE NÃO EQUIVALE À APRESENTAÇÃO DE TÍTULO ELETRÔNICO (NATO- DIGITAIS OU DIGITALIZADOS COM PADRÕES TÉCNICOS) – DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTO FÍSICO PARA REMESSA ELETRÔNICA À SERVENTIA IMOBILIÁRIA QUE DEVE OBSERVAR AS NORMAS E DISPOSIÇÕES LEGAIS QUE REGEM A MATÉRIA – EXIGÊNCIAS FORMULADAS PELO REGISTRADOR QUE NÃO PODEM SER AFASTADAS – DÚVIDA PREJUDICADA – POR AUSÊNCIA DE PRENOTAÇÃO – RECURSO NÃO CONHECIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1066698-25.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 15/08/2024; Data de Registro: 21/08/2024)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Mandado de adjudicação compulsória – Não apresentação do título original para protocolo. DÚVIDA PREJUDICADA . Recurso não conhecido.” (TJSP; Apelação Cível 1004035-82.2018.8.26.0348; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Mauá – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019)
Quanto à exigência da comprovação da prévia partilha dos bens de Vasco Landroni, não tem razão o Registrador.
O imóvel da matrícula nº 76.248 do 17º RI foi adquirido por Fosca Ricci Landroni, por escritura pública de venda e compra lavrada pelo 4º Tabelião de Notas da Capital, em 28 de setembro de 1966. A certidão de matrícula (fls. 62/65), indica apenas Fosca Ricci Landroni como proprietária do imóvel e na Av.1 passou a constar que Fosca Ricci Landroni, à época da aquisição, era casada com Vasco Landroni.
O casalFosca Ricci Landroni e Vasco Landroni contraiu núpcias em 22 de novembro de 1945, no Município de Barga, Província de Lucca, Itália.
À época do casamento, na Itália, segundo a lei italiana, o regime dito “legal” de bens era o da separação.
O Consulado Geral da Itália em São Paulo prestou as seguintes informações:
“A pedido da pessoa interessada e para os devidos fins, declara-se que na Itália, até a data de 20 de setembro de 1975, o regime dos bens no casamento era o da separação. Nessa mesma data entrou em vigor na Itália a Lei 151 de 19 de maio de 1975, que dispunha que as pessoas casadas anteriormente àquela data poderiam optar, dentro do prazo de dois anos a contar da promulgação dessa mesma Lei, pelo regime patrimonial que melhor lhes conviesse (isto é, separação ou comunhão de bens). Na falta da referida opção o regime patrimonial passaria a ser, automaticamente, o da comunhão. Os cônjuges, entretanto, podem livremente determinar o regime patrimonial através de convenções matrimoniais. Estas são estipuladas por escritura pública ou no ato da celebração do casamento, podendo ser outrossim concluídas e/ou modificadas em Tabelionato de Notas ao longo da vida conjugal.
Caso os cônjuges não estipulem qualquer convenção, aplica- se automaticamente o regime da comunhão (legal) dos bens.” (fls. 40)
De fato, a reforma do direito de família italiano, que passou a vigorar a partir de 20.09.1975, é tema que já foi analisado em vários precedentes judiciais no Tribunal de Justiça, como também em precedentes administrativos deste Conselho Superior da Magistratura, a atingir inúmeras famílias de imigrantes italianos.
De plano, observe-se que a fixação da legislação aplicável para a fixação do regime de bens, em caso de casamentos por pessoas não domiciliadas no Brasil, é a lei do domicílio do casal por conta do casamento.
Assim prevê o art. 7º, § 4º, da LINDB:
“Art. 7º. (…) § 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. (…)
Até o advento da reforma introduzida pela Lei 151/1975, o regime legal que resultava do casamento sem pacto antenupcial era o da separação de bens, chamado, por isto, de separação legal. Não existe, no Código Civil Italiano, seja no regime original da codificação, seja no regime decorrente da reforma, situação similar ao que se denomina, no direito brasileiro, de regime da separação legal ou obrigatória de bens, previsto para os casos do art. 1.641 do Código Civil.
A atual redação do Código Civil italiano limita a dois os regimes comuns de bens: a comunhão legal de bens, previsto no art. 159, e a separação convencional de bens, prevista no art. 162, decorrente da manifestação de vontade dos nubentes. A separação de bens, hoje convencional, era então legal, resultando tão somente da ausência de pacto.
O regime patrimonial das famílias constituídas anteriormente a essa data era o da separação dos bens; que poderia ser mantido manifestando- se até 15-01-1978 e por meio de ato público de vontade contrária a da comunhão.
Na falta da declaração acima, as aquisições anteriores a 20-09-1975 permaneceram sob o regime de separação e as posteriores no regime da comunhão. O regime dos casamentos realizados a partir de 20-09-1975 passou a ser automaticamente o da comunhão, a não ser que, no ato da celebração do casamento ou pacto posterior, seja estabelecido o contrário (art. 162 item um do código civil).
Ressalta-se que o regime de separação de bens italiano corresponde no Brasil ao regime da “separação total de bens”.
No caso concreto, com a vigência da lei 151/1975, nenhum dos cônjuges, individual ou conjuntamente, fez a opção pelo regime de bens, de modo que passou a prevalecer o regime da comunhão de bens a partir do marco estabelecido na própria lei, 15-01-1978.
O imóvel está registrado em nome de Fosca Ricci Landroni. Aquisição feita no ano de 1966. Fosca casou-se na Itália, no ano de 1945, época em que o regime “legal” era o da separação de bens (fl. 26), Não consta a inscrição ou registro de qualquer pacto ou convenção a respeito do regime de bens entre os cônjuges, tampouco opção determinada pela lei, de modo que outra interpretação não há senão aquela no sentido de que o regime de bens do casamento era o da separação legal, isto é, aquele decorrente da ausência de pacto e, após a reforma, o regime da comunhão.
Se Fosca Landroni casou-se no ano de 1945 sob o regime “legal” da separação de bens, se o imóvel foi adquirido por ela na constância do regime da separação e se a alteração do regime para comunhão parcial se deu apenas em 1978 (muito tempo após a aquisição, ocorrida em 1966), com efeitos ex nunc, não há que se presumir a aquisição do bem por esforço comum ou mesmo colocar em xeque sua incomunicabilidade.
Também não há pertinência na exigência da comprovação da existência de pacto ou convenção em quaisquer dos marcos temporais (do casamento e ao tempo da reforma da lei italiana), mostrando-se indevido o ônus para realização de prova negativa. No caso, a presunção há de ser interpretada de acordo com a lei vigente, de modo que, ausente a prova do pacto ou da opção, presume-se a solução automática conferida pela lei (regime legal da separação em 1945 e regime da comunhão em 1978, decorrente da ausência de opção).
A alteração do regime de bens passou a ter efeitos ex nunc, isto é, a comunhão de bens teve início após o período de dois anos estabelecido na lei e não poderia retroagir para abarcar situações já consolidadas sob o anterior regime.
Em regra, a lei deve preservar o ato jurídico perfeito e veda a retroação dos efeitos da alteração do regime de bens até a data do casamento. O efeito ex tunc só poderia ser admitido se houvesse a intenção de prejudicar terceiros, o que não é o caso dos autos. Essa a previsão contida no Código Civil vigente (artigo 1639, § 2º) e recentes interpretações do Superior Tribunal de Justiça.
Ao contrário. O bem adquirido antes do casamento e de titularidade exclusiva do cônjuge não integra objeto de comunhão, tratando-se de bem pessoal do cônjuge, como previsto no art. 179 do Código Civil Italiano (fl. 40).
Portanto, não há que se falar em exigência da comprovação da prévia partilha dos bens deixados por Vasco Landroni ou mesmo de prévia manifestação do Juízo da Família para deliberar a respeito da comunicabilidade ou incomunicabilidade do bem, não configurada, na hipótese, ofensa aos princípios da continuidade da disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/73)
Não há ofensa à continuidade e à disponibilidade, vez que apenas Fosca Landroni consta como proprietária do imóvel no registro.
Com todo o respeito ao posicionamento exposto nas razões da dúvida e ao entendimento da MMª Juíza Corregedora Permanente, a exigência apresentada na situação em exame desborda dos limites da qualificação registrária.
Embora remotamente possa se admitir que no regime da separação ocorra a comunicação de bens adquiridos de forma onerosa e por esforço comum, nos termos da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, o esforço comum não pode ser presumido.
O entendimento da presunção do esforço comum estabelecido na Súmula 377 do STF há muito vem sofrendo temperamento pelo Superior Tribunal de Justiça, que em diversos precedentes e com a finalidade de evitar confusão com o regime da comunhão parcial de bens, tem exigido a prova de esforço comum na aquisição de bens no caso de separação legal.
O mais recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da interpretação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal foi fixado nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.171.820/PR, Rel. o Min. Raul Araújo, julgado em 26/08/2015, com a seguinte ementa:
“(…) 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe- se o regime da separação obrigatória de bens.
2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. (…)”. (grifo nosso).
Do corpo do v. acórdão consta a seguinte passagem, que resume com precisão a controvérsia e a exata interpretação do alcance da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“Cabe definir, então, se a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento ou da união depende ou não da comprovação do esforço comum, ou seja, se esse esforço deve ser presumido ou precisa ser comprovado. Noutro giro, se a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, ou se é a regra.
Tem-se, assim, que a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex- companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação dos aquestos.
Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente confirmado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).”
No mesmo sentido, diversos precedentes recentes da Corte Superior: EREsp 1623858/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018; REsp 1689152/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017.
De tal forma, tratando-se do regime da separação de bens, cabe ao interessado demonstrar a efetiva participação no esforço para a aquisição onerosa do bem, não sendo admissível que na via puramente administrativa possa prevalecer a presunção de comunhão.
A exigência do Registrador, neste contexto, acaba por inverter a opção do legislador, o contexto do direito estrangeiro à época e a clara interpretação do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema envolvendo o regime da separação de bens do casamento.
À vista destas premissas, a qualificação do título deve se ater dentro de tais lindes e sem projeção exógena para inquirição de uma realidade extratabular, juízo a orientar a futura qualificação.
Ante o exposto, pelo meu voto, NÃO CONHEÇO da apelação e julgo prejudicada a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Nota:
[1] “Art. 208. Os oficiais de registro e os tabeliães deverão recepcionar diretamente títulos e documentos nato- digitais ou digitalizados, observado o seguinte:
§ 1º Consideram-se títulos nato-digitais, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles previstos em lei específica:
I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código); II – o documento público ou particular para qual seja exigível a assinatura apenas do apresentante, desde que gerado eletronicamente em PDF/A e assinado por aquele com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código); III – a certidão ou o traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto; IV – os documentos desmaterializados por qualquer notário ou registrador, gerados em PDF/A e assinados por ele, seus substitutos ou prepostos com assinatura qualificada ou avançada; V – cartas de sentença, formais de partilha, cartas de adjudicação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, obtidos na forma do inciso I ou por acesso direto do oficial do registro ao processo judicial eletrônico, a requerimento do interessado; §2.º Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados em conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5.º do Decreto n. 10.278, de 18 de março de 2020, inclusive os que utilizem assinatura eletrônica qualificada ou avançada admitida perante os registros púb .015/1973; art. 38, § 2º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código).”
(DJe de 13.02.2025 – SP)