TJSP: União estável – Pretensão de reconhecimento da união vivenciada posteriormente ao casamento, com a divisão do bem pertencente ao companheiro falecido – Imóvel adquirido antes da união e que já foi, inclusive, objeto de partilha quando da separação do casal – Inteligência do art. 1.790 do CC – Devolução pela companheira da metade dos valores sacados da conta poupança do “de cujus”, após sua morte, aos herdeiros – Reconhecimento do direito real de habitação sobre o imóvel que servia de moradia para a família [art. 7º, parágrafo único da Lei 9.278/96], afastada a condenação da autora nos eventuais alugueres recebidos pelo imóvel do falecido – Provimento, em parte, do recurso da autora, negado ao do Espólio-réu.

EMENTA

União estável – Pretensão de reconhecimento da união vivenciada posteriormente ao casamento, com a divisão do bem pertencente ao companheiro falecido – Imóvel adquirido antes da união e que já foi, inclusive, objeto de partilha quando da separação do casal – Inteligência do art. 1.790 do CC – Devolução pela companheira da metade dos valores sacados da conta poupança do “de cujus“, após sua morte, aos herdeiros – Reconhecimento do direito real de habitação sobre o imóvel que servia de moradia para a família [art. 7º, parágrafo único da Lei 9.278/96], afastada a condenação da autora nos eventuais alugueres recebidos pelo imóvel do falecido – Provimento, em parte, do recurso da autora, negado ao do Espólio–réu. (TJSP – Apelação Cível nº 573.553.4/2 – Guarulhos – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – DJ 30.07.2009)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 573.553–4/2, da Comarca de GUARULHOS, sendo apelantes e reciprocamente apelados S. C. B. e R. H. B. [Espólio].

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento, em parte, ao recurso da autora e negar ao apelo do Espólio–réu.

RELATÓRIO E VOTO

Vistos.

S. C. B. ingressou com ação de reconhecimento de união estável em face do Espólio de R. H. B.. Alega que foi casada com o requerido por 18 anos até o divórcio ocorrido em 30.01.2003. Dessa união não nasceram filhos. Afirma que voltou a viver com o réu, “como se casados fossem”, após a separação, união somente interrompida pela morte do requerido em 27.01.05 [certidão de fl. 11]. Pretende o reconhecimento da união e sua condição de herdeira do imóvel do réu.

O Espólio apresentou contestação às fls. 77/99 e reconvenção às fls. 153/158. Réplica às fls. 171/182 e manifestação à reconvenção às fls. 183/188.

Realizou–se audiência [fls. 366/406], com a oitiva de testemunhas da autora e do Espólio–réu.

O MM. Juiz julgou procedente, em parte, a ação, reconhecendo a união estável entre a autora e o falecido R. H. B., afastado o direito da requerente sobre o imóvel do companheiro. Julgou, outrossim, procedente a reconvenção, condenando a autora a devolver ao espólio a quantia de R$ 4.500,00, devidamente corrigida e a pagar os alugueres eventualmente recebidos do imóvel do falecido, desde janeiro de 2005 [fls. 454/461].

Apela a autora buscando a reforma do julgado, afirmando que o pedido proposto na reconvenção é objeto de ação própria, distribuída para a 1a Vara Cível de Guarulhos – processo 46/06 e que, portanto, não poderia ser decidido nesta ação [fls. 465/474]. Contra–razões às fls. 530/534.

Recorre o Espólio afirmando inexistir um dos pressupostos necessários para o reconhecimento da união estável, visto que as partes não coabitavam na mesma casa, pelo que pretende o afastamento do reconhecimento da união [fls. 517/524].

E o relatório.

A r. sentença deve ser mantida.

A união estável foi incluída dentre as entidades familiares merecedoras de proteção jurídica, em virtude da importância que representa na organização atual da sociedade, ganhando relevo e autonomia e prescindindo de formalidades, desde que reúna elementos próprios de uma entidade familiar. Primeiramente, a Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar [art. 226, § 3º, da CF]. Após, o legislador, cônscio de que a regulamentação era uma necessidade social, disciplinou a união estável na Lei n° 9278/96, situação que foi inteiramente regulamentada no art. 1.723 do Código Civil de 2002.

Na hipótese, comprovou–se nos termos dos depoimentos de fls. 367/382 que as partes envolvidas preencheram os pressupostos de ordem objetiva e subjetiva, que são, convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição familiar, circunstâncias que levaram a D. Magistrada a reconhecer a união vivenciada entre S. e R., até a data do falecimento dele, em janeiro de 2005. E, embora o Espólio–réu afirme que o falecido, após a separação, retornou para a casa de seus pais e, portanto, não vivia sob o mesmo teto da requerente, situação que afastaria o reconhecimento da união, o certo que é para a configuração da união não é necessária a coabitação, como assinala RODRIGO DA CUNHA PEREIRA [Concubinato e união estável, Del Rey, Belo Horizonte, pág. 30] “exigindo–se, porém, relações regulares, seguidas, habituais e conhecidas, se não por todo mundo, ao menos por um pequeno círculo”. No mesmo sentido julgado do STJ, relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira [REsp 474.964 – SP, DJU de 1.3.2004].

Com relação ao direito da requerente sobre o imóvel do companheiro falecido, dispõe o art. 1.790 do CC que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.

Desta forma, como o bem situado na rua Washington Luís, n° 265, em Guarulhos, foi adquirido anteriormente à união, sendo inclusive objeto de partilha por ocasião da separação do casal, ficando a autora com a casa de n° 265 e o falecido com a de n° 265A, não poderia ser herdado pela requerente, já que não adquirido onerosamente na vigência da união.

Quanto à alegação da autora de que as partes fizeram um acordo em relação a esta metade do bem quando da conversão da separação em divórcio, consignou a D. Sentenciante que “a cláusula 11a do acordo de divórcio é nula de pleno direito, uma vez que não foi observado a forma legal para disposição de última vontade, que seria o testamento. Por não observar a forma legal e não respeitar a legítima dos herdeiros necessários, esta não surte efeitos” [fl. 459].

O mesmo não se pode dizer quanto ao numerário depositado na conta poupança do falecido [R$ 9.000,00] e que foi sacado pela autora no mês do falecimento dele [janeiro de 2005], conforme documento de fl. 121, sem nenhuma justificativa. A autora tem direito à metade deste valor [R$ 4.500,00], sendo que a outra metade cabe aos herdeiros, como determinado pela r. sentença.

Contudo, em relação à determinação para que a requerente pague aos herdeiros os alugueres recebidos no imóvel do falecido, a r. sentença merece um reparo.

Isto porque, nos termos do art. 7°, parágrafo único, da Lei 9278/96, ela tem direito real de habitação.

O direito real da habitação, como afirma o Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO “consiste na utilização gratuita de imóvel alheio” [União estável – jurisprudência, evolução legislativa e novo Código Civil, in Questões de Direito Civil e o novo Código, obra do Ministério Público do Estado de São Paulo, Imprensa Oficial, 2004, p. 547]. É um direito que garante a permanência da companheira na casa que pertencia ao companheiro e que servia de residência familiar; o benefício perdura enquanto viver o destinatário.

Na mesma direção, MARIA HELENA DINIZ [Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, 5o volume, pág. 347] assinala que entre os efeitos jurídicos decorrentes da união estável está o direito real de habitação. Por força do art. 7º, parágrafo único da Lei n° 9.278/96, o convivente sobrevivente terá direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento.

Como a autora, após a separação, conviveu com o falecido por mais quatro anos, além dos 18 em que ficou com ele casada, tem direito de residir na casa, que servia de moradia da família, não devendo qualquer aluguel ao Espólio. Caso o Espólio comprove que a autora está alugando o imóvel da rua Washington Luis, n° 265A, em Guarulhos, deverá ajuizar a competente ação de cobrança.

Ante ao exposto, dá–se provimento, em parte, ao recurso da autora somente para afastar sua condenação no pagamento de alugueres recebidos do imóvel do falecido, garantindo o seu direito real de habitação sobre referido bem, negado provimento ao recurso do Espólio. Os ônus processuais ficam mantidos, como fixados na r. sentença.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores

MAIA DA CUNHA e TEIXEIRA LEITE.

São Paulo, 30 de julho de 2009

ÊNIO SANTARELLIZULIANI – Presidente e Relator.

Fonte: Boletim INR nº 4365 – Grupo Serac – São Paulo, 05 de janeiro de 2011