TJ|SP: Ação. Analfabeto. Procuração. Instrumento Público. Necessidade. Em se tratando de analfabeto, é obrigatória a procuração por instrumento público.
EMENTA
Acidente de Veículo. Responsabilidade extracontratual. Solidariedade. Não Reconhecimento. Ilegitimidade passiva ad causam. Extinção do processo sem resolução de mérito. Impertinente a inclusão no pólo passivo da ação da empresa contratante de serviços de distribuição por ato ilícito praticado por empregado, serviçais ou prepostos do agente, diante da ausência de solidariedade prevista em lei ou no contrato. Ação. Analfabeto. Procuração. Instrumento Público. Necessidade. Em se tratando de analfabeto, é obrigatória a procuração por instrumento público. (TJSP – Agravo de Instrumento nº 990.10.453486-0 – Praia Grande – 27ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Gilberto Leme – Julgado em 07.12.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n° 990.10.453486-0, da Comarca de Praia Grande, em que é agravante PETROLINA JARDIM DE SOUZA sendo agravados COCA COLA DO BRASIL e SERV BEBE PRAIA GRANDE COMERCIO DE BEBIDAS LTDA.
ACORDAM, em 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GILBERTO LEME (Presidente), SILVIA ROCHA GOUVÊA E HUGO CREPALDI.
São Paulo, 07 de dezembro de 2010.
GILBERTO LEME – PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO E VOTO
Trata-se de agravo de instrumento interposto à r. decisão que em ação de reparação de dano material decorrente de acidente de veiculo de via terrestre excluiu a empresa Coca Cola do Brasil no pólo passivo da ação, com fundamento no art. 267, inc.VI c.c. art. 295, inc. II, ambos do CPC.
Recorre a agravante arguindo, preliminarmente, a nulidade da decisão por violação ao inc. IX do art. 93 da CF. No mérito, alega a legitimidade ad causam da Coca Cola do Brasil para figurar no pólo passivo da demanda, com fulcro no inc. II do art. 5º da CF e inc. III do art. 932 do CC. E, por fim, assevera a desnecessidade do instrumento público para representação processual de analfabetos, conforme diretriz do processo de controle administrativo n.° 0001464-74.2009.2.00.000 do CNJ.
Agravo tempestivo, preparado e não respondido porque ainda não-citado o agravado.
Denegado o efeito.
É o relatório.
A Constituição Federal não exige que as decisões sejam extensamente fundamentadas, ao contrário, basta que o juiz dê as razões de seu convencimento (inc. IX, art. 93, Constituição Federal).
Tampouco carece de fundamentação a determinação para regularização da representação processual, diante da notória necessidade do instrumento público para analfabetos.
Urge anotar que o princípio da motivação das decisões judiciais permite às partes avaliar a conveniência de recorrer e, ainda, que os juízes das instâncias superiores compreenderem melhor os fundamentos da decisão proferida pelo juiz a quo.
No caso dos autos, a ausência de fundamentação da determinação de regularização processual não impediu a dedução adequadamente às razões de recurso interposto pela agravante, com pleno exercício das garantias fundamentais.
Assim, rejeito a preliminar de nulidade da r. decisão.
No mérito, exige a lei que “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade” (CPC, art. 3°). Segundo Liebman, é a pertinência subjetiva da ação que se traduz no aparente direito de pedir o que pede (quanto ao autor legitimidade ativa) e, na aparente obrigação de dar, fazer ou prestar o que é pedido na inicial (no que se refere ao réu – legitimidade passiva).
No caso dos autos, a agravante-autora imputa a responsabilidade civil do acidente de veículo ao motorista da empresa Serv Bebe Grande Comércio de Bebidas Ltda. e, em virtude do contrato de representação e distribuição comercial, atribuiu a responsabilidade solidária à Coca Cola do Brasil.
Em princípio, a responsabilidade civil é individual (CC, art. 942), no entanto, há casos em que a pessoa pode responder por atos de terceiros ou pelo fato das coisas ou animais, tratando-se, aqui, de responsabilidade solidária (CC, art. 942, parágrafo único).
Por ser o causador do acidente de veiculo motorista da Serv Bebe, enquadra-se a situação fática no inc. III art. 932 do CC/2002 que estabelece a responsabilidade civil do empregador ou comitente pela reparação civil de atos praticados por seus empregados, serviçais ou prepostos, no exercício do trabalho, que lhes competir, ou em razão dele.
Leciona Antônio Chaves que “essa modalidade de responsabilidade complexa não compreende todas as categorias de prestação de serviços, mas unicamente as que se caracterizam pelo vínculo de preposição. Doméstico, empregado ou serviçal é a pessoa que executa um serviço, trabalho ou função, sob as ordens de uma pessoa, de sua família, ou ainda relativa aos cuidados interiores do lar. Preposto é aquele que está sob a vinculação de um contrato de preposição, isto é, um contrato em virtude do qual certas pessoas exercem, sob a autoridade de outrem, certas funções subordinadas, no seu interesse e sob suas ordens e instruções, e que têm o dever de fiscalizá-lo e vigiála, para que proceda com a devida segurança, de modo a não causar dano a terceiros. Seja ou não preposto salariado, tenha sido sua escolha feita pelo próprio patrão, ou por outro preposto, o que importa é que o ato ilícito do empregado tenha sido executado ou praticado no exercício do trabalho subordinado, caso em que o patrão responderá em regra, mesmo que não tenha ordenado ou até mesmo proibido o ato.” {apud Responsabilidade Civil, Carlos Roberto Gonçalves, Saraiva, 2005, pág. 146) .
A agravante imputa expressamente na petição inicial a culpa do motorista do caminhão pertencente à Serv Bebe pelo acidente de veículo (§ 3º f 1. 16) . Deste modo, há a aparente obrigação de indenizar daquela empresa, devido a condição de empregado, serviçal ou preposto do motorista, entretanto, essa situação não se estende à Coca Cola do Brasil, devido à inexistência de vínculo de subordinação ou preposição com o motorista.
Não é sem razão que a agravante imputou a responsabilidade solidária da Coca Cola do Brasil, por conta do contrato de representação e distribuição com a empresa Serv Bebe Grande Comércio de Bebidas Ltda.
Esclareço, por oportuno, que a responsabilidade extracontratual decorre da infração de um dever legal genérico de não lesar, de não causar dano a ninguém (CC, art. 186), enquanto que a contratual funda-se no descumprimento do avençado, tornando o contratante inadimplente.
O acidente de veículo deriva de ato ilícito, sem qualquer vínculo jurídico entre a conduta do motorista do agente e o contrato de distribuição de bebidas, ao contrário, as relações jurídicas materiais são dissociadas.
Tampouco se poderia reconhecer a existência de obrigação solidária, uma vez que ausente vínculo jurídico entre a autora e a Coca Cola do Brasil.
Aliás, a solidariedade não se presume, resulta de lei ou da vontade (CC, art. 265), devendo haver menção explícita no contrato de distribuição da obrigação da Coca Cola do Brasil indenizar as pessoas prejudicadas por atos extracontratuais praticados por seu agente.
Ocorre que o art. 710 e segs. Do CC/2002, que disciplinam o contrato de distribuição, não estabelecem a obrigação do proponente de reparar os atos ilícitos de natureza extracontratual praticados pelos funcionários do agente.
A distribuição consiste – segundo Arnaldo Rizzardo – “na relação pela qual alguém age em nome próprio na intermediação entre produtor e o varejista, mas vinculados os produtos de que dispõe a um determinado produtor, como alimentos, bebidas, combustíveis e cigarros. Trata-se de uma técnica de colocação de produtos no mercado, ocupando presentemente uma posição de relevo.” (Contratos, Forense, 2006, RJ, pág. 754).
Vê-se, então, que o objeto da distribuição é a comercialização de bens produzidos e fornecidos pelo fabricante.
Desta feita, não se vislumbra a aparente obrigação de indenizar da Coca Cola Brasil por ato ilícito de natureza extracontratual praticado por terceiro.
No que tange à regularização processual, anote-se que, em se tratando de analfabeta, a validade do mandato judicial é condicionada à existência de instrumento público, para que se demonstre a efetiva outorga de poderes para a representação em juízo (CC, art. 654).
Arnoldo Rizzardo assevera que o analfabeto, “por não possuir firma, e, em decorrência, não assinar, o que torna impossível comprovar lhe pertençam os dizeres lançados no instrumento, a forma pública é imprescindível” (op. cit. 687).
Arnoldo Wald enuncia que “O analfabeto só pode dar procuração por instrumento público.” (Obrigações e Contratos, 13a ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 452).
Ao tratar desse tema, Humberto Theodoro Júnior leciona que: “O instrumento público só é obrigatório para os analfabetos ou os que não tenham condições de assinar o nome.” (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Forense, 2009, RJ, pág. 102).
Em que pesem os argumentos da agravante sobre a adoção da diretriz aposta no procedimento de controle administrativo n.° 0001464-74.2009.2.00.000 do Conselho Nacional de Justiça, anotese que, embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário, qualifica-se como órgão de caráter administrativo, não dispondo de atribuições institucionais que lhe permitam legiferar, tampouco exercer fiscalização da atividade jurisdicional dos magistrados e Tribunais.
Não é sem razão que o procedimento em testilha faz mera recomendação sobre a inexigibilidade da outorga de procuração por meio de instrumento público por pessoa analfabeta para a atuação da Justiça do Trabalho, inclusive porque, nessa seara, podem as partes demandar ou defender-se sem intermediação de advogado (CLT, art. 791).
Assim, irrepreensível a decisão desafiada neste instrumento.
Pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
GILBERTO LEME – Relator.
Fonte: Boletim INR nº 4408 – Grupo Serac – São Paulo, 28 de Janeiro de 2011.