STJ: Processual Civil. Agravo Regimental. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Gratuidade Judiciária. Atos Extrajudiciais relacionados a Processo Judicial. Isenção. Art. 3º, II, da Lei nº 1.060⁄50. Extensão. Atos necessários ao Exercício da Cidadania. Legalidade do Ato.

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. ATOS EXTRAJUDICIAIS RELACIONADOS A PROCESSO JUDICIAL. ISENÇÃO. ART. 3º, II, DA LEI N. 1.060⁄50. EXTENSÃO. ATOS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. LEGALIDADE DO ATO. 1. A isenção concedida aos necessitados pelo art. 3, II, da Lei n. 1.050⁄50, à luz do art. 5º, LXXVII, da CF⁄88, é extensível aos atos notariais e registrais relacionados a medidas judiciais que visem a tornar efetiva a prestação jurisdicional, portanto, a gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso. Precedentes: REsp 94.649⁄RJ, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 13.08.1996, DJ 09.09.1996 p. 32.374; e RMS n. 26.493 ⁄ RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19.8.2008. 2. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no RMS nº 28.039 – RS – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 01.06.2009)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira.

Brasília, 19 de maio de 2009.

Ministro Mauro Campbell Marques – Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de agravo regimental para levar ao crivo da Turma julgado monocrático de minha lavra onde neguei seguimento a recurso ordinário em mandado de segurança ao fundamento de que firmado na jurisprudência do STJ que a isenção concedida aos necessitados pelo art. 3, II, da Lei n. 1.050⁄50, à luz do art. 5º, LXXVII, da CF⁄88, é extensível aos atos registrais relacionados a medidas judiciais que visem a tornar efetiva a prestação jurisdicional.

Alega a agravante que, resumidamente:

a) a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, LXXIV, da CF⁄88, não implica necessariamente na gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII), já que a definição destes estaria a depender de lei ordinária, posto referir-se o direito a norma constitucional de eficácia limitada e não haver lei a respeito;

b) a Lei n. 9.265⁄96, a Lei n. 1.060⁄50, a Lei n. 8.935⁄94, e a Lei n. 10.169⁄2000 não contemplam a gratuidade dos emolumentos devidos em face da prestação de serviços registrais e notariais;

c) os emolumentos configuram tributo e para haver a respectiva isenção há a necessidade de lei ordinária (art. 150, §6º, da CF⁄88 e art. 97, VI, do CTN e julgado do STF na ADI n. 1.709⁄MT);

d) a necessidade de fixação dos emolumentos por lei (art. 236, § 2º, da CF⁄88).

Solicita a retratação ou a submissão do agravo à Turma para julgamento. Relatei.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Para melhor compreensão da matéria, transcrevo os termos em que exarada a decisão agravada, in litteris:

Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo COLÉGIO REGISTRAL DO RIO GRANDE DO SUL e SINDICATO DOS REGISTRADORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SINDIREGIS em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado, ad litteram (fls. 222⁄223, grifo nosso):

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA DE JUSTIÇA QUE ESTENDE AOS BENEFICIÁRIOS DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA (LEI Nº 1.060⁄50) A GRATUIDADE DOS EMOLUMENTOS DECORRENTES DE ATOS REGISTRAIS E NOTARIAIS.

A Corregedoria-Geral da Justiça, dando cumprimento ao disposto o art. 38, da Lei nº 8.935⁄94, levou a efeito o Provimento CGJ nº 38⁄2007, estendendo aos beneficiários da gratuidade da justiça a gratuidade dos serviços notariais e registrais, quando emanados de ordem judicial nos próprios autos do processo em que o requerente litiga sob o manto da gratuidade prevista na Lei nº 1.060⁄50.

Não há confundir a justiça gratuita prevista na Lei nº 1.060⁄50 com a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. E, ainda, com a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, como dispõe o inciso LXXVII do art. 5º.

Cognição que envolve ingresso em questões conceituais e exame exegético não só constitucional como infraconstitucional.

O direito constitucional previsto no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal – assistência jurídica integral e gratuita – a ser prestada pelo Estado aos necessitados (prestação positiva do Estado) se revela através da Defensoria Pública, tal quaL referido no art. 134, da própria Constituição Federal.

O direito constitucional inserto no inciso LXXIV do art. 5º, muito mais abrangente, diz com a assistência jurídica integral e gratuita que é pré-processual, e não com a justiça gratuita processual, esta prevista na Lei nº 1.060⁄50.

A intenção do Provimento nº 038⁄2007 é, além de dar efetividade à prestação jurisdicional, tornar efetivo o acesso à justiça, daí compreendidos não apenas os atos processuais, mas também os atos extraprocessuais decorrentes da lide onde a parte goze do benefício da gratuidade da justiça (Lei nº 1.060⁄50).

De nada adiantaria reconhecer que a parte requerente não tem condições de suportar as despesas processuais sem prejudicar o seu sustento e de sua família, mas entender que possa suportar despesas extraprocessuais, mas emanadas daquele processo em que litiga sob o manto da justiça gratuita, ou seja, onde seu estado de miserabilidade fora reconhecido. Vale dizer, o cidadão é reconhecidamente pobre para arcar com despesas existentes dentro do processo – despesas de cunho judicial, – mas não o é para arcar com despesas que, embora decorrentes daquela ação, têm natureza extraprocessual, exatamente como os serviços registrais e notariais. A hipossuficiência não se limita tão-só aos atos processuais, indo, certamente além desse (sic) para que a efetividade do processo se faça cumprida na forma constitucional.

Estar-se-á prestando jurisdição apenas modo formal (sic), e não material, negando ao cidadão o acesso à justiça (art. 5º, XXXV) modo efetivo e integral, pois terá ele o direito de litigar em juízo (terá acesso ao judiciário), mas, ao final, não lhe será alcançado (sic) o direito de efetivar a jurisdição. O seu direito permanecerá no mundo fático-processual, mas ilusório sobre a ótica jurídica e constitucional para fins de aplicação do direito e realização da justiça. terá sido alcançado ao cidadão (sic) o direito⁄garantia constitucional do acesso à justiça modo formal (sic), mas não lhe terá sido alcançada a justiça modo substancial (sic).

Serviços cartorários – registral e notarial – que são de natureza pública, não obstante hibridismo privatista por delegação do Poder Público (art. 236, da Constituição Federal).

Segurança denegada.

O mandado de segurança foi impetrado contra ato do Desembargador Corregedor-Geral de Justiça, que adotou, por intermédio do Provimento n. 038⁄2007 – CGJ, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 08.01.2008, o Parecer nº 82⁄2007 – SLA, contido no Expediente SPI nº 21566-0300⁄06-1, onde foi estendido o benefício da gratuidade da justiça aos emolumentos devidos em face da prestação de serviços registrais e notariais.

Com o writ postula-se a anulação do ato com base nas seguintes razões, resumidamente:

a) a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, LXXIV, da CF⁄88, não implica necessariamente na gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII), já que a definição destes estaria a depender de lei ordinária, posto referir-se o direito a norma constitucional de eficácia limitada e não haver lei a respeito;

b) a Lei n. 9.265⁄96, a Lei n. 1.060⁄50, a Lei n. 8.935⁄94, e a Lei n. 10.169⁄2000 não contemplam a gratuidade dos emolumentos devidos em face da prestação de serviços registrais e notariais;

c) os emolumentos configuram tributo e para haver a respectiva isenção há a necessidade de lei ordinária (art. 150, §6º, da CF⁄88 e art. 97, VI, do CTN e julgado do STF na ADI n. 1.709⁄MT);

d) a necessidade de fixação dos emolumentos por lei (art. 236, § 2º, da CF⁄88);

A liminar do mandamus foi indeferida (fls. 153⁄154) e o acórdão denegou a segurança (fls. 217⁄242).

Foi interposto o presente recurso ordinário que reitera os argumentos já expostos (fls. 247⁄273).

Contra-razões do Estado do Rio Grande do Sul pela negativa de provimento ao recurso (fls. 287⁄303).

Parecer do Ministério Público também pela negativa de provimento ao recurso (fls. 305⁄307).

Subiram os autos.

Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo recebimento do recurso e, no mérito, pela negativa de provimento (fls. 310⁄317).

É o relatório. Passo a decidir.

O recurso interposto é manifestamente improcedente e se encontra em confronto com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, evidencia-se na legislação em vigor (Lei n. 1.060⁄50) a isenção dos emolumentos devidos em face da prestação de serviços registrais e notariais nos casos em que deferida a assistência judiciária gratuita. Transcrevo:

Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:

[…]

II – dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;

[…]

Como mencionado, o tema também já foi objeto de apreciação por esta Corte. Cito precedentes em casos semelhantes:

PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – GRATUIDADE JUDICIÁRIA – ATOS EXTRAJUDICIAIS RELACIONADOS A PROCESSO JUDICIAL – ISENÇÃO – ART. 3º, II, DA LEI N. 1.060⁄50 – EXTENSÃO – ATOS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA – LEGALIDADE DO ATO.

1. A gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso, mesmo em se tratando de registro imobiliário.

2. A isenção contida no art. 3º, II, da Lei n. 1.060⁄50 estende-se aos valores devidos pela extração de certidões de registro de imóveis, necessárias ao exercício do direito de ação.

3. Legalidade do ato.

4. Recurso ordinário não provido (RMS n. 26.493 ⁄ RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19.8.2008).

ASSISTÊNCIA JUDICIARIA. CERTIDÕES JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS.

1. A Juízo da ação de divorcio descabe requisitar, a repartições judiciais, extrajudiciais e fazendárias, certidões necessárias a escritura de doação prevista em acordo homologado.

2. A gratuidade compreende os atos do processo, estendendo-se ate aqueles que decorram necessariamente da sentença, por exigência da lei (averbação de sentença de divorcio, de reconhecimento de filiação, etc.), mas não atinge a pratica de atos da vida civil, ainda que previstos no acordo homologado.

Recurso não conhecido.

(REsp 94649⁄RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 13.08.1996, DJ 09.09.1996 p. 32374)

Desse modo, o ato atacado não inovou no ordenamento jurídico, apenas explicitando o que já era regra posta.

Acertadamente, à desigualdade material deve corresponder uma desigualdade formal construída no sentido de eliminar ou minorar aquela. Conforme mencionado no acórdão atacado, o reconhecimento da hipossuficiência do cidadão deve extrapolar as raias do processo para atingir também os atos de natureza extraprocessual, exatamente como os serviços registrais e notariais dele decorrentes, sob pena de negar-se efetividade ao direito à tutela jurisdicional.

Com estas considerações, reputo a isenção concedida aos necessitados pelo art. 3, II, da Lei n. 1.050⁄50, à luz do art. 5º, LXXVII, da CF⁄88, extensível aos atos registrais relacionados a medidas judiciais que visem a tornar efetiva a prestação jurisdicional, como na hipótese.

Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput, do CPC, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso ordinário em mandado de segurança.

Com efeito, entendo por manter a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.

A isenção concedida aos necessitados pelo art. 3, II, da Lei n. 1.050⁄50, à luz do art. 5º, LXXVII, da CF⁄88, é extensível aos atos notariais e registrais relacionados a medidas judiciais que visem a tornar efetiva a prestação jurisdicional, portanto, a gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao presente agravo regimental.

É como voto.

Fonte: Boletim INR nº 4464 – Grupo Serac – São Paulo, 28 de Fevereiro de 2011