TJ|SP: Obrigação de fazer. Outorga de escritura pública. Compromisso de compra e venda. Preço pago integralmente. Réus são sucessores dos espólios promitentes vendedores. Obrigação caracterizada. Desnecessidade de outorga uxória. Apelante não pode mais usar, gozar e dispor do bem, consequentemente, ausentes os requisitos da titularidade do domínio. Dimensões do terreno são aquelas constantes do instrumento de compromisso de compra e venda. Diferença de área envolvendo suposta desapropriação não tem pertinência com esta demanda. Apelo desprovido.
EMENTA
Obrigação de fazer. Outorga de escritura pública. Compromisso de compra e venda. Preço pago integralmente. Réus são sucessores dos espólios promitentes vendedores. Obrigação caracterizada. Desnecessidade de outorga uxória. Apelante não pode mais usar, gozar e dispor do bem, consequentemente, ausentes os requisitos da titularidade do domínio. Dimensões do terreno são aquelas constantes do instrumento de compromisso de compra e venda. Diferença de área envolvendo suposta desapropriação não tem pertinência com esta demanda. Apelo desprovido. (TJSP – Apelação Cível nº 990.10.262024-7 – São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda – DJ 16.12.2010)
ACÓRDÃO
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente) e FRANCISCO LOUREIRO. São Paulo, 25 de novembro de 2010.
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – RELATOR
RELATÓRIO
1. Trata-se de apelação interposta tempestivamente com base na r. sentença de fls. 111/113, que julgou procedente em parte ação de adjudicação compulsória, envolvendo imóvel urbano.
Alega o apelante que existe impedimento para a lavratura da escritura, uma vez que os titulares do domínio são casados, e os cônjuges não foram citados para a ação, tendo, inclusive, feito referência a textos legais. Continuando declarou que há discrepância entre o pedido formulado e a área total vendida ao apelado, já que não fora alienada a área atingida pela desapropriação. A seguir disse que a sentença destoa das normas da Corregedoria Geral de Justiça, pois retificou a área e determinou a lavratura da escritura e do registro no cartório competente. Por último requereu o provimento do apelo, a fim de que a ação seja julgada improcedente.
O recurso foi contra-arrazoado, rebatendo integralmente a pretensão do apelante, fls. 128/132.
É o relatório.
2. A r. sentença apelada merece ser mantida.
O apelado adquiriu o imóvel como demonstra o documento de fls. 08/09, sendo que os réus reconheceram a quitação do preço.
Deste modo, o imóvel objeto da alienação não mais integrava o patrimônio dos espólios, por conseguinte, o apelante, na condição de herdeiro, não recebera a propriedade, mesmo porque, não exercia a posse e nem poderia usar, gozar e dispor do bem, configurando, então, um domínio vazio, o que, inclusive, a doutrina tem entendido não ser óbice para a adjudicação compulsória.
Oportuna a transcrição jurisprudencial:
“(…) Lembre-se, porém, tratar-se o contrato de compromisso de compra e venda de preliminar impróprio, pois concentra toda a carga negocial do contrato definitivo e transfere desde logo ao promitente comprador as faculdades federadas do domínio (ius utendi, fruendi e abutendi). Remanesce nas mãos do promitente vendedor um domínio vazio de conteúdo, com função estrita de garantia do recebimento do preço. Recebido o preço, até mesmo a função de garantia se esvai, somente restando o dever de outorgar a escritura definitiva (cfr. De minha autoria, Responsabilidade Civil no Compromisso de Compra e Venda, in Responsabilidade Civil e sua Interpretação nos Trinunais, diversos autores coordenados por Regina Beatriz Tavares da Silva, Série GVLaw, Editora Saraiva).” (Apelação cível n.º 399.347-4/4-00. Relator Desembargador Francisco Loureiro. Quarta Câmara de Direito Privado. J. 17-09-2009)
3. Convém ressaltar que não se vislumbra a necessidade de litisconsórcio passivo no que corresponde aos cônjuges, pois a obrigação decorre de transmissão da herança, uma vez que os espólios dos genitores dos réus é que foram os promitentes vendedores, consequentemente, caberia a eles a outorga da escritura ao compromissário comprador.
Destarte, o comparecimento dos cônjuges dos integrantes do polo passivo não se faz presente, haja vista a dispensa da outorga uxória no compromisso de compra e venda, conforme notório entendimento tanto da doutrina quanto da jurisprudência.
Segundo o escólio de Francisco Eduardo Loureiro:
“Curiosamente, porém, o Superior Tribunal de Justiça, que tanto prestigia e acentua os efeitos do compromisso de compra e venda, entende, de modo tranquilo, que ‘a ausência e outorga uxória não é causa de invalidade do compromisso de compra e venda, tendo em vista sua natureza obrigacional’ (AgRg dos EDcl no Ag 670.538/PR, rel. Min. Castro Filho, j. 1º-3-2007). Isso porque ‘promessa de compra e venda gera apenas efeitos obrigacionais, não sendo, pois, a outorga da mulher, requisito de validade do pacto firmado’ (REsp 677.177/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 2-12-2004; também Resp 37.466/RS, rel. Min. Sálvio Figueiredo, REsp 36.413, Min. Eduardo Ribeiro). Claro que a jurisprudência acima citada se refere exclusivamente a contratos não levados ao registro imobiliário, ou seja, que não se converteram em direito real de aquisição.
O art. 434 do novo Código Civil, ao regular a responsabilidade daquele que promete fato de terceiro, dispõe que ‘tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização de algum modo, venha recair sobre seus bens’. Há nítida tendência do Superior Tribunal de Justiça a admitir a validade do negócio, que apenas não produzirá efeitos, diretos ou indiretos, sobre o patrimônio do cônjuge que não consentiu.
A dispensa de outorga uxória para a celebração do compromisso de compra e venda gerou efeitos reflexos, quanto à necessidade de notificação do cônjuge, para fim de conversão da mora em inadimplemento absoluto. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que ‘a notificação da mulher, no caso de promessa de compra e venda onde figura apenas o marido, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, se faz desnecessária para efeito de constituição em mora’ (Resp 599.512/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, RSTJ, 185/465).” (Carlos Alberto Dabus Maluf e outros. Responsabilidade Civil e sua Repercussão nos Tribunais. Editora Saraiva. 2ª edição. 2009. Págs. 230/231)
A jurisprudencial assim entende:
“Civil. Compromisso de compra e venda. Natureza jurídica pessoal do direito. Outorga uxória. Desnecessidade. Instrumento não registrado. Validade. Ação cominatória ou adjudicação compulsória. Precedentes da Turma. Doutrina e jurisprudência em recente estudo do prof. Humberto Theodoro Júnior. Recurso desprovido. I – Tendo em vista a natureza eminentemente pessoal dos direitos resultantes do contrato de compromisso de compra e venda, desnecessária a outorga uxória da mulher que firmou o pacto. II Dispensável também a inscrição do instrumento no registro imobiliário como condição de procedibilidade das ações cominatória e adjudicatória, se o que se pretende e fazer valer os direitos entre as partes contratantes.” (Resp 37.466/RS; Recurso Especial 1993/0021578-7. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. J. 25/11/1996)
4. Questões outras sobre as medidas e confrontações do imóvel devem levar em consideração o que fora efetivamente pactuado, constando expressamente da cláusula I do compromisso de compra e venda, fls. 08, a seguinte descrição do imóvel: terreno com 9,23 metros de frente e fundos, e 31 metros nas laterais, perfazendo a área total de 286,13 m².
Destaque-se que existe pendência sobre a diferença de 7,60 metros da frente aos fundos do imóvel, ante suposta desapropriação, o que em nada altera a obrigação do polo passivo, que deve se limitar à área descrita no instrumento de compromisso de compra e venda de fls. 08/09.
5. Por último, os próprios réus reconheceram a ocorrência da quitação, portanto, a obrigação da outorga da escritura deve sobressair, com a ressalva envolvendo as dimensões do terreno em referência.
6. Com base em tais fundamentos, nega-se provimento ao apelo.
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – RELATOR.
Fonte: Boletim Eletrônico nº 4536 – Grupo Serac – São Paulo, 08 de Abril de 2011.