TJ|SP: Ata Notarial do 26 comprova uso indevido de imagem

Processo: 0017591-86.2011.8.26.0002

Classe: Procedimento Ordinário

Área: Cível

Assunto: Indenização por Dano Moral

7ª Vara Cível – Foro Regional II – Santo Amaro

Juiz: Alexandre David Malfatti

Partes do Processo

Reqte: I. S. P.

Advogada: S. S. K.

Reqdo: R. G. de T.

Vistos.

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização promovida por I. S. P. em face de R. G. de T. – TV G. LTDA. Constou da petição inicial, em resumo, que o autor teve seu nome e imagem utilizados indevidamente pela emissora de televisão ora ré. No programa denominado “X. B. X. 2011”, foi indicado “I. P.” como um dos participantes, mas, na verdade, se referia a outra pessoa de nome “I. G.”. Além da troca de nomes, o autor viu também sua imagem associada ao programa, por meio de fotografias e de filme inserto no “youtube”, o que aconteceu em inúmeros “SITES” da G. e de outras empresas.

Após mencionar a violação dos direitos da personalidade e da necessidade de tutela jurídica, o autor deduziu os seguintes pedidos em face da ré: a) imposição de obrigação de fazer consistente na divulgação de nota de retratação, a fim de ser corrigido o equívoco na troca de nomes e apropriação de imagens e b) indenização por danos morais. Houve pedido de antecipação da tutela relativa à obrigação de fazer. ENTENDO PRESENTES OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR. Primeiro, há prova inequívoca dos seguintes fatos: a) troca dos nomes e b) utilização da imagem do autor. É o que consta da documentação trazida na inicial, destacando-se a ata notarial que retratou o acesso a SITES ligados a “G..COM” (fls. 161/164). (destaque nosso)

O autor I. P. viu seu nome ser anunciado pela G. como participante do programa de repercussão nacional denominado “X. B. X. 2011”, quando, na verdade, outra pessoa integrava o elenco e se chamava “I. G.”. Além da troca dos nomes, houve veiculação das imagens do autor nos sites da própria G. e de outras empresas destinadas à divulgação de matérias ligadas ao ambiente da televisão. Segundo, há verossimilhança na alegação.

O nome e a imagem configuram direitos da personalidade do cidadão brasileiro, havendo proteção na Constituição Federal e no Código Civil. Na Constituição Federal, o inciso V do artigo 5º contemplou o “direito de resposta” para a violação do direito à imagem.

A situação sob exame guarda ligação com o referido direito constitucional, pois “é fácil constatar que o direito de resposta, ante o tratamento constitucional que recebeu, implica, a um só tempo, o direito de retificação de notícias incorretas e simultaneamente uma espécie de direito de réplica, em cujo seio se concretiza um contraditório na informação social”, no precioso magistério de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (in “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, 4ª ed., 2001, p. 101).

Ainda no campo da doutrina, encontra-se o valioso estudo do direito de resposta pelo professor Vital Moreira (in “O Direito de Resposta na Comunicação Social”, Coimbra Editora, 1994, p. 13/15), que enfrenta a dificuldade conceitual do seu alcance, mas destaca sua concepção para abarcar ao menos a “retificação de fatos”. O objetivo será permitir ao interessado dar sua versão pessoal dos fatos, notadamente para retificar fatos errôneos ou inverídicos que sejam atentatórios ao bom nome ou à reputação.

E, no caso sob julgamento, o direito de resposta está vinculado à notória confusão criada entre o nome do autor e de uma terceira pessoa, implicando uma situação que colocou sob risco outros direitos da personalidade, inclusive a imagem. Em relação à tutela do nome, feliz a colocação do professor Limongi França (in “Direitos Privados da Personalidade”, artigo da RT 370, p. 7-16), definindo-a como direito à identidade pessoal conferido à pessoa, tanto para ser conhecida, mas também para “não ser confundida com outrem”. Entendo que, além da confusão no nome, houve a violação do direito de imagem do autor. Como se depreende da prova documental, destacou-se a profissão do autor, suas habilidades, sua família (inclusive acompanhado do filho).

Conforme magistério de Walter Moraes (in “Direito à própria imagem”, RT 443/64), a imagem é traduzida pela expressão formal e sensível da personalidade de um homem, sendo capaz de individualizá-lo no âmbito da coletividade A divulgação de imagem sem autorização não gera, por si só, o dever de indenizar. Para imputar o dever de compensar danos morais pelo uso indevido da imagem com fins lucrativos é necessário analisar as circunstâncias particulares que envolveram a captação e exposição da imagem.

A respeito, confiram-se os seguintes precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça: a) AgRg no Ag n. 735529-RS, 3ª. Turma, relator o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, julgado em 28.11.2006, DJ 11.12.2006 e b) REsp. n. 622872-RS, 3ª. Turma, relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 14.6.2005, DJ 01.8.2005. Porém, diante da veiculação em inúmeros veículos de comunicação, importante que se faça a retificação – direito de resposta – para preservação do nome e da imagem. E a tutela pretendida dos direitos da personalidade não coloca sob risco o direito à comunicação social da ré.

Busca-se proteger a dignidade humana do autor, na esfera dos direitos ao nome e à imagem. Tenho defendido, numa perspectiva sistêmica do ordenamento jurídico, que a Constituição Federal, o Código Civil e as demais leis esparsas devem se conformar com o princípio supremo da dignidade da pessoa humana e com os demais direitos fundamentais (individuais, coletivos e sociais).

Aqui, com todo o respeito ao jurista Ingo Wolfgang Sarlet (in “A Eficácia dos Direitos Fundamentais”, Livraria do Advogado Editora, 1.998, passim), parece-me inadequada a conclusão de que os direitos fundamentais não incidiriam de forma “absoluta” sobre as relações entre particulares. A incidência imediata implica uma eficácia absoluta, como defendido por NIPERPERDEY, citado por Robert Alexy (in “Teoria de los Derechos Fundamentales”, p. 512-513).

A conclusão de incidência imediata dos direitos fundamentais nas relações da esfera privada pode ensejar uma colisão (ou tensão) de direitos (princípios) fundamentais, como apontado, dentre outros, por Ingo Wolfgang Sarlet (ob. cit.) e Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 1.205-1.214).

Na hipótese de conflito ou tensão de direitos fundamentais – normas-objetivo e que estampam, usualmente, princípios – deve-se recorrer à acomodação possível dos mesmos, prevalecendo como ensina Alexy (ob. cit., p. 506-524) aquele que se revelar mais essencial (relevante) no caso concreto.

Há precedente do E. Supremo Tribunal Federal neste diapasão: Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.054 – Medida Cautelar, relator o Ministro Ilmar Galvão, j. 17.11.99 (RTJ 173/85-90), fazendo expressa referência ao magistério de Alexy, entende que, entre o direito fundamental da liberdade de associação e o direito fundamental do autor, o segundo merece maior peso e importância. E terceiro, reconheço a necessidade imediata da tutela da obrigação de fazer. A retificação da confusão do nome e da imagem somente assume sentido, enquanto perdurar o programa “X. B. X. 2011”. Finalizado o programa, não haverá possibilidade de atingir-se o mesmo público alvo.

Novamente, valendo-me do magistério do professor Vital Moreira (in “O Direito de Resposta na Comunicação Social”, Coimbra Editora, 1994, p. 81), entendo que a eficácia do direito de resposta está ligada à viabilidade de dar-se a ele imediatidade e equivalência, neste último ponto quanto a local e forma de divulgação para “mesma eficácia pública da mensagem originária”.

É cediço que encerrado um programa de televisão, principalmente quando dedicado ao entretenimento, o público terá cada vez menos notícias sobre ele. Ou seja, até o final do processo, o direito de resposta pretendido não terá mais efetividade.

Por último, importante salientar que a decisão é adotada em juízo não exauriente. No prazo de cumprimento da liminar, poderá a ré esclarecer eventuais fatos ou condutas que tenham suprido ou excluído as violações mencionadas e capazes de influenciar na condução do processo.

Todavia, a ordem deverá ser cumprida, enquanto não houver juízo diverso deste magistrado ou em outra instância. LIMINAR.

Ante o exposto, DEFIRO a TUTELA ANTECIPADA solicitada por I. S. P. em face da R. G. de T. – TV G. LTDA, para impor-se à ré o cumprimento de obrigação de fazer nos seguintes termos:

A) divulgar o seguinte comunicado: “Em razão de liminar concedida pelo Juízo da 7ª Vara Cível de Santo Amaro, a R. G. de T. esclarece que o candidato inscrito e selecionado a participar do “X. B. X. 2011” tem como nome “I. G.”, havendo erro na divulgação do nome de “I. S. P.”, bem como de imagens e informações ligadas ao último – incluindo-se aparição com o filho e em filme veiculado na Internet. A correção do erro é feita para a preservação do nome e da imagem de “I. S. P.”.”

B) a divulgação deverá ser concretizada por meio de publicação nos SITES organizados, direta ou indiretamente, pelas organizações da R. G. (empresas a ela ligadas por questões societárias ou comerciais), em especial os SITES da “G..COM” (fls. 25 dos autos, cuja cópia deverá acompanhar o mandado de citação e execução da liminar). A nota de retificação deverá ser posicionada, na sua integralidade, na primeira página de cada um dos SITES, de modo a ter destaque e ser facilmente percebida pelo usuário. A divulgação deverá ser veiculada com o destaque aludido por igual período de duração do programa (em número de dias). Após este período, a nota deverá ser incluída no banco de dados da referida edição do programa.

C) ainda no campo da divulgação da nota de retificação deverá ser enviada por carta (registrada e com aviso de recebimento) para os SITES que veicularam informações sobre o programa referido (fls. 26 dos autos, cuja cópia deverá acompanhar o mandado de citação e execução da liminar). Neste passo, caberá à R. G. tão somente provar que fez o envio da carta (trazendo para os autos o aviso de recebimento), não sendo dela exigido que a empresa responsável pelo SITE faça a divulgação – o que traduz pretensão distinta do autor em face de eventual recusa da terceira empresa. A obrigação de fazer deverá ser cumprida – na parte de inserção da nota de retificação e de prova do protocolo das cartas – no prazo de 15 (quinze) dias, contados da citação. Trata-se de prazo razoável e dentro do qual poderão ser adotadas todas as medidas impostas.

O descumprimento da liminar, total ou parcialmente, implicará em multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), realizando-se o bloqueio pelo BACEN-JUD do valor a cada período de cinco dias. A multa terá incidência no prazo de 30 dias, após o que será avaliada a oportunidade de seu prosseguimento ou adoção de outras medidas de apoio. Cite-se a ré, para, querendo, apresentar contestação, no prazo de quinze dias, sob pena de revelia, considerando-se verdadeiros os fatos alegados, na petição inicial.

O MANDADO servirá para citação e intimação dos termos da liminar. As partes deverão esclarecer (a ré na contestação e o autor na réplica), se há interesse na realização de audiência ou sessão de conciliação.

A solução do conflito pela referida forma alternativa revela-se viável, diante da discussão travada entre as partes. Nada impede que os advogados busquem contato imediato para início de negociações.

O papel do advogado é relevante para a conciliação das partes. Considerando o elevado volume de processos em andamento e o mínimo número de funcionários prestando serviços no Cartório, além da celeridade imposta pela Emenda Constitucional nº 45 (reforma do Judiciário), o presente servirá de mandado, instruído com a contrafé, devendo o Sr. Oficial de Justiça, atender os ditames legais, observando-se o disposto no Capítulo VI da NSCGJ, itens 04 e 05: “É vedado ao oficial de justiça o recebimento de qualquer numerário diretamente da parte.” “A identificação do oficial de justiça no desempenho de suas funções será feita mediante apresentação de carteira funcional, obrigatória em todas as diligências.”

Int. CUMPRA-SE COM URGÊNCIA, em 48 horas. Nota de Cartorio: Deverá o autor recolher a taxa referente à diligência do oficial de justiça.