Artigo: Primeiras reflexões sobre as conseqüências aos notários e registradores, do julgamento do STF que equiparou, nos seus efeitos, as uniões estáveis heterossexual e homoafetiva – Christiano Cassettari
OPINIÃO
No dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal ao julgar as ADPF 132-RJ e a ADI 4277 reconheceu, de forma unânime, a aplicação analógica das normas da união estável heterossexual para a união estável homossexual ou homoafetiva.
Trata-se de um dia que ficará marcado em nosso país, pela realização de um desejo antigo da doutrina, capitaneada inicialmente por Maria Berenice Dias, em se promover a defesa de uma classe alijada e vítima de muito preconceito em nossa sociedade, e que nunca foi defendida por parlamentares que sempre tiveram medo de enfrentar o tema e que isso pudesse acarretar um prejuízo eleitoral incalculável.
Essa decisão do STF faz com que todos os direitos que são dados aos companheiros em nosso sistema legislativo, seja estendido para as pessoas que vivem em união estável homoafetiva.
Para se ter a união estável homoafetiva, deve-se preencher os mesmos requisitos para se constituir a união estável heterossexual, ou seja, a convivência pública, duradoura e contínua com o objetivo de constituir família, conforme o art. 1.723 do Código Civil, que foi amplamente discutido pela suprema corte nesse julgamento histórico.
Isso irá provocar uma série de reflexos na atividade de notas e de registro, motivo pelo qual iremos nesse artigo discorrer sobre alguns desses efeitos, para ajudá-los a enfrentar tais questões no seu dia a dia.
1) A possibilidade das pessoas que vivam em uniões homoafetiva de incluir ao seu nome o sobrenome do companheiro
É sabido que o art. 57, § 2º, da Lei de Registros Públicos autoriza a pessoa que vive em união estável heterossexual incluir ao seu nome o sobrenome do companheiro. O citado artigo determina que:
“Art. 57. (…)
§ 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao Juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patrominico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”
A leitura apressada do citado dispositivo nos leva a crer que somente a mulher teria direito a incluir o sobrenome do companheiro e que o homem não poderia fazer o mesmo.
Esse posicionamento não é o que prevalece, pois a doutrina já havia se manifestado que essa interpretação é inconstitucional, consoante o magistério de Walter Ceneviva(1), que leciona:
“Na união estável, tendo em vista o tratamento que lhe é dado no art. 226 da Constituição Federal (origina uma entidade familiar) e a igualdade entre homem e mulher, em direitos, deveres, e mesmo ao regime de bens, é razoável a exegese extensiva do § 2º, ora examinado; permitirá que qualquer dos companheiros adote o sobrenome do outro, desde que requerido em juízo, com ordem de averbação ao registrador.”
Assim, não poderá o registrador civil negar-se a proceder a averbação de uma ordem judicial que determine a inclusão do sobrenome do companheiro de pessoa que vive em união estável homoafetiva, por ser esse direito garantido nas uniões estáveis heterossexual e que deverá ser estendido as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
2) Da possibilidade de se fazer escritura de dissolução de união estável homoafetiva, com aplicação analógica da norma do art, 1.124-A do Código de Processo Civil.
O art. 1.124-A do Código de Processo Civil autoriza ao tabelião lavrar escritura de divórcio. O citado artigo determina que:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. “
Por ausência de previsão legal específica, já escrevemos que defendemos a aplicação analógica dessa regra para a união estável(2). Por ser uma união informal, que não exige regra para ser constituída, a escritura pública pode ser lavrada independentemente dos requisitos do art. 1.124-A do Código de Processo Civil para desconstituir a união estável.
Agora, se houver interesse das partes em partilhar bens, fixar pensão alimentícia e de alterar o uso do nome, haverá a necessidade de observar os requisitos do citado artigo na aplicação analógica.
Não podemos esquecer que o companheiro também tem direito aos alimentos, conforme determina o art. 1.694 do Código Civil:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Dessa forma, sendo possível escriturar o fim da união estável heterossexual com a realização de partilha dos bens, com a fixação de pensão alimentícia e a decisão sobre a retomada ou não do nome de solteiro (se usou da faculdade prevista no art. 57 da Lei de Registros Públicos), poderá o tabelião, lavrar a mesma escritura se a união for de pessoas do mesmo sexo, e deverá o registrador imobiliário registrá-la normalmente se houver partilha de bens imóveis.
3) Da possibilidade de se fazer escritura de inventário de pessoa que vivia em união estável homoafetiva.
O art. 982 do Código de Processo Civil autoriza ao tabelião lavrar escritura de inventário. O citado artigo determina que:
“Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
§ 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”
A referida norma é aplicada para qualquer estado civil do falecido, ou seja, solteiro, casado, viúvo ou que viva em união estável.
Aliás, o art. 18 da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça há muito tempo já permite a lavratura da escritura de inventário no caso do falecido ter vivido em união estável, conforme veremos abaixo:
“Art. 18. O(A) companheiro(a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.”
Assim sendo, se o julgamento do STF estendeu às uniões homoafetivas os mesmos direitos dados nas uniões heterossexuais, o tabelião deverá lavrar a citada escritura e o registrador imobiliário deverá registrá-la, sem medo de alguma penalidade ou de estar cometendo alguma ilegalidade.
Essas são as nossas impressões iniciais sobre os reflexos aos notários e registradores do julgamento do STF que equiparou, nos efeitos, as uniões estáveis heterossexual e homoafetiva, no dia seguinte ao seu julgamento, lembrando que muitos outros existem e que pretendemos, com o passar do tempo, amadurecer as idéias e escrever para torná-las públicas, mas, gostaria de afiançar que esse histórico julgamento, que precisava dar um pouco de alento para essas pessoas desfavorecidas, desprotegidas e desamparadas pelo Direito, que merecem viver com dignidade, e você, notário e registrador DEVE ajudar, motivo pelo qual mãos a obra pois o seu papel é fundamental para que tenhamos justiça nesse país, e, sobre o tema, consigamos difundir a idéia para todos de que é necessário por FIM AO PRECONCEITO!!!!!
Notas
(1) CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 17º ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 148.
(2) CASSETTARI, Christiano. Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: Teoria e Prática. 4º ed. São Paulo: Método, 2010.
*O Autor é Doutorando em Direito Civil pela USP; Mestre em Direito Civil pela PUC/SP; Especialista em Direito Notarial e Registral pela PUC–MG; Autor do livro Elementos de Direito Civil pela Ed. Saraiva; Advogado e consultor de notários e registradores. www.professorchristiano.com.br
Fonte: Boletim Eletronico INR nº 4583 – Grupo Serac – São Paulo, 09 de Maio de 2011.