OPINIÃO: ITCMD – A base de cálculo como elemento quantitativo do fato gerador do imposto paulista, as penalidades por inobservância dos prazos legais e os impasses na hora de lavrar a escritura de inventário – Antonio Herance Filho*

OPINIÃO: ITCMD – A base de cálculo como elemento quantitativo do fato gerador do imposto paulista, as penalidades por inobservância dos prazos legais e os impasses na hora de lavrar a escritura de inventário – Antonio Herance Filho*

Cumprir adequadamente com a obrigação tributária principal, de competência dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às transmissões “causa mortis” e doação de bens e direitos, não tem sido tarefa das mais fáceis.

Na verdade, a determinação da base de cálculo do ITCMD paulista, trabalho que cumpre ao contribuinte, mas que recebe o controle do Notário e, também, do Registrador como responsáveis tributários que são, tem gerado muita polêmica e controvérsia a partir da revogação da Portaria CAT/SP nº 05/2007, já de saudosa lembrança.

O interesse do contribuinte (usuário dos serviços notariais e de registro) é o de não pagar “muito” e a preocupação dos profissionais do direito de que trata ao art. 236 da Constituição Federal, por seu turno, é a de praticar os atos de seus respectivos ofícios com execução fiel das normas legais que regem as atividades do chamado extrajudicial.

Nem sempre é possível a satisfação de ambas as partes. Ora, de um lado, é o contribuinte que demonstra inconformismo com o valor do tributo a ser recolhido, ora, é o Notário, de outro, que deixa de exigir a prova do recolhimento correto do imposto como condição à prática do ato requerido pelo interessado.

As principais dificuldades enfrentadas pelo Notário ao lavrar as escrituras de inventário e partilha de bens têm a ver com: (i) a determinação da base de cálculo de incidência do ITCMD; (ii) a aplicação de acréscimos moratórios pelo recolhimento do imposto além do prazo fixado na legislação; e, (iii) a aplicação de penalidades pecuniárias pela abertura intempestiva do inventário, temas que serão objeto de nossas breves considerações nesta oportunidade.

1) a determinação da base de cálculo de incidência do ITCMD

De início, vale lembrar que, em matéria tributária, deve ser aplicada a lei vigente na data de ocorrência do fato gerador (tempus regit actum), ainda que esta já tenha sido formal e expressamente revogada.

Especificamente, no caso de inventários e arrolamentos, se a abertura da sucessão tiver ocorrido até 31.12.2000, deverão ser aplicadas as normas trazidas pela Lei Estadual/SP nº 9.591/66. Às sucessões abertas de 1º.01 até 31.12.2001 aplica-se a Lei Estadual nº 10.705/00, com sua redação original e, por fim, serão aplicadas as normas da Lei Estadual nº 10.705/00, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei Estadual/SP nº 10.992/01, às sucessões abertas a partir de 1º.01.2002.

A relevância dessa colocação reside no fato de que em cada um dos diplomas, supra mencionados, encontraremos disposições distintas. Num, a tributação alcançava apenas a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos, noutro, vigia a progressividade de alíquotas e, noutro ainda, os valores das doações, realizadas no mesmo ano civil entre as mesmas partes, doador e donatário (doações sucessivas), passaram a ser somados para os fins de aplicação da regra de isenção em razão do valor.

Quanto à alíquota a ser utilizada para a apuração do valor do tributo, confirma a Súmula do STF nº 112, que “o imposto de transmissão ‘causa mortis’ é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”, momento de ocorrência do fato gerador, uma vez que, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1784).

Destarte, absolutamente necessário o valor venal do bem à época de ocorrência do fato gerador, ou seja, válido na data de abertura da sucessão, na data de falecimento do autor da herança.

Inexiste, à luz do Direito pátrio, como suprir a falta da prova do valor venal válido à época de ocorrência do fato gerador, com o valor venal atual. É o valor da época que será devidamente atualizado pela variação de índices oficiais, sobre o qual deverá ser aplicada a alíquota vigente naquele mesmo momento, e o resultado – o valor original do imposto –, deverá ser acrescido dos respectivos acréscimos moratórios.

Superada está a Súmula do STF nº 113, que definia ser o imposto de transmissão “causa mortis” calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação. Apesar da diretriz contida nessa súmula, a orientação jurisprudencial posterior da Suprema Corte assentou ser possível a determinação da base de cálculo do imposto com base no valor venal do bem à época de ocorrência do fato imponível.

Acertadas as lições de Eduardo Domingos Bottallo e José Eduardo Soares de Melo[1]: “não teria mesmo sentido considerar elementos integrantes do imposto em dois momentos distintos, ou seja, a alíquota fixada na data de abertura da sucessão (Súmula 112) e a base de cálculo apurada em fase posterior, com a avaliação dos bens (Súmula 113)”.

Em relação à atualização da base de cálculo, conforme estabelece o Decreto Estadual/SP nº 32.635/90, os valores tributários devem ser convertidos em quantidade determinada de UFESP, tomando-se por base o valor da UFESP correspondente ao último dia do mês da fixação do valor atribuído ao imóvel.

A partir do primeiro dia do mês que se seguir ao da fixação do valor atribuído ao imóvel, o cálculo do imposto efetua-se sobre o valor atualizado, nascido da reconversão da quantidade apurada de UFESP, na forma supra mencionada, pela multiplicação do número destas pelo valor monetário atribuído a essa unidade fiscal estadual na data do pagamento do imposto.

Se o fato gerador tiver ocorrido antes da instituição da UFESP, o valor venal deve ser indexado aos índices oficiais de correção existentes à época.

Seguem, para consulta, os períodos de vigência dos índices oficiais:

Índice Vigência
ORTN 03/69 a 02/86
OTN 03/86 a 01/89
UFESP MENSAL 02/89 a 09/89 – Criada pela Lei Estadual nº 6.374, art. 113
UFESP DIÁRIA A partir de 10/89 – O valor da UFESP Mensal (Cheia) é correspondente ao do 1º dia útil do mês.
UFESP ANUAL A partir de 12/96 – Atualizada pelo IPC-FIPE (Artigo 603 RICMS – Art. 113 da Lei Estadual nº 6.374/89)

Com efeito, não restam mais dúvidas de que valor venal é o valor de mercado do bem. Valor pelo qual o bem seria vendido em circunstâncias normais e que este não se confunde com o valor utilizado para o lançamento do IPTU (se o bem for imóvel e estiver situado na zona urbana do município), tampouco com o utilizado para a apuração do ITR (se o bem for imóvel e estiver situado fora da zona urbana do município).

Entretanto, no Estado de São Paulo, a Secretaria da Fazenda dá-nos a impressão de autorizar o cálculo do imposto utilizando-se como base os valores tributários, acima referidos, não apenas quando o de mercado for inferior a um deles, conforme o caso. Parece-nos que a SEFAZ fixa tais valores como base de cálculo e não como piso para a sua determinação, contrariando, data vênia, as normas trazidas pelos itens nº 1 e nº 2, do parágrafo único, do art. 16, do RITCMD, aprovado pelo Decreto Estadual/SP nº 46.655/02.

Ao leitor, para que compreenda a extensão do impasse, oferecemos a íntegra da nota de advertência que se abre no programa disponível no sítio da Fazenda do Estado na Internet, no momento em que, na ficha “Bens Tributados” do sistema, o contribuinte seleciona uma opção entre as existentes para os bens imóveis:

Prezado Contribuinte:

Ao declarar o valor do imóvel, indique o respectivo valor de mercado. Para imóveis situados no município de São Paulo, tendo em mãos o número de cadastro do imóvel na Prefeitura e a data do fato gerador, você pode consultar o valor venal de referência, que reflete o valor de mercado, diretamente no site http://www3.prefeitura.sp.gov.br/tvm/

ATENÇÃO: Esta consulta é válida apenas para óbitos/doações a partir de 01/01/2005. Para fatos geradores anteriores a essa data, deve-se utilizar o Valor Venal do IPTU.” (original sem destaques)

Tecnicamente, sob a ótica do Direito Tributário, o valor de mercado do bem (valor venal, ou ainda, valor pelo qual o bem é, em circunstâncias normais, vendido), pode não coincidir com os utilizados para a tributação do IPTU ou do ITR, e, normalmente, não coincide mesmo, de modo que estes somente poderão ser utilizados como base de cálculo do ITCMD paulista na hipótese de o valor de mercado do imóvel ser inferior a eles; ao valor do IPTU (se imóvel urbano) ou, ao do ITR (se imóvel rural).

Relativamente aos fatos geradores ocorridos sob a égide da Lei Estadual/SP nº 9.591/66, o recolhimento do imposto deve ser efetuado por meio de Guia GARE – DR (Demais Receitas). Na transmissão “causa mortis”, o código é 028.0, e na hipótese de o inventário ser realizado por escritura pública, o tabelião poderá praticar o ato mediante a apresentação, pelo próprio contribuinte, da prova do recolhimento, sendo desnecessário qualquer ato de homologação pela Fazenda, afinal, a Certidão de Regularidade do ITCMD, quando o instrumento é lavrado no Estado de São Paulo, deixou de existir a partir da revogação da Portaria CAT/SP nº 05/07.

2) a aplicação de acréscimos moratórios pelo recolhimento do imposto além do prazo fixado na legislação

A questão a ser enfrentada a partir deste momento não se refere a acréscimos, tão somente, uma vez que é possível o recolhimento do ITCMD com desconto.

Está previsto no Decreto do Estado de São Paulo nº 46.655, de 01.04.2002 (art. 31, § 1º, 2), que será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da abertura da sucessão.

É certo que o tributo, no caso de escritura pública de inventário, separação, divórcio e partilha, deve ser recolhido antes da lavratura do respectivo instrumento, estando, assim, a prática do ato notarial condicionada à apresentação prévia da prova de quitação (Guia GARE), como já, há muito, ocorre nos casos de doação.

Mas, se por um lado há previsão de desconto para os recolhimentos efetuados até o 90º dia após a ocorrência do evento morte, por outro, o prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, pena de sujeitar-se o débito aos juros e à multa previstos no art. 32 do RITCMD.

Assim, são três as possibilidades de recolhimento do tributo em razão do valor a ser pago, como estampado segue na tabela abaixo:

Tempo do recolhimento do ITCMD Valor do recolhimento do ITCMD
Até 90 dias da data de abertura da sucessão Valor original do tributo reduzido em 5% (cinco por cento)
De 91 a 180 dias da data de abertura da sucessão Valor original do tributo, sem descontos nem acréscimos
A partir de 181 dias da data de abertura da sucessão Valor original acrescido de juros e multa moratórios.

Quanto aos juros e à multa a serem aplicados a partir do 181º dia da data de abertura da sucessão, prescreve o RITCMD (art.32), que, quando não recolhido nos prazos previstos na legislação tributária, o débito do imposto fica sujeito à incidência de juros de mora, a partir do dia seguinte ao do vencimento, mediante aplicação da taxa acumulada mensalmente da SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), observado o percentual mínimo mensal de 1% (um por cento), e de multa, no percentual de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, limitado a 20% (vinte por cento).

3) a aplicação de penalidades pecuniárias pela abertura intempestiva do inventário

Sobre a multa por atraso na abertura do inventário, segundo dispõe o art. 27, da Lei do Estado de São Paulo nº 9.591/66, nos inventários que não forem requeridos dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo da multa de 10% (dez por cento) e, se o atraso for superior a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento), norma prevista, também, no vigente Regulamento do tributo (Decreto nº 46.655/02, art. 38).

Com efeito, o tema em questão é controvertido, sobretudo no tocante à possibilidade de aplicação de referida norma punitiva aos inventários realizados por escritura pública, e até o presente momento não surgiu solução definitiva. Nada obstante, vislumbramos três interpretações possíveis, a saber:

1ª – Tendo em vista o fato de que a multa em questão é aplicável aos inventários judiciais, em homenagem ao principio da isonomia tributária, também deve ser aplicada aos inventários extrajudiciais.

2ª – Em razão da inexistência de norma expressa que determine especificamente a aplicação da multa em questão para os inventários extrajudiciais, não há falar-se em tal penalidade.

3ª – Seria aplicável a multa apenas aos casos em que o óbito tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 11.441/07, época em que era obrigatória, e única alternativa, a via judicial, de modo que, quando a via administrativa foi eleita pelos interessados, eles já estavam em mora.

Conquanto esteja, de fato, instalada a polêmica, temos notícia de que a SEFAZ não vem aplicando esta penalidade nos casos de inventários extrajudiciais. O próprio sistema disponibilizado pela Fazenda tem deixado de calcular a multa ora em exame aos inventários formalizados pela via extrajudicial, tenha o óbito ocorrido antes ou depois do início da vigência da Lei nº 11.441/07.


Notas

[1] BOTTALLO, Eduardo Domingos & MELO, José Eduardo Soares de. Comentários às Súmulas do STF e do STJ – São Paulo : Quartier Latin, 2007, páginas 43 e seguintes.

*O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, colunista e editor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral e diretor do Grupo SERAC.

Fonte: Boletim INR nº 4606 – Grupo Serac – São Paulo, 20 de Maio de 2011.