STJ: Direito civil – Família – Alimentos – União estável entre sexagenários – Regime de bens aplicável – Distinção entre frutos e produto.

EMENTA

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO. 1. Se o TJ⁄PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal. 2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros. 3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso. 4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. 5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial. 6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC⁄02, correspondente ao art. 271, V, do CC⁄16, aplicável na espécie. 7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha. 8. Recurso especial de G. T. N. não provido. 9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido. (STJ – REsp nº 1.171.820 – PR – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 27.04.2011)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, por maioria, dar provimento ao recurso especial de M D L P S e, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial de G T N. Vencidos, no primeiro recurso, os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Massami Uyeda. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Relatora.

RELATÓRIO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

1.- M D L P S e G T N interpõem recursos especiais contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, Relator o Juiz Convocado LUIZ BARRY, cuja ementa ora se transcreve (e-STJ, fls. 1.845⁄1.846):

APELAÇÃO CÍVEL. REUNIÃO DE AÇÕES. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS, AÇÃO DE ALIMENTOS E AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS JULGADAS CONJUNTAMENTE. INCONFORMISMO DA VAROA EM RELAÇÃO AO INDEFERIMENTO DE PARTILHA DOS BENS E QUANTO AO VALOR ARBITRADO PARA O PENSIONAMENTO ALIMENTAR. ART. 258, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, APLICÁVEL AO CASO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE TAL DISPOSITIVO. INOCORRÊNCIA. DISPOSITIVO RECEPCIONADO PELA CARTA FEDERAL DE 1988 . AUSÊNCIA DE PROVA DO ESFORÇO COMUM PARA NA AQUISIÇÃO DOS BENS. VERBA ALIMENTAR MAJORADA PARA VALOR MAIS CONSENTÂNEO. APLICAÇÃO DO BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE. SENTENÇA REFORMADA UNICAMENTE EM RELAÇÃO AO VALOR DA VERBA ALIMENTAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Embora de se reconhecer a existência de corrente jurisprudencial que preconiza a adoção do preceito contido na Súmula n. 377 do STF independentemente de demonstração do esforço comum de ambos os cônjuges ou conviventes, entendo que, especialmente, em se tratando de casamento ou de união estável envolvendo sexagenários, deve haver a prova do esforço na aquisição dos bens.

2. A verba alimentar deve ser fixada levando-se em conta o binômio possibilidade de quem a presta e necessidade de quem a recebe, de modo a não se constituir em obrigação acima das possibilidades econômicas do alimentante e não assegurar a manutenção e sobrevivência de quem a recebe com um mínimo de respeito e dignidade.

2.- Os embargos de declaração opostos (e-STJ, fls. 1.861⁄1.868 e 1.873⁄1.886) foram rejeitados (e-STJ, fls. 1.934⁄1.940 e 1.943⁄1.949).

3.- M D L P S interpõe recurso especial com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Sustenta que o Tribunal de origem teria incorrido em ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil, porque, a despeito dos embargos de declaração apresentados, não teria se manifestado sobre todos os temas suscitados no recurso de apelação, em especial, sobre: a) impossibilidade de aplicação à união estável, das regras relativas à separação obrigatória de bens; b) presunção de esforço comum; c) comunicabilidade dos frutos e d) possibilidade de apuração do patrimônio partilhável em sede de liquidação de sentença. Além disso também haveria omissão em apreciar de forma explícita os dispositivos legais suscitados nos embargos de declaração para fins de prequestionamento: artigo 1º, III; 3º, IV; 5º, caput, todos da Constituição Federal; XVII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 5º, caput, e § 1º, da Lei nº 9.278⁄96; 1.725 do Código Civil e 982 a 1.030 do Código de Processo Civil.

Alega que os artigos 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916 e 1.641 do Código Civil em vigor seriam inconstitucionais, porque contrários aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade insculpidos nos artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, caput da Constituição, bem como no artigo XVII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse sentido destaca precedente desta Corte.

Registra que, mesmo que se pudesse superar a tese de inconstitucionalidade, não se poderia admitir a aplicação das regras relativas ao casamento com separação obrigatória de bens previstas nos artigos 258, parágrafo único, II, do Código Civil e 1.641, II, do diploma vigente, às hipóteses de união estável. Isso porque a união estável estaria submetida a regramento próprio e exauriente que não necessitaria socorrer-se de analogia. Aponta dissídio jurisprudencial, colacionando precedentes de outros tribunais.

Também aponta dissídio jurisprudencial com relação à possibilidade de aplicação da Súmula 377⁄STF em casos como o dos autos. Segundo essa súmula, submetem-se à partilha os bens amealhados durante o casamento, mesmo que celebrado este sob o regime da separação legal de bens.

Aduz que, nos termos dos artigos 5º, § 1º, da Lei nº 9.278⁄96; 1.660, V, e 1.725 do Código Civil, os alugueres percebidos pelo companheiro em decorrência dos bens supostamente exclusivos não constituiriam, de qualquer modo, bens particulares.

Sustenta que o acórdão recorrido ao relegar para a fase de liquidação a apuração do patrimônio partilhável, teria violado os artigos 982 e 1.030 do Código de Processo Civil.

Acrescenta que o acórdão recorrido majorou o valor da pensão de R$ 1.000,00 para R$ 12.000,00. Nesses termos não se poderia afirmar que houve sucumbência mínima da parte contrária, estando, por isso, violado o artigo 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

4.- G T N, de outro lado, nas razões do seu recurso especial, alega que a majoração da verba alimentar teria se dado de forma equivocada, sem atenção ao disposto no artigo 1.694, § 1º, do Código Civil, porque não demonstrada, pela ex-companheira a necessidade desses alimentos. Nesse sentido também aponta dissídio jurisprudencial, colacionando precedente deste Tribunal.

Além disso, durante os cinco anos em que tramitou o processo, ela teria conseguido viver de forma digna com a pensão que recebe do INSS e com o valor de R$ 1.000,00 por mês, fixado pelo Juiz de 1º grau a título de alimentos provisionais.

Destaca, finalmente, que valor fixado em Segundo Grau, a título de pensão, R$ 12.000,00, seria exagerado.

5.- O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento de ambos os recursos (e-STJ, fls. 2.292/2.299).

É o relatório.

VOTO

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (VENCIDO):

6.- A autora ajuizou ação de reconhecimento de dissolução de união estável cumulada com partilha de bens contra o recorrente G T N, distribuída sob o nº 1862⁄2003 (e-STJ, fls. 03⁄29) no curso da qual se fixou alimentos provisionais no importe mensal de R$ 1.000,00. Ainda há notícia do ajuizamento de uma ação de alimentos (autos nº 999⁄2003) e de uma ação revisional de alimentos (autos nº 1797⁄2004).

7.- Todos os feitos foram julgados em conjunto por sentença que reconheceu a existência de união estável, indeferiu o pedido de partilha e fixou os alimentos no valor de R$ 1.000,00 por mês (fls. 1.519⁄1.542).

8.- O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo da autora, para alterar a verba alimentícia para R$ 12.000,00 mensais.

9.- O Recurso Especial interposto pela autora, não merece provimento.

10.- Não se viabiliza o especial pela indicada ausência de prestação jurisdicional, pois a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se pronunciamento de forma fundamentada. A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.

11.- A alegação de que os artigos 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916 e 1.641 do Código Civil em vigor seriam inconstitucionais não tem passagem em sede de recurso especial, voltado ao enfrentamento de questões infraconstitucionais, apenas.

12.- As turmas que compõem a 2ª Seção já pacificaram o entendimento de que as pessoas que, pela idade, estão submetidas ao regime da separação legal de bens não podem, contraindo união estável, submeter-se a regime patrimonial diverso. Anote-se:

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.

1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta.

(REsp 646.259⁄RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 24⁄08⁄2010);

RECURSO ESPECIAL – UNIÃO ESTÁVEL – APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, EM RAZÃO DA SENILIDADE DE UM DOS CONSORTES, CONSTANTE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL, À UNIÃO ESTÁVEL – NECESSIDADE – COMPANHEIRO SUPÉRSTITE – PARTICIPAÇÃO NA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO FALECIDO QUANTO AOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – OBSERVÂNCIA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, CC – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I – O artigo 1725 do Código Civil preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial. Contudo, referido preceito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva (“no que couber”), permite aos companheiros contratarem, por escrito, de forma diversa;

II – A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário.

(REsp 1.090.722⁄SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA , TERCEIRA TURMA, DJe 30⁄08⁄10).

Mas afirmar que deve ser aplicado o regime da separação obrigatória de bens não resolve de todo o problema. É que, nos termos da Súmula 377⁄STF, “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Assim, se se admite a comunhão dos aquestos no casamento celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, não há porque deixar de admití-la na união estável que, tendo em vista a idade dos envolvidos, deve submeter-se ao mesmo regime.

A controvérsia diz respeito à forma de aplicação da Súmula 377⁄STF. Com efeito, a jurisprudência desta Corte parece não chegar a um consenso sobre a necessidade ou dispensabilidade de prova de esforço comum para a aquisição dos bens a serem partilhados.

Com efeito, os próprios precedentes antes destacados para demonstrar a uniformidade de entendimento quanto à aplicação analógica do regime de separação obrigatória de bens à hipótese como a dos autos, divergem quanto à aplicação da Súmula 377⁄STF. Para o primeiro (REsp 646.259⁄RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 24⁄08⁄2010) seria necessário que a parte interessada comprovasse o esforço comum para ver partilhados os bens adquiridos com exclusividade pelo consorte no decurso da união estável. No segundo julgado, ao contrário, (REsp 1.090.722⁄SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe 30⁄08⁄10) consignou-se que os bens deveriam comunicar-se independentemente de prova do esforço comum.

Essa divergência reflete, com efeito, uma polarização dos entendimentos perfilhados pelas Turmas da Segunda Seção.

Na 4ª Turma, além do precedente já citado, colhem-se outros julgados nos quais também se entendeu exigível a prova de esforço comum para a partilha do patrimônio adquirido no curso do casamento submetido ao regime de separação legal: REsp 442629⁄RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, REPDJ 17⁄11⁄2003; REsp 13.661⁄RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 17⁄12⁄1992; REsp 9.938⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 03⁄08⁄1992. Em sentido contrário: REsp 154. 896⁄RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, DJ 01⁄12⁄2003.

A 3ª Turma, pelo que se pode perceber, tem entendido que o esforço comum deve ser presumido, dispensando-se a parte de produzir prova nesse sentido. A propósito confira-se, além do precedente já destacado, os seguintes: REsp 736627⁄PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 01⁄08⁄2006; REsp 208640⁄RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 28⁄05⁄2001; AgRg no Ag 1119556⁄PR, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄BA), TERCEIRA TURMA, DJe 28⁄06⁄2010; REsp 1.615⁄GO, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJ 12⁄03⁄1990.

A E. Ministra NANCY ANDRIGHI, no voto vencido que proferiu no julgamento do REsp 736627⁄PR, assinalou que os precedentes que deram origem à Súmula 377⁄STF, não teriam dispensado a prova do esforço comum para autorizar a comunhão de bens no regime de separação obrigatória. Cumpre reconhecer, porém, que após a publicação desse enunciado sumular, o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou em sentido oposto de forma expressa. Confira-se, a propósito o AI 70303 AgR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, SEGUNDA TURMA, DJ 13⁄06⁄77.

Feitas essas considerações é de rigor assinalar que, no caso concreto, mesmo que se adote o posicionamento que conta com a adesão da 3ª Turma e também do STF – no sentido de que o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal deve ser presumido – não seria possível alterar o resultado do julgamento.

É que o acórdão recorrido, resgatando as conclusões da sentença de 1º grau, que apreciou a prova dos autos, foi categórico em afirmar que a companheira não contribuiu para a constituição do patrimônio que quer ver partilhado. Confira-se, a propósito, a seguinte passagem: “(…) tudo indica que o patrimônio de Gabriel já estava consolidado quando a conheceu e os acréscimos que porventura se perfizeram no período do relacionamento se originaram nos frutos (alugueres) dos imóveis integrantes de seu acervo particular” (e-STJ, fls. 1.852).

Reconhecida essa circunstância, não há espaço para presunções. Não se pode, por isso, acolher a pretensão recursal de partilha de bens.

13.- A alegação de ofensa aos artigos 5º, § 1º, da Lei nº 9.278⁄96; 1.660, V, e 1.725 do Código Civil não veio satisfatoriamente demonstrada. Com efeito, não se pode extrair de forma direta, a partir de tais dispositivos, que os alugueres advindos dos bens exclusivos teriam se convertido em patrimônio sujeito à meação. Da mesma forma não há indicação precisa das razões porque se entende malferidos os artigos 982 e 1.030 do Código de Processo Civil. Em ambos os casos incide, portanto, a racionalidade da Súmula 284⁄STF.

14.- Finalmente, no que diz respeito à sucumbência mínima, é de se anotar que o redimensionamento da pensão alimentícia não foi a única questão apreciada pelas instâncias de origem, sendo certo que a ex-companheira decaiu em relação aos demais pedidos, especialmente em relação à partilha de bens. Assim, outras circunstâncias devem ser apreciadas para que se possa afirmar que não houve sucumbência mínima reconhecida pelo acórdão recorrido. Mas o exame dessas circunstâncias esbarra na Súmula 7 desta Corte. Nesse sentido: AgRg no Ag 774.257⁄MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 16.10.06; AgRg no Ag 728.524⁄RJ, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄MG), DJ 10.3.08; REsp 764.526⁄PR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ 7.5.08; AgRg no Ag 899.585⁄SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 19⁄08⁄2008, DJe 01⁄09⁄2008.

15.- O Recurso Especial apresentado pelo réu, também não merece provimento.

O valor arbitrado a título pensão alimentícia vem fundamentado pelo acórdão recorrido nos seguintes termos (e-STJ, fls. 1.852⁄1.853):

(…) restou comprovado nos autos, a apelante, durante o período das união estável que manteve com o apelado dedicou-se única e exclusivamente à família que constituiu, cessando, nesse período qualquer espécie de vida profissional, visto a dedicação integral ao companheiro. Com o fim da sociedade conjugal, resta ela sem uma profissão que garanta seu sustento e sobrevivência, conta com 67 anos de idade (ver – fls. 66), está acometida de problemas sérios de saúde (vide – fls. 16⁄21 – autos 1868⁄2003), de se concluir, portanto, encontra-se impossibilitada de, por si só, assegurar o próprio sustento, dependendo, destarte, do pensionamento a ser prestado pelo apelado.

E, se de um lado, ao se analisar quanto a possibilidade de quem presta alimentos, torna-se claro que o apelado dispõe de suficiente condição econômica para prestar o pensionamento, de outro, embora não se possa quantificar o grau de necessidade, torna-se claro que a apelante depende integralmente do “quantum” a receber do apelado, para não só manter sua subsistência, mas também para fazer frente as necessidades de toda ordem, máxime, para assegurar seu próprio tratamento médico, eis que vem realizando exames através do sistema público – SUS (neste sentido – autos 1868⁄2003, fls. 59⁄62).

Neste sentido, o posicionamento manifestado pela Douta Procuradoria de Justiça:

“Destarte, em se mantendo a pensão alimentícia arbitrada pela julgadora singular – cerca de 1% (um por cento) dos rendimentos mensais do apelado – estar-se-á condenando a apelante à míngua, sendo aludida conseqüência de todo descabida quanto está sobejamente demonstrado nos autos que o resultado da equação que rege o binômio alimentar é consideravelmente superior ao definido em primeiro grau de jurisdição.

Imperioso, portanto, redimensionar substancialmente o encargo ao qual foi condenado o apelado, pois somente desta forma será possível alcançar plenamente o verdadeiro objetivo do instituto dos alimentos com valor a ser definido por esse Egrégio Colegiado.”

De modo que, entendo até por aviltante o arbitramento como restou estabelecido no “decisum” de primeiro grau, motivo para elevar o pensionamento para o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) mensais, ao menos até que, através de medida própria (revisional), se demonstre a necessidade de tal pensionamento sofrer nova elevação ou, ao contrário, redução.

Dessa forma, a alegação de que não teria sido provada a necessidade de majoração da pensão e, bem assim, a de que o seu valor seria excessivo, não podem ser examinadas sem o revolvimento de matéria fático probatória, vedado pela Súmula 7 desta Corte.

16.- Ante o exposto, nega-se provimento a ambos os Recursos Especiais e, em consequência, julga-se prejudicado o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal requerido à petição nº 254703⁄2010 (fls. 2.301⁄2.310).

Ministro SIDNEI BENETI – Relator.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recursos especiais interpostos por M. DE L. P. S. e G. T. N., ambos com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação (inicial às e-STJ fls. 4⁄30): de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens, ajuizada por M. DE L. P. S. em face de G. T. N., como também, em autos apensos, ação cautelar de alimentos provisionais, bem como revisional de alimentos.

A autora sustenta que manteve, com o réu, união estável, a qual se iniciou no ano de 1989 e se prolongou até meados de 2002, quando houve a cessação da vida em comum do casal, o que perfaria, aproximadamente, 13 anos de “relação compromissada, de fidelidade, duradoura, séria, pública e notória” (e-STJ fl. 7). Relata que se desligou de suas atividades profissionais, a pedido do então companheiro, passando a dedicar-se integralmente à vida familiar e do lar, inclusive auxiliando, por diversas vezes, nas atividades comerciais do réu, com locação de imóveis. Afirma, ainda, que o ajudou em diversas dificuldades, inclusive judiciais, decorrentes de “problemas psicológicos e comportamentais” (e-STJ fl. 11) envolvendo o filho do companheiro, G. T. N. J., à época menor. Assevera que diante da enfermidade que acometeu o companheiro – “Mal de Parkinson” e suas doenças “consectárias” – renunciou “à sua vida própria para cuidar, e mais, confortar, o requerido” (e-STJ fl. 10). Contudo, aduz que ao ser diagnosticada com “quadro grave de diverticulite do cólon” (e-STJ fl. 14), “foi surpreendida pela mudança de comportamento do requerido, que se recusou a lhe dar qualquer ajuda financeira (…) deixando de reconhecer todo o imenso carinho e altruísmo que lhe foram dedicados ao longo de todos esses anos de convivência” (e-STJ fl. 15). Diante do tratamento agressivo que o companheiro passou a lhe destinar após saber de sua enfermidade, “praticamente expulsando-a do lar conjugal” (e-STJ fl. 16), resume da seguinte forma o rompimento ocorrido: “enquanto tinha saúde e podia ajudá-lo, a companhia da autora serviu aos propósitos do requerido; exaurida fisicamente e enferma, a companheira de tantos anos e de tantas conquistas, mostrou-se dispensável” (e-STJ fl. 17). Pugna pela concessão de tutela antecipada, para que seja determinado ao réu que deposite, mensalmente, em Juízo, o equivalente “à metade dos valores auferidos com os alugueres dos imóveis comuns, até final decisão sobre o mérito da demanda, quando procedente a meação” (e-STJ fl. 28). Por fim, pleiteia a partilha do patrimônio adquirido a título oneroso pelo casal, ao longo da união estável.

Contestação (e-STJ fls. 47-72): G. T. N. alega, ao contrário do quanto aduzido por M. DE L. P. S., que a autora reconciliou-se, em 24.8.1998, “com seu ex-marido, no período alegado como união estável” (e-STJ fl. 48) e que possui “rendimento em torno de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais), referente à sua aposentadoria e pensão pelo falecimento de seu cônjuge, contrariando a suposta ausência de condição financeira de sobreviver enquanto perdurar o litígio” (e-STJ fl. 49 – com destaques no original). Sustenta que “o dito relacionamento se restringiu ao período do final de 1989 a meados de 1992, limitando-se a um namoro habitual, não existindo qualquer dos elementos necessários para a configuração de união estável” (e-STJ fl. 50 – com destaques no original). Assevera que a autora “jamais participou dos negócios do Requerido, bem como, conforme a (sic) declararam os corretores, nunca foi vista na residência do mesmo, demonstrando-se, mais uma vez, que jamais coabitou consigo” (e-STJ fl. 61 – com destaques no original). Aduz, ainda, que “adquiriu imóveis na última década oriundos dos produtos de patrimônio pré-existente” (e-STJ fl. 67), sem qualquer colaboração da autora. Arrimado no fato de que “na data acusada como início da fictícia união estável, final de 1989, o Requerido contava com 62 (sessenta e dois) anos de idade” (e-STJ fl. 69), entende como obrigatória a aplicação do regime de separação total de bens, inerente aos maiores de 60 (sessenta) anos. Por fim, postula a condenação da autora ao pagamento de multa decorrente da litigância de má-fé.

Impugnação à contestação (e-STJ fls. 321⁄339): a autora reitera as alegações constantes da inicial e assevera que a sua reconciliação “com seu ex-marido – quando pretendeu ela apenas atender a um último pedido de um ente querido que agonizava numa UTI de hospital –, nenhum efeito provocou no vínculo havido entre as partes ao longo destes 13 anos” (e-STJ fl. 330). Sustenta, por fim, que “os aqüestos adquiridos a título oneroso durante a união compõem o patrimônio comum” (e-STJ fl. 336) e devem, portanto, ser partilhados.

Parecer do Ministério Público do Estado do Paraná (e-STJ fls. 1.485⁄1.497): o Parquet manifestou-se pela procedência parcial do pedido, para o fim de declarar-se o reconhecimento da união estável no período compreendido entre fevereiro de 1990 e dezembro de 2002, com sua consequente dissolução, negando-se, todavia, a pretensão de partilha dos bens, porque a autora não teria se desincumbido de “especificar e demonstrar quais seriam os bens adquiridos com o esforço (direto ou indireto) comum” (e-STJ fl. 1.496).

Sentença (e-STJ fls. 1.520⁄1.543): em julgamento conjunto das três ações e em consonância com o parecer do MP⁄PR, o i. Juiz prolatou sentença nos termos do dispositivo a seguir:

À face do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos feitos pela autora, para: a) declarar que viveu em união estável com G. T. N. no período de fevereiro de 1990 a 2002 (inclusive), dissolvendo-a; b) condenar o requerido a pagar pensão alimentícia para a autora, no valor de R$ 1.000,00 por mês, mediante depósito em conta que ela indicar, até o dia 10, confirmando assim a liminar dos autos nº 999⁄2003 [medida cautelar de alimentos], em consequência do que julgo extintos os autos nº 1797⁄2004 [revisional de alimentos], pela perda do objeto; e c) improcedente o pedido de partilha (e-STJ fls. 1.542⁄1.543 – com destaques no original – com adaptações).

Embargos de declaração: opostos por M. DE L. P. S. (e-STJ fls. 1.550⁄1.556), foram rejeitados (e-STJ fl. 1.557).

Acórdão (e-STJ fls. 1.846⁄1.855): o TJ⁄PR, em conformidade com o parecer emitido pelo MP⁄PR (e-STJ fls. 1.675⁄1.693), majorou os alimentos, com base no binômio possibilidade de quem os presta e necessidade de quem os recebe, por entender

até aviltante o arbitramento como restou estabelecido no ‘decisum’ de primeiro grau, (…) para o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) mensais, ao menos até que, através de medida própria (revisional), se demonstre a necessidade de tal pensionamento sofrer nova elevação ou, ao contrário, redução (e-STJ fl. 1.854).

No que se refere à partilha de bens, extrai-se da ementa a seguinte fundamentação:

Embora de se reconhecer a existência de corrente jurisprudencial que preconiza a adoção do preceito contido na Súmula n. 377 do STF independentemente de demonstração do esforço comum de ambos os cônjuges ou conviventes, entendo que, especialmente, em se tratando de casamento ou união estável envolvendo sexagenários, deve haver a prova do esforço na aquisição dos bens (e-STJ fls. 1.846⁄1.847).

Embargos de declaração: interpostos por ambas as partes (e-STJ fls. 1.862⁄1.869 e 1.874⁄1.887), foram rejeitados (e-STJ fls. 1.936⁄1.941 e 1.945⁄1.950).

Recurso especial de G. T. N. (e-STJ fls. 1.956⁄1.974): interposto sob alegação de ofensa ao art. 1.694, § 1º, do CC⁄02, bem como de dissídio jurisprudencial.

Recurso especial de M. DE L. P. S. (e-STJ fls. 2.005⁄2.042): interposto sob alegação de ofensa aos arts. 535, I e II, do CPC; inconstitucionalidade e violação dos arts. 258, parágrafo único, do CC⁄16, e 1.641, II, do CC⁄02; violação dos arts. 5º, § 1º, da Lei n.º 9.278, de 1996, 1.660, V, e 1.725, do CC⁄02; 982 a 1.030 do CPC; bem como de dissídio jurisprudencial.

Recurso extraordinário de M. DE L. P. S.: às e-STJ fls. 2.129⁄2.144.

Contrarrazões: oferecidas por ambas as partes, respectivamente, às e-STJ fls. 2.213⁄2.228 e 2.230⁄2.247.

Prévio juízo de admissibilidade recursal: às e-STJ fls. 2.266⁄2.2.273 ambos os recursos especiais e também o extraordinário foram admitidos.

Parecer do MPF (e-STJ fls. 2.292⁄2.299): o Parquet apresentou parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, opinando pelo não conhecimento dos recursos especiais.

O i. Min. Relator, Sidnei Beneti, negou provimento a ambos os recursos especiais, por entender, no que respeita a questão principal, que a afirmação contida no acórdão recorrido declarando a ausência de colaboração mútua para a aquisição do patrimônio a ser partilhado, teria o condão de inviabilizar a pretendida alteração do resultado do julgamento, mesmo com a aplicação da jurisprudência da 3ª Turma do STJ e também a do STF, no sentido de que o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal é presumido nas uniões estáveis entre sexagenários, ocasião em que pedi vista dos autos, para melhor examinar a matéria controvertida.

Reprisados os fatos, decido.

A. Do recurso especial de G. T. N.

A insurgência do ex-companheiro limita-se à majoração do valor dos alimentos. A alteração do julgado, todavia, a respeito do tema, esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ, pois o TJ⁄PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, conclusões essas que são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.

B. Do recurso especial de M DE L. P. S.

I. Da delimitação da lide.

A principal questão posta à análise por meio do recurso especial da ex-companheira tem suscitado posições antagônicas no âmbito das Turmas de Direito Privado que compõem a Segunda Seção do STJ. Isso porque, muito embora tenha sido pacificado o entendimento de que os sexagenários que contraem união estável devem submeter-se ao regime da separação obrigatória de bens, a celeuma persiste no tocante à forma de aplicação da Súmula 377 do STF, que diz da comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união.

Vale dizer, a lide resume-se a perquirir acerca da necessidade ou não da comprovação do esforço comum para a aquisição do patrimônio a ser partilhado, com a peculiaridade de que, no início da união estável, assim reconhecida pelo TJ⁄PR pelo período de 12 anos (de 1990 a 2002), um dos companheiros era sexagenário.

II. Dos embargos de declaração (art. 535, I e II, do CPC).

O acórdão recorrido não padece de omissões, contradições ou obscuridades, porquanto contém análise e conclusão fundamentada concernente às alegações da recorrente. Decidir em desacordo com a tese defendida pela parte não consiste em violação do art. 535, I e II, do CPC.

III. Do prequestionamento (arts. 982 a 1.030 do CPC).

A matéria jurídica versada nos arts. 982 a 1.030 do CPC não foi apreciada pelo TJ⁄PR no acórdão recorrido, o que obsta a abertura do debate ante o óbice da Súmula 211 do STJ.

IV. Da arguição incidental de inconstitucionalidade dos arts. 258, parágrafo único, do CC⁄16; e 1.641, II, do CC⁄02.

A respeito da arguição incidental de inconstitucionalidade dos arts. 258, parágrafo único, do CC⁄16; e 1.641, II, do CC⁄02, verifica-se que não foi tratada pelo TJ⁄PR como incidente de controle difuso de constitucionalidade, porquanto não fora levada ao Órgão Especial daquele Tribunal, o que afasta a possibilidade de que o seja por esta Corte, considerando-se, além do mais, que ao STJ não é dado imiscuir-se na análise de questões de competência exclusiva do STF.

V. Da presunção do esforço comum, do regime de bens aplicável à união estável entre sexagenários e da necessária distinção entre frutos e produto (arts. 258, parágrafo único, do CC⁄16; 1.641, II, 1.660, V, 1.725, do CC⁄02; 5º, § 1º, da Lei n.º 9.278, de 1996; e dissídio jurisprudencial).

Da interpretação do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, ressai cristalina a assertiva de que na união estável o regime de bens é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros. Essa é a regra para a união estável.

Ao proferir voto vista no REsp 736.627⁄PR (DJ 1º.8.2006), assinalei que essa regra deve ser aplicada com temperamentos, de modo que o art. 5º da mencionada Lei deve ser interpretado, sobretudo, conforme a Constituição Federal, razão pela qual não se pode adotar o regime de bens nele previsto a todo e qualquer tipo de união estável, sob pena de se conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento civil, em evidente contradição com a finalidade determinada pelo texto constitucional.

Com base nesse raciocínio, adotei, naquela ocasião, o entendimento de que, sendo um dos companheiros sexagenário ao início da união estável (ou quando esta se dá entre sexagenários), deve ser observado o regime da separação obrigatória de bens, previsto no art. 258, parágrafo único, do CC⁄16 (atual art. 1.641, II, do CC⁄02), com a necessária comprovação do esforço comum para a aquisição do patrimônio a ser partilhado, ficando vencida nesse ponto, pois prevaleceu o entendimento de que o esforço é presumido.

Com o passar do tempo e a evolução jurisprudencial, passei a perfilar entendimento no sentido de que a comunicabilidade de bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, que merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso (REsp 915.297⁄MG, DJe 3.3.2009, que apesar de tratar de hipótese distinta da em julgamento, conduz a idêntica conclusão no que respeita ao regime de bens em regra aplicável às uniões estáveis).

Isso porque, sob diversos e relevantes ângulos, há grandes e destacadas diferenças conceituais e jurídicas, de ordem teórica e prática, entre o casamento – em seu modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir família – e a união estável (EREsp 736.627⁄PR, DJe 1º.7.2008).

Vale lembrar, ainda, o precedente derivado do julgamento do REsp 471.958⁄RS (DJe 18.2.2009), no qual se tratou de casamento entre sexagenários e não de união estável. Muito embora a configuração fática daquele processo fosse distinta da que se está julgando, o fundamento então utilizado é perfeitamente aplicável ao caso sob apreciação: o de que a restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos não mais se justifica nos dias de hoje, de modo que a manutenção dessas restrições representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Para manter a coerência com as ideias contidas nos julgados de que participei, pinço o voto vencido no REsp 1.090.722⁄SP (DJe 30.8.2010), entretanto, curvando-me à jurisprudência pacificada no âmbito da 2ª Seção, no sentido de aplicar o regime da separação obrigatória de bens em hipóteses como a em apreço, considerando, sobretudo, a incidência, na espécie, do CC⁄16 e da Lei 9.278, de 1996, destaco que o regime da separação obrigatória segue temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, sendo presumido o esforço comum.

E é exatamente nesse ponto do voto do i. Min. Relator que rogo as máximas vênias para dele divergir, pois, ao mesmo tempo em que adere ao posicionamento sufragado pela 3ª Turma e também pelo STF, a considerar presumido o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal, declara não haver espaço para presunções ante a afirmação contida no acórdão recorrido de que a companheira não teria contribuído para a constituição do patrimônio a ser partilhado.

Ora, se a hipótese é de presunção do esforço comum, é irrelevante a declaração contida no acórdão impugnado de que inexistente a colaboração mútua. Se essa contribuição é legalmente presumida, não há necessidade de ser perquirida a sua existência. Afinal, a questão jurídica posta a desate é exatamente a de se a hipótese é de presunção ou de comprovação do esforço comum. Aderindo-se ao posicionamento de que o esforço é presumido, afasta-se, por decorrência lógica, a necessidade de sua comprovação ou, ainda, de sua ausência, ou qualquer declaração a esse respeito contida no acórdão recorrido.

Avançando-se nessa ordem de ideias para adentrar nas peculiaridades da lide em julgamento e verificando-se que o patrimônio é composto apenas de bens imóveis e rendas provenientes de aluguéis oriundos desses mesmos imóveis, chega-se à conclusão de que, do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não há diferença no que se refere à partilha dos bens com base no regime da comunhão parcial ou no da separação legal contemporizado pela Súmula 377 do STF.

Assim acontece porque, ao sofrer essa contemporização, o regime da separação legal adquire contornos idênticos aos da comunhão parcial de bens, que permite a comunicação dos aquestos. As feições de ambos os regimes – o da comunhão parcial e o da separação legal – portanto, confundem-se, ante a incidência da Súmula 377 do STF.

Reputo pertinente, por fim, a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e da comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC⁄02, correspondente ao art. 271, V, do CC⁄16, aplicável na espécie.

Essa diferenciação é salutar para o julgamento deste processo, porque o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, o que permite, por assim dizer, a comunicação desses frutos para fins de partilha, com a já mencionada contemporização permitida pela incidência, na espécie, da Súmula 377 do STF, que tem o condão de desvirtuar o regime da separação legal para igualá-lo ao da comunhão parcial de bens.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial interposto por G. T. N., pedindo vênia ao i. Min. Rel. para divergir apenas no tocante ao recurso especial de M. DE L. P. S., DANDO-LHE PROVIMENTO e determinando, por consequência, o retorno do processo à origem a fim de que se proceda à partilha dos bens comuns do casal, declarando, por conseguinte, a presunção do esforço comum para a sua aquisição.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Sr. Presidente, pedindo vênia ao eminente Relator, acompanharei o voto-vista da eminente Ministra Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso de G.T.N. e dando provimento ao recurso de M.D.L.P.S.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS):

Ao minucioso relatório do eminente Ministro-Relator, acrescenta-se que o feito foi levado a julgamento pela egrégia Terceira Turma, ocasião em que, após a prolação do voto do ilustre Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator) negando provimento aos recursos especiais, e do voto divergente da Sra. Ministra Nancy Andrighi concedendo, apenas, provimento ao recurso especial de M. DE L. P. S., para determinar a partilha de bens comuns do casal, pedi vista dos autos para melhor exame da matéria.

Cinge-se a controvérsia em saber se os bens adquiridos durante a união estável devem ser meados, se um dos conviventes, ao tempo da relação afetiva, era sexagenário.

Da análise dos votos proferidos pelos eminentes Ministros, verifico que não há controvérsia a respeito da aplicação dos seguinte fundamentos jurídicos: a) as pessoas que, em razão da idade, são compelidas a se casarem pelo regime da separação obrigatória de bens, ao se submeterem à união estável, também, estarão sujeitas ao referido regime legal; e b) conquanto a observância do preceito jurídico supramencionado seja de rigor, o aludido regime de bens da união estável deve ser contemporizado pela aplicação da Súmula n. 377 do STF.

Contudo, quanto à aplicação deste último ponto, no caso vertente, exsurge a divergência entre os votos.

O ilustre Ministro Relator considerou que, mesmo se adotando o posicionamento da Terceira Turma desta Corte, no sentido de que o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal deve ser presumido, não seria possível alterar o resultado do julgado, tendo em vista que a companheira não teria contribuído para a formação do patrimônio a ser partilhado.

Compulsando-se os autos, verifico que o egrégio Tribunal a quo, sobre este aspecto da lide, asseverou que não houve prova da contribuição da convivente para a construção do patrimônio de G. T. N., verbis:

[…]

Quanto a aplicação, ao caso, do contido no enunciado da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, entendo por sua não aplicação […].

E, assim, com correção anotou o douto juízo a quo, que a apelante não demonstrou ter colaborado para a aquisição do patrimônio do apelado. Neste ponto, com propriedade, o douto julgador singular, anotou em seu “decisum”:

‘Então, para haver patrimônio comum passível de partilha a autora deveria ter demonstrado, estreme de dúvida, que contribuiu efetivamente para as aquisições a título oneroso e que o capital empregado não decorreu frutos percebidos pelo recorrido em razão de patrimônio existente antes da união estável que teve com […].

Não o fez, e, ademais, tudo indica que o patrimônio de […] já estava consolidado quando a conheceu e os acréscimos que porventura se perfizerem no período do relacionamento se originaram nos frutos (alugueres) dos imóveis integrantes de seu acervo particular.’

Não destoando de tal entendimento, anotou a Ilustrada Procuradoria de Justiça, a respeito:

‘Não é outra senão a situação verificada no caso em apreço, uma vez que é inconteste que os bens adquiridos durante a união entre os litigantes assim o foram com os frutos percebidos dos bens particulares do apelado.

Inexistindo, portanto, prova da conjugação financeira para a aquisição dos bens cuja partilha pretende a apelante, é de rigor concluir-se que, malgrado tenham os litigantes convivido em união estável por treze anos, não possui a insurgente qualquer direito sobre o patrimônio amelhado na sua constância.’ (fls. 1. 851 e 1.852)

Da leitura deste excerto, nota-se que a Corte originária não se atentou para a necessidade de se enquadrar o patrimônio de G. T. N. em dois momentos distintos.

Primeiramente, em relação ao lapso anterior à constituição da união estável. Neste período, todo o acervo patrimonial adquirido pelo convivente restará excluído de qualquer meação, consoante a aplicação dos arts. 1.725 do Código Civil, 5° da Lei n. 9.278⁄96 e dos seguintes precedentes jurisprudenciais:

CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DOS BENS DO CASAL.

A dissolução da união estável implica a partilha dos bens que o casal adquiriu no período, salvo aqueles que o homem ou a mulher tenham incorporado ao respectivo patrimônio com recursos que já tinham antes do início do relacionamento. Recurso especial não conhecido. (REsp 801194⁄AM, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄03⁄2006, DJ 29⁄05⁄2006, p. 245)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, CUMULADA COM PARTILHA DE BENS COMUNS – APELO EXCEPCIONAL – PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA PARTILHA DE PARCELA IDEAL DE BEM IMÓVEL – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7 – APURAÇÃO EM LIQÜIDAÇÃO DO JULGADO – INVIABILIDADE.

A pretensão recursal, desacolhida no Tribunal de origem, de exclusão da partilha de parcela ideal de bem imóvel, por ter sido paga com o produto de depósitos do FGTS efetuados antes do início da união estável havida entre as partes, constitui matéria fático-probatório, o que torna inviável a apuração em liqüidação do julgado.

Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1030007⁄ES, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05⁄08⁄2008, DJe 22⁄08⁄2008)

PROCESSO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. BEM ANTERIOR. SUB-ROGAÇÃO. INCOMUNICABILIDADE DO VALOR. PROVA TESTEMUNHAL AMIZADE COM O FILHO DA PARTE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 7⁄STJ.

1. Os bens adquiridos pelos conviventes na constância da união estável e a título oneroso pertencem a ambos em condomínio e em partes iguais, exceto se houver estipulação contrária em contrato escrito ou se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens anteriores à união, assim como aqueles que no lugar deles se sub-rogarem.

2. O recurso especial não é sede própria para rever questão referente à inversão do ônus da prova se, para tanto, faz-se necessário reexaminar elementos fáticos. Aplicação da Súmula n.

7⁄STJ.

3. Recurso especial não-conhecido. (REsp 602.199⁄PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 03⁄09⁄2009, DJe 14⁄09⁄2009)

Em segundo lugar, há o intervalo de tempo correspondente a constância da união estável. Durante esta lacuna temporal, os bens adquiridos pelos companheiros devem ser partilhados obrigatoriamente, tendo em vista a aplicação da Súmula n. 377 do STF e da jurisprudência deste Tribunal Superior:

RECURSO ESPECIAL – UNIÃO ESTÁVEL – APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, EM RAZÃO DA SENILIDADE DE UM DOS CONSORTES, CONSTANTE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL, À UNIÃO ESTÁVEL – NECESSIDADE – COMPANHEIRO SUPÉRSTITE – PARTICIPAÇÃO NA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO FALECIDO QUANTO AOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – OBSERVÂNCIA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, CC – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I – O artigo 1725 do Código Civil preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial. Contudo, referido preceito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva (“no que couber”), permite aos companheiros contratarem, por escrito, de forma diversa;

II – A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus, constante do artigo 1641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário;

IV – Ressalte-se, contudo, que a aplicação de tal regime deve inequivocamente sofrer a contemporização do Enunciado n. 377⁄STF, pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência;

V – Excluída a meação, nos termos postos na presente decisão, a companheira supérstite participará da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência (período que não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência), em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III, do artigo 1790, CC).

VI – Recurso parcialmente provido. (REsp 1090722⁄SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02⁄03⁄2010, DJe 30⁄08⁄2010)

União estável. Dissolução. Partilha do patrimônio. Regime da separação obrigatória. Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte.

1. Não há violação do art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal local, expressamente, em duas oportunidades, no acórdão da apelação e no dos declaratórios, afirma que o autor não comprovou a existência de bens da mulher a partilhar.

2. As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado desta Corte assentaram que para os efeitos da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união. Na verdade, para a evolução jurisprudencial e legal, já agora com o art. 1.725 do Código Civil de 2002, o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros.

3. Não sendo comprovada a existência de bens em nome da mulher, examinada no acórdão, não há como deferir a partilha, coberta a matéria da prova pela Súmula nº 7 da Corte.

4. Recurso especial não conhecido. (REsp 736.627⁄PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11⁄04⁄2006, DJ 01⁄08⁄2006, p. 436)

Assim, analisando os contornos fático-jurídicos traçados pelo Tribunal de origem, verifico que este não laborou corretamente, pois a distinção supracitada é imprescindível para aferição do direito da recorrente M. DE L. P. S., pois o patrimônio alcançado sobre cada período se submeterá a regramentos jurídicos diferentes.

Desse modo, acerca destas circunstâncias é que, data venia, ouso dissentir do eminente Ministro Relator, uma vez que o patrimônio a ser partilhado não se restringe aos bens adquiridos por G. T. N. antes da união estável, mas os amelhados durante o período da convivência, resultantes dos frutos dos aluguéis dos imóveis integrantes de seu acervo particular.

Verdade é que, se o patrimônio fosse constituído, tão somente, de bens adquiridos antes da união estável, não seria necessária a aplicação da Súmula n. 377 do STF, como observou o ilustre Ministro Relator, pois, estes bens não se comunicariam como já afirmado anteriormente.

No entanto, da leitura do acórdão objurgado percebe-se que o acervo patrimonial de G. T. N. é constituído de bens adquiridos antes e durante o período da união estável, motivo pelo qual este últimos devem ser partilhados, mesmo que tenham sido obtidos com os frutos dos aluguéis dos bens particulares.

Cumpre destacar que, para o deslinde da controvérsia, a distinção clássica realizada pela doutrina entre produto e fruto é demasiadamente importante e não se afigura cerebrina.

Sendo os aluguéis dos imóveis frutos civis – renda aferida periodicamente, sem que seja consumida ou alterada a coisa -, os bens advindos destes frutos devem ser repartidos, ao teor do art. 1.660, V, do Código Civil, de aplicação analógica ao caso.

A propósito:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

[…]

V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. (grifou-se)

Em contrapartida, os imóveis que se sub-rogarem da alienação de qualquer bem adquirido antes da união estável, não devem ser partilhados, visto que se enquadram como produtos. Dessa forma, sendo produto instituto jurídico diverso de fruto, pois é é a vantagem, não periódica, que se retira da coisa, alterando-a ou consumido-a, os bens de propriedade de G. T. N., que tiverem origem na alienação de outros haveres particulares, estarão excluídos da meação, em razão do art. 5°, § 1°, da Lei n. 9.278⁄96.

Veja-se:

Artigo 5º – Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são consideradas fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

§ 1º – Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. (grifou-se)

Destarte, considero que a solução proposta pela eminente Ministra Nancy Andrighi é a que se mostra mais adequada ao caso dos autos, motivo pelo qual peço venia, mais uma vez, ao ilustríssimo Ministro Relator, para acompanhar o voto divergente, em toda a sua extensão, destacando que a partilha dos bens deve circunscrever-se ao bens adquiridos durante a constância da união estável, mesmo que oriundos de frutos de bens particulares.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial interposto por G. T. N., e DOU PROVIMENTO à irresignação especial de M. DE L. P. S., para determinar a realização da partilha de bens do casal, conforme a fundamentação apresentada.

É como voto.

VOTO-VOGAL VENCIDO, EM PARTE

EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

Srs. Ministros, já na época em que S. Exa., o Sr. Ministro Relator, no primeiro julgamento, havia me encaminhado a proposta de voto, eu havia feito uma série de anotações e estava aguardando, então, o pronunciamento dos demais Integrantes.

Com relação ao recurso de M.D.L.P.S., em princípio – como também há uma citação de um excerto de julgado que elaborei -, no tocante à prova do esforço comum, entendo que seja presumida, mas, no item 2 da ementa do voto, S. Exa. diz o seguinte:

“A jurisprudência desta Corte não é pacífica quanto à aplicação da Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal. No caso concreto, porém, mesmo que prevaleça o posicionamento que conta com a adesão da Terceira Turma do STJ e, também, do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal deve ser presumido – é a minha posição, mantida naquele voto -, não seria possível alterar o resultado do julgamento, porque as instâncias de origem afirmaram, categoricamente, que não houve esforço comum para a aquisição do patrimônio a ser partilhado.”

Então, se formos entrar nessa seara, esbarraremos, exatamente, na barreira da Súmula 7. Essa é a razão pela qual estou negando provimento aos recursos, na esteira de S. Exa., o Sr. Ministro Relator.

Ministro MASSAMI UYEDA.

Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 4672, de 22.06.2011 (www.gruposerac.com.br