TJ|MG: Apelação cível – Ação de divórcio direto consensual – Prova colhida perante central de conciliação – Contagem do lapso de separação de fato – Emenda constitucional nº 66/2010 – Aplicação imediata e eficácia plena – Ausência superveniente de interesse recursal – Recurso não conhecido.

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL – PROVA COLHIDA PERANTE CENTRAL DE CONCILIAÇÃO – CONTAGEM DO LAPSO DE SEPARAÇÃO DE FATO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 – APLICAÇÃO IMEDIATA E EFICÁCIA PLENA – AUSÊNCIA SUPERVENIENTE DE INTERESSE RECURSAL – RECURSO NÃO CONHECIDO. A Emenda Constitucional nº 66/2010 é norma de eficácia plena e de aplicabilidade direta, imediata e integral, que regulamenta, inclusive, os processos em curso, como ‘in casu’. Diante do fato de que a prova questionada se prestaria única e exclusivamente à aferição do lapso entre a separação de fato e o pedido de divórcio direto, com o advento da nova norma constitucional, pela qual o divórcio passou a independer de restrição temporal ou causal, tornando-se o simples exercício de um direito potestativo das partes, a controvérsia resta esvaziada de interesse recursal. O interesse recursal, enquanto requisito subjetivo de admissibilidade do recurso deve estar presente até o julgamento deste, motivo pelo qual, face à superveniente ausência de interesse recursal, deve o recurso sofrer juízo de admissibilidade negativo, motivo pelo qual não deve ser conhecido. Recurso não conhecido. (TJMG – Apelação Cível nº 1.0210.09.061665-2/001 – Pedro Leopoldo – 8ª Câmara Cível – Rel. Des. Vieira de Brito – DJ 01.12.2010)

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência da Desembargadora TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NÃO CONHECER DO RECURSO.

Belo Horizonte, 21 de outubro de 2010.

DES. VIEIRA DE BRITO – Relator.

RELATÓRIO E VOTO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. VIEIRA DE BRITO:

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpôs o presente recurso de apelação contra sentença de f. 21/23, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Pedro Leopoldo que, nos autos da “Ação de Divórcio Direto Consensual” ajuizada por O S. P. e G. P. C., homologou por sentença o acordo firmado entre os interessados e decretou o divórcio do casal.

Irresignado, apelou o Órgão do Parquet no sentido de que “a audiência requerida pelo Ministério Público não fora designada e a sentença de fls. 21/23, decretou o divórcio do casal com base na prova colhida perante a Central de Conciliação” (f. 26)

Inicialmente arguiu preliminar de nulidade da sentença com fulcro nos arts. 416 e 446, II, ambos do Digesto Processual Civil, ao argumento de que “a oitiva das testemunhas que confirmaram o lapso temporal da separação de fato foi realizada pela conciliadora da Central de Conciliação, sem as formalidades exigidas pelo Código de Processo Civil, especialmente a produção da prova pelo juiz” (f. 27), e que tal fato tornaria nula a prova produzida no feito.

Colacionou julgados deste eg. Tribunal de Justiça pela inconstitucionalidade da Resolução 407/2003, da Corte Superior do TJMG.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso, para o fim de ser declarada nula a sentença, “para que a produção da prova seja realizada nos moldes determinados pelo Código de Processo Civil” (f. 29).

Recurso recebido no duplo efeito à f. 31.

Contrarrazões às f. 32/36, pelo desprovimento do recurso.

Instada a se manifestar, opina a d. Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do recurso (f. 44/48).

Este, o Relatório.

O ‘thema decidendum’ refere-se à validade da prova colhida pela Central de Conciliação e, posteriormente, ratificada em Juízo, pela homologação de acordo de divórcio direto consensual.

Conforme geral conhecimento, a atividade de análise da prova em juízo é atividade indelegável do Magistrado, que, conforme o sistema adotado pelo direito pátrio, irá analisá-la livremente nos limites de seu convencimento motivado. Tal disposição encontra-se positivada em diversos dispositivos legais, sobretudo nos arts. 131, 164, 446, I e II, todos do Código de Processo Civil.

No caso dos autos, o casal ora apelado apresentou a pretensão em Juízo de modo a ter homologado o acordo realizado e a conseqüente decretação do divórcio, posto que atendido o prazo legal.

Consta do caderno processual, inclusive, que o cônjuge varão constituiu nova família (f. 17), sendo impossível o reatamento da convivência com a virago.

Designada audiência a ser realizada perante a Central de Conciliação, foi determinada a intimação das partes e do Representante do Ministério Público (f. 13), que, inclusive, se manifestou no sentido de seu não comparecimento (f. 14).

Aberta a audiência e mantendo o casal o livre propósito de se divorciar, não houve lugar para acordo. Foram, contudo, ouvidas 2 (duas) testemunhas, que foram incontestes em afirmar que o casal encontra-se separado de fato há mais de 10 (dez) anos (f. 17/18), o que foi ratificado pelo Magistrado quando da prolação da sentença de homologação do acordo e consequente decretação do divórcio dos apelados.

Diante disso, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação com o fito de pleitear a anulação da prova colhida perante a Central de Conciliação, posto não ter sido mediada pelo Magistrado.

Contudo, insta salientar que a recente Emenda Constitucional nº 66/2010, que entrou em vigor 13 de julho de 2010, excluiu a parte final do art. 226, § 6º, da Constituição Federal, passando a dispor: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Com efeito, três distintas correntes surgiram para interpretar a aplicação da Emenda Constitucional nº 66/2010. A primeira, que consolida o entendimento majoritário da doutrina, afirma que não existe mais separação jurídica, aplicando-se o divórcio direto sem exigência de prazos e discussão de causas; a segunda, minoritária, assevera que a separação – judicial e administrativa – coexiste com o divórcio direto sem exigência de prazos; e a terceira, quase sem expressão, afiança que permanece em vigor a legislação ordinária, tanto para o divórcio, como para a separação jurídica, com os mesmos requisitos, vez que a emenda apenas previu que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.

Sem embargo dos entendimentos contrários quanto à separação judicial, entendo como a maioria absoluta da doutrina, que, com a nova redação do dispositivo constitucional, o divórcio passou a independer de restrição temporal ou causal, tornando-se o simples exercício de um direito potestativo das partes.

Segundo a teoria tricotômica da eficácia das normas constitucionais, sistematizada por José Afonso da Silva, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, tendo como elemento de distinção tão somente o grau de seus efeitos jurídicos, a saber:

I – normas constitucionais de eficácia plena;

II – normas constitucionais de eficácia contida;

III – normas constitucionais de eficácia limitada.

Para ele:

Na primeira categoria, incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente, e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 71/72.)

A meu aviso, afigura-se solarmente claro que a Emenda Constitucional nº 66/2010 é norma de eficácia plena e de aplicabilidade direta, imediata e integral, porquanto possui todas as possibilidades de produzir os seus efeitos jurídicos essenciais, desde o seu surgimento.

Como já decidido pelo STF, “Dessa eficácia imediata só se subtraem os processos já concluídos” (ADI 2381 MC/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 14/12/2001, p. 23), donde de se arremata, ao fácil, que, esta regra auto-aplicável regulamenta, inclusive, os processos em curso, como o presente feito.

Assim, diante da modificação constitucional, não há senão outro requisito para o divórcio que não a vontade dos cônjuges em não mais manterem a sociedade conjugal.

Nesse sentido, esvaziada a discussão acerca do lapso temporal para fins de contagem do prazo para o pedido de divórcio direto, verifica-se a ausência superveniente de interesse recursal do Parquet, na medida em que a pretensão cinge-se à verificação da validade da prova colhida perante Central de Conciliação que, por sua vez, limitava-se à aferição do lapso de separação de fato do casal.

Destarte, tem-se que o interesse recursal enquanto requisito subjetivo de admissibilidade do recurso deve estar presente até o julgamento do mérito deste. Vejamos as lições de Bernardo Pimentel Souza:

O requisito de admissibilidade do interesse recursal está consubstanciado na exigência de que o recurso seja útil e necessário ao legitimado. O recurso é útil se, em tese, puder trazer alguma vantagem sob o ponto de vista prático ao legitimado. É necessário se for a única via processual hábil à obtenção, no mesmo processo, do benefício prático almejado pelo legitimado. (…) Ausente a utilidade ou a necessidade, o recurso deve sofrer juízo negativo de admissibilidade, como bem revela o parágrafo único do art. 557 do Código de Processo Penal, com aplicação analógica em prol do sistema recursal civil: “Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão”. In Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 63).

Contudo, segundo o mesmo doutrinador,

(…) não basta a existência do interesse recursal no momento da interposição do recurso. A ocorrência de fato superveniente que retire a utilidade ou a necessidade do recurso também enseja a prolação de juízo negativo de admissibilidade. (Idem, p. 68).

Logo, pela superveniente ausência de interesse recursal, deve o recurso sofrer juízo de admissibilidade negativo, motivo pelo qual não deve ser conhecido.

Mediante tais fundamentos, NÃO CONHEÇO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Custas recursais, pelo apelante, isento na forma da Lei.

É como voto.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): BITENCOURT MARCONDES e FERNANDO BOTELHO.

SÚMULA: NÃO CONHECERAM DO RECURSO.

Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 4672, de 22.06.2011 (www.gruposerac.com.br