TJ|SP: Ação denominada de obrigação de fazer – Busca por retificação de escritura pública de venda e compra, para alteração do estado civil, de casada para solteira – Indeferimento da inicial – Inconformismo – Acolhimento em parte – Procedimento de natureza voluntária – Interpretação do pedido sem exagero de formalismo – Erro inexiste, por conta da condição de casada, ao tempo lavratura da escritura – Aquisição com exclusividade demonstrada – Ausência de comunicação – Separação judicial transitada em julgado, com declaração da ausência de bem imóvel – Possibilidade de interpretar o pedido, com o fim de resolver o impasse – Eficácia e celeridade do processo que não podem ser olvidadas – Proteção ao idoso, que comporta seja colocado fim ao processo, com solução da tutela e distribuição da Justiça – Aplicação dos arts. 368 e 1.109, do CPC, 2° e 71, caput, do Estatuto do Idoso, 167, II, segunda parte, e 246, caput, da Lei n. 6.015/73 – Sentença reformada – Pedido vestibular acolhido, para determinar a averbação na matrícula do imóvel, da aquisição com exclusividade, sem comunicação com o ex-marido – Recurso provido em parte.
EMENTA
Ação denominada de obrigação de fazer – Busca por retificação de escritura pública de venda e compra, para alteração do estado civil, de casada para solteira – Indeferimento da inicial – Inconformismo – Acolhimento em parte – Procedimento de natureza voluntária – Interpretação do pedido sem exagero de formalismo – Erro inexiste, por conta da condição de casada, ao tempo lavratura da escritura – Aquisição com exclusividade demonstrada – Ausência de comunicação – Separação judicial transitada em julgado, com declaração da ausência de bem imóvel – Possibilidade de interpretar o pedido, com o fim de resolver o impasse – Eficácia e celeridade do processo que não podem ser olvidadas – Proteção ao idoso, que comporta seja colocado fim ao processo, com solução da tutela e distribuição da Justiça – Aplicação dos arts. 368 e 1.109, do CPC, 2° e 71, caput, do Estatuto do Idoso, 167, II, segunda parte, e 246, caput, da Lei n. 6.015/73 – Sentença reformada – Pedido vestibular acolhido, para determinar a averbação na matrícula do imóvel, da aquisição com exclusividade, sem comunicação com o ex-marido – Recurso provido em parte. (TJSP – Apelação Cível nº 0171558-85.2010.8.26.0100 – São Paulo – 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Grava Brazil – DJ 13.06.2011)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0171558-85.2010.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante TEREZA IAMÔNICO GUGLIELMI sendo apelado 19º TABELIÃO DE NOTAS DA COMARCA DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento em parte ao recurso, vencido o 3º Juiz, Des. Galdino Toledo Júnior.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GRAVA BRAZIL (Presidente), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.
São Paulo, 17 de maio de 2011.
GRAVA BRAZIL – Relator.
RELATÓRIO E VOTO
I – Trata-se de sentença que, em ação denominada de obrigação de fazer, proposta por Teresa Iamônico Guglielmi, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, julgou extinto o processo, sem exame do mérito, por considerar o pedido impossível, uma vez que não se trata de erro material involuntário, sendo que escritura pública somente se retifica por outra escritura pública. Confira-se fls. 74/77 e 85.
Inconformada, apela a autora (fls. 84/93), insistindo no cabimento da pretensão, repisando a argumentos que sustentam o equívoco constante da escritura de venda e compra, por conta de ter constado seu estado civil como casada, quando a aquisição e o pagamento do preço ocorreu ao tempo de solteira, sendo que o casamento posterior não alterou esse quadro, tanto que na separação que se seguiu, foi declarada a inexistência de bens imóveis em comum. Argumenta ser desnecessário nova escritura para retificação, pois a pretensão visa suprir erro, sem que isso implique em substituir as partes que participaram do ato.
O preparo foi recolhido (fls. 85/86), sendo o recurso recebido (fls. 94), sem contrariedade, por conta da natureza voluntária da jurisdição.
É o relatório, adotado, quanto ao mais, o da sentença apelada.
II – Por intermédio de compromisso de venda e compra, datado de 5/7/1975, a apelante, à época solteira, adquiriu determinando bem imóvel.
A respectiva escritura de venda e compra, entretanto, somente foi lavrada em 27/2/1985, quando a apelante já ostentava a condição de casada, visto que contraíra matrimônio em 10/12/1981.
Não há dúvida de que o bem foi adquirido apenas pela apelante e que o respectivo preço foi por ela pago, como faz certa a documentação juntada, reproduzindo as inúmeras notas promissórias correspondentes às parcelas do preço resgatadas e cujos vencimentos são anteriores ao matrimônio.
Na mesma linha, as diversas cópias das declarações de renda, contemporâneas à aquisição, que apontam a compra do bem pela apelante.
Igualmente, o casamento, celebrado pelo regime da comunhão parcial, bem como separação judicial judicial consensual, homologada por sentença de 15/10/1990, em que foi consignado expressamente “que não possuem bens imóveis”.
A respeito, lembre-se, que a declaração do ex-cônjuge, já falecido, realizada em juízo, faz prova dos fatos, quer pela sua equiparação ao documento público (CPC – art. 364), quer porque ao assiná-la, perante o juízo de família, possibilita que se presuma sua veracidade (CPC – art. 368).
Assim, não resta dúvida sobre ser o bem de exclusiva propriedade da apelante, no entanto, não há erro passível de ser reconhecido na escritura, pois lá constou que a aquisição se fez pela apelante, por conta do compromisso anteriormente firmado.
O fato de ter constado que era casada, deu-se porque, efetivamente, àquele tempo, isso era verdade, ou seja, na data da lavratura da escritura, a apelante ostentava o estado civil de casada.
Logo, a hipótese efetivamente não é de retificação de escritura pública.
Nada obstante, pelo nítido caráter voluntário da jurisdição, relevadas algumas imperfeições decorrentes dos termos do ajuizamento, a questão pode ser analisada sobre outra ótica.
É que, como se sabe, em demandas dessa natureza, o juízo “não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna” (CPC – art. 1.109).
Como já decidido em julgado relatado pela i. Ministra Nancy Andrighi: “O art. 1.109 do CPC abre a possibilidade de não se obrigar o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, à observância do critério de legalidade estrita, abertura essa, contudo, limitada ao ato de decidir, por exemplo, com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à solução concreta…” (Resp 623.047, j. De 14.12.04, DJU 7.3.05).
A somar, na sinalização da importância de colocar fim ao impasse, concedendo a tutela jurisdicional adequada à situação concreta posta em juízo, a necessidade de fazer do processo condição eficaz de distribuição da tão esperada Justiça, de forma célere e com atenção à instrumentalidade da forma, para que o meio não venha a ter mais importância que o fim.
Nesse passo e considerando que a apelante é merecedora de “proteção integral”, devendo lhe ser assegurada “todas as oportunidades e facilidades” para preservação de seus direitos (Lei n. 10.741, de 1º.10.2003, art. 2º), bem como a “prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais” (ib. art. 71, caput), justifica-se uma interpretação livre <conquanto modulada> da pretensão deduzida em juízo.
Diante disso, verifica-se, na verdade, que o fim almejado pela apelante consiste, na verdade, em ver assegurado o direito de dispor do imóvel por ela adquirido ao longo de sua vida, sem que se questione o direito de dele dispor, por conta de referência feita em escritura pública, de sua condição de casada.
Ora, evidenciado, por tudo quanto antes mencionado, que o bem é de sua exclusiva propriedade, que não há que se falar, como visto, em comunicação com o ex-marido, já falecido, nada obsta que se determine a averbação, no registro de imóveis, de que o bem foi adquirido com exclusividade pela apelante, sem comunicação ao ex-marido, não havendo relevância no estado civil constante da escritura pública de venda e compra.
A medida é possível e admitida pelo sistema legal vigente, por aplicação do disposto no artigo 167, da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31.12.73), que, em rol não exaustivo, admite, na segunda parte, do número 5, do inciso II, a possibilidade de averbação “da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas” (negrito e itálico não são originais).
Nesse diapasão, o disposto no artigo 246, caput, do mesmo diploma, que, a par de reforçar o fato de não ser o rol de averbações exaustivo, estabelece: “Além dos casos expressamente indicados no item II, do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro.“.
Concluindo, acolhe-se em parte o inconformismo, para, igualmente, acolher em parte o pedido inicial, com o fim de determinar, por mandado, que se proceda à averbação, junto à matrícula 62.875, do 16º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, que o bem foi adquirido com exclusividade por Teresa Iamonico Guglielmi, sem comunicação a José Guglielmi, do qual se encontra separada, por sentença de 15.10.1990, proferida pelo juízo da 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Penha de França, transitada em julgado em 30.10.1990.
III – Ante o exposto, nos termos do voto, dá-se provimento em parte ao recurso.
DES. GRAVA BRAZIL – Relator.
Fonte: Boletim INR nº 4682 – Grupo Serac – São Paulo, 29 de Junho de 2011.