STJ: Direito das Sucessões. Revogação de Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade impostas por Testamento. Função Social da Propriedade. Dignidade da Pessoa Humana. Situação excepcional de necessidade financeira. Flexibilização da vedação contida no Art. 1.676 do CC⁄16. Possibilidade.
EMENTA
DIREITO DAS SUCESSÕES. REVOGAÇÃO DE CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE IMPOSTAS POR TESTAMENTO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE NECESSIDADE FINANCEIRA. FLEXIBILIZAÇÃO DA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 1.676 DO CC⁄16. POSSIBILIDADE. 1. Se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. A vedação contida no art. 1.676 do CC/16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ – REsp nº 1.158.679 – MG – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 15.04.2011)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 07 de abril de 2011 (Data do Julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Relatora.
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – MP⁄MG, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJ⁄MG.
Ação: procedimento especial de jurisdição voluntária ajuizado por MARISTELA PARREIRA DA SILVA, consistente no “pedido de supressão de cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas em testamento”. A autora relata que está passando por graves dificuldades financeiras, pois se encontra “desempregada há dois anos, doente, sem nenhuma fonte de rendimentos”. Por essa razão, requer o levantamento das cláusulas restritivas instituídas no testamento de sua avó MARIA FRANCISCA DA SILVA, incidentes sobre imóvel rural de sua propriedade, pois impedem “a obtenção de financiamentos para a aquisição de máquinas e de implementos indispensáveis para o custeio da lavoura”. Além disso, a autora pretende “vender uma parte das terras, para pagar as dívidas pendentes e comprar um imóvel para morar com a única filha” (e-STJ fls. 6⁄10).
Sentença: apesar de vislumbrar “justificativa suficiente para revogar as cláusulas restritivas” nas razões apresentadas pela recorrida, julgou improcedente o pedido, já que “a revogação das cláusulas fica adstrita ao que preleciona o art. 1.677 da vetusta Lei Civil (transcrito com mesmo teor no art. 1911, p.u., do atual diploma), qual seja, sub-rogar-se bem de semelhante valor de propriedade da autora ou o produto da alienação perquirida. De tal sorte que, embora existam hipóteses excepcionais em que a cláusula de inalienabilidade possa ser levantada e autorizada a venda do imóvel gravado, ausentam-se, na presente demanda, os pressupostos para sua concessão” (e-STJ fls. 161⁄165). A recorrida interpôs recurso de apelação em face dessa decisão (e-STJ fls. 167⁄171).
Acórdão: o TJ⁄MG deu parcial provimento, por maioria de votos, à apelação interposta pela recorrida, nos termos da seguinte ementa (fls. 750 ⁄ 774):
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – DOAÇÃO – IMÓVEL GRAVADO COM CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – CANCELAMENTO DOS GRAVAMES – PROVIMENTO PARCIAL. De se admitir abrandamento das cláusulas restritivas de alienação de imóvel gravado, devendo parte da venda, 1⁄3, ser destinada a saldar as dívidas da proprietária; e os outros 2⁄3 utilizados, obrigatoriamente, na aquisição de outro imóvel.
Embargos Infringentes: interpostos pelo MP⁄MG (e-STJ fls. 212⁄222).
Acórdão: os embargos infringentes foram contra-arrazoados (e-STJ fls. 225⁄230) e rejeitados, por maioria de votos, em acórdão que recebeu a ementa a seguir transcrita (e-STJ fls. 239⁄245):
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA – IMÓVEL GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE VITALÍCIA – CANCELAMENTO VIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – ADMISSIBILIDADE – INEXIGIBILIDADE DE OBSERVÂNCIA DA LEGALIDADE ESTRITA. Há possibilidade de se mitigar a aplicação da norma contida no art. 1676 do CC⁄1916 em face das especificidades do caso concreto, aliado ao fato de que nenhuma regra de direito é absoluta. Em procedimentos de jurisdição voluntária, o legislador autorizou o juiz a deixar de “observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna” (CPC 1.109), de acordo com critérios próprios do poder discricionário.
Recurso Especial: alega violação dos arts. 1.676 do CC⁄16, 1.911 do CC⁄02, 2º, 128; 460 e 515 do CPC, além de divergência jurisprudencial. O recorrente sustenta a necessidade de “indicação de outro bem suscetível de subrogação, para que seja possível a retirada das cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade”. Além disso, alega que “o acórdão recorrido concedeu á autora da ação o que não era pretendido, pois esta, durante todo o trâmite processual, deixou evidente a intenção de revogar, em sua totalidade, as cláusulas restritivas”, ou seja, durante todo o tempo “não houve qualquer pretensão de subrogação do bem, buscando a autora da ação o cancelamento de todas as cláusulas restritivas, sem qualquer ônus” (e-STJ fls. 249⁄261).
Juízo Prévio de Admissibilidade: o i. Des. Claudio Costa, primeiro vice-presidente do TJ⁄MG, admitiu o recurso especial, determinando a remessa dos autos ao STJ (e-STJ fls. 284⁄285).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a controvérsia a: (i) determinar a existência de julgamento extra petita, em face da peculiaridade de a decisão recorrida ter determinado a sub-rogação dos bens gravados, não obstante a ausência de requerimento da autora nesse sentido; e (ii) estabelecer a possibilidade de cancelamento, em hipóteses excepcionais, das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade vitalícias impostas em testamento.
I. Existência de julgamento extra petita. Violação dos arts. 2º, 128, 460 e 515 do CPC
O recorrente sustenta que o julgamento exteriorizado pelo acórdão recorrido “concedeu à autora da ação o que não era pretendido, pois esta, durante todo o trâmite processual, deixou evidente a intenção de revogar, em sua totalidade, as cláusulas restritivas” (e-STJ fl. 256). Por essa razão, o TJ⁄MG “ultrapassou os limites do pedido” (e-STJ fl. 258) ao conceder a sub-rogação dos gravames, providência totalmente diversa da que foi pleiteada na inicial e vedada pelos arts. 2º, 128, 460 e 515 do CPC.
Ocorre que o acórdão recorrido, proferido em sede de embargos infringentes, simplesmente desconsiderou essa alegação, sem fazer qualquer menção aos dispositivos supostamente violados. O recorrente, além do mais, não interpôs embargos de declaração para sanar essa omissão, de maneira que incidem à espécie as Súmulas 282 e 356 do STF.
Ainda que, apenas para argumentar, o óbice da ausência de prequestionamento pudesse ser contornado, não haveria como reconhecer a existência de julgamento extra-petita. Como bem destacou o acórdão recorrido, “a conclusão final a que chegou a turma no julgamento da Apelação (f. 171⁄177) mostra-se consentânea com a realidade vivida atualmente pela embargada, valendo destacar que o caso posto a exame cuida-se de jurisdição voluntária em cujo procedimento não está o Juiz ‘obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso solução que reputar mais conveniente ou oportuna’, de acordo com critérios próprios do poder discricionário, inexistindo, por isso, vício de julgamento” (e-STJ fl. 244).
Verifica-se, portanto, que o TJ⁄MG indicou um novo fundamento para a manutenção de suas conclusões, ou seja, a aplicação do art. 1.109 do CPC à espécie. Como se percebe, a questão, nesse contexto, deixou de se limitar à simples ocorrência de julgamento extra petita e passou a ter espectro muito mais abrangente, pois a decisão recorrida levantou a existência de exceção à regra da legalidade estrita e ao princípio da congruência.
Desse modo, foi afastada a alegação de decisão fora dos limites do pedido formulado pela recorrida. A incidência das regras relativas aos procedimentos de jurisdição voluntária à hipótese dos autos permite uma análise mais extensa da causa de pedir, de maneira a possibilitar a prolação de uma decisão “com base na equidade e na adoção da solução mais conveniente e oportuna à situação concreta” (REsp 623.047⁄RJ, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 7⁄3⁄2005).
A aplicação das diretrizes fornecidas pelo art. 1.109 do CPC, contudo, não foi sequer mencionada pelas razões de recurso especial. A obrigação da recorrente, nesse contexto, era impugnar especificamente esse argumento, e não apenas reeditar as razões dos embargos infringentes anteriormente interpostos. Essa circunstância, conforme firme entendimento desta Corte, impede o juízo positivo de admissibilidade do recurso especial quanto às alegações de violação dos arts. 2º, 128, 460 e 515 do CPC, nos termos da Súmula 283⁄STF.
II. Cancelamento de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Violação dos arts. 1.676 do CC⁄16 e 1.911 do CC⁄02
Resta enfrentar a alegação de ofensa aos arts. 1.676 do CC⁄16 e 1.911 do CC⁄02, nos termos das razões do recurso especial interposto pelo MP⁄MG. Segundo o recorrente,
tratando-se de um direito assegurado por lei vigente à época da abertura da sucessão, não há falar em anulação das cláusulas restritivas, seja porque se está diante de disposição testamentária destituída de causa, pelo que irrelevante a concordância expressa dos beneficiários ou, ainda, porque a testadora não colocou prazo de vigência para a incidência dos gravames, declarando expressamente a intenção de que a herdeira deveria receber o bem, ‘com a obrigação de os conservar e transmitir aos respectivos sucessores, guardada a ordem de sucessão hereditária’ (e-STJ fl. 255 – destaques no original).
Antes de iniciar a análise desse feixe de argumentos, é importante compreender, antes de mais nada, que nesta questão a interpretação da intenção do legislador ao editar o art. 1.676 do CC⁄16 é fundamental. Assim, as cláusulas restritivas da propriedade impostas pela via testamentária (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade) não podiam ser invalidadas ou dispensadas por atos judiciais de qualquer espécie, salvo nas hipóteses de expropriação por necessidade ou utilidade pública e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis.
Essa vedação surgiu em face da necessidade de apresentar uma resposta às preocupações de natureza familiar, assegurando aos descendentes uma espécie de amparo financeiro face às incertezas da vida econômica e social. Os testadores, desse modo, procuravam proteger o patrimônio familiar por meio da imposição de cláusulas contra a alienação ou penhora dos bens objeto do testamento, em benefício dos herdeiros. Nas palavras de Clovis Bevilaqua, as cláusulas de inalienabilidade em testamento foram recepcionadas pelo ordenamento jurídico “para defender a inexperiência dos indivíduos, para assegurar o bem estar da familia, para impedir a delapidação dos pródigos”. Por essas razões, “o direito consente em que seja, temporariamente, entravada a circulação de determinados bens” (Bevilaqua, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado, Vol. VI. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1919, p. 128).
Em determinadas circunstâncias, no entanto, a impossibilidade de desconstituição dos gravames pode causar prejuízos aos próprios herdeiros. Isso ocorre sempre que houver alteração superveniente e significativa na situação de fato, ou seja, quando o beneficiário enfrenta dificuldades financeiras passíveis de causar danos à sua integridade física e espiritual. Foi o que se verificou na espécie dos autos, onde o TJ⁄MG, ao analisar as provas produzidas pela recorrida, constatou que são “inquestionáveis os percalços financeiros que ela [a recorrida] atravessa. (…) Hoje, a apelante conta com mais de 40 anos, é divorciada, está desempregada, portadora de quadro depressivo, mãe de uma filha adolescente” (e-STJ fls. 206⁄207).
Face a esse quadro fático, o acórdão recorrido considerou pertinente a “venda do imóvel rural pelo seu valor de avaliação, devendo, entretanto, 2⁄3 do produto ser investido em outro imóvel, o qual deverá ser gravado com mesmas cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade” (e-STJ fl. 208). Verifica-se, portanto, que mesmo ante a vedação legal o TJ⁄MG determinou a alienação do bem gravado, pois considerou preenchidas condições que recomendavam a excepcional liberação das restrições instituídas em testamento.
A atenuação da proibição contida no art. 1.676 do CC⁄16 (vigente à época da abertura da sucessão) partiu de um verdadeiro exercício de hermenêutica, no qual a decisão impugnada assevera que
conquanto se revele plausível e de boas intenções a herança deixada com cláusula de inalienabilidade vitalícia em favor da embargada, há situações como as evidenciadas acima, e em atenção ao princípio da livre circulação dos bens, postulado básico da ordem econômica e social das relações privadas, constato que há a possibilidade de se mitigar a aplicação da norma contida no art. 1676 do CC⁄1916 em face das especificidades do caso concreto, aliado ao fato de que nenhuma regra de direito é absoluta (e-STJ fl. 243).
Verifica-se, dessa forma, que o TJ⁄MG buscou atribuir ao texto legal “um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger” (Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 17ª Ed., p. 156 – destaques no original). Assim, se a manutenção das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade instituídas em testamento acabam por constituir verdadeiros obstáculos à própria fruição do imóvel pelo proprietário, sua relativização não só é possível como é também necessária.
Essa necessidade decorre do fato de que a supressão ao direito de livremente dispor dos bens – ainda que eficazmente instituída por meio de testamento válido – não pode ser considerada de modo absoluto, devendo ser delimitada por preceitos de ordem constitucional, como a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana. Não parece razoável admitir que a sobrevivência e o bem-estar da recorrida sejam prejudicados, em prol da obediência irrestrita às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.
A 4ª Turma desta Corte já teve a oportunidade de analisar situação semelhante à dos autos, na qual foi admitida a dispensa judicial das cláusulas restritivas incidentes sobre imóvel objeto de compromisso de compra e venda. Naquela ocasião, o i. Min. Cesar Asfor Rocha certificou que
a regra restritiva a propriedade encartada no art. 1.676 do código civil deve ser interpretada com temperamento, pois a sua finalidade foi a de preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar a entidade familiar, sobretudo aos pósteros, uma base econômica e financeira segura e duradoura. Todavia, não pode ser tão austeramente aplicada a ponto de se prestar a ser fator de lesividade de legítimos interesses, sobretudo quando o seu abrandamento decorre de real conveniência ou manifesta vantagem para quem ela visa proteger associado ao intuito de resguardar outros princípios que o sistema da legislação civil encerra, como se da no caso em exame, pelas peculiaridades que lhe cercam (REsp 10.020⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 14⁄10⁄1996).
Os gravames, além do mais, devem sempre ter em vista a função social da propriedade sobre a qual foram impostos, pois não é possível admitir a manutenção de um bem que acabe por prejudicar seu proprietário, de modo a causar-lhe aflições e frustrações. O exercício do direito de propriedade, nesses casos, descaracteriza-se tanto jurídica quanto economicamente, sendo importante destacar que a hipótese dos autos trata de uma pequena propriedade rural, que evidentemente necessita de investimentos para que se torne produtiva e atinja seus fins sociais. Daí decorre, ainda, que o impedimento ao exercício dos direitos decorrentes da propriedade por um longo período de tempo e na presença de circunstâncias que justifiquem a disposição do bem constitui ofensa ao princípio da função social da propriedade, já que impede a livre circulação e exploração da riqueza.
É louvável, portanto, a preocupação manifestada pelo TJ⁄MG ao adotar a tese segundo a qual é permitido o abrandamento da imposição dos gravames testamentários, especialmente diante do confronto entre a realidade fática do momento da liberalidade e aquela existente por ocasião da análise do pedido de revogação das cláusulas restritivas. Se essas situações forem nitidamente distintas, de forma a gerar consequências opostas à intenção do testador, não há como persistir na interpretação excessivamente formalista e conservadora das disposições legais aplicáveis à espécie.
Considero importante, ainda, aludir às normas dos arts. 1.666 do CC⁄16 (correspondente ao art. 1.899 do CC⁄02) e 85 do mesmo diploma legal (reproduzida pelo art. 112 do CC⁄02). Assim, o abrandamento das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, na hipótese dos autos, é a medida que melhor atende à vontade do testador (art. 1.666 do CC⁄16). De fato, diante das peculiaridades dos fatos, é evidente que não se pode presumir a oposição da avó da recorrida ao pedido, se ainda fosse viva. A mesma conclusão advém da circunstância de que “nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem” (art. 85 do CC⁄16), sendo igualmente patente que o objetivo da testadora das cláusulas foi o favorecimento de sua neta, que atualmente se encontra em delicada situação financeira.
O art. 1.911 do CC⁄02, no mais, estabeleceu a possibilidade de autorização judicial para alienação do bem por conveniência econômica, com incidência das mesmas cláusulas sobre o bem adquirido, providência determinada pelo acórdão recorrido na hipótese dos autos, ante a cabal demonstração da necessidade e da utilidade do cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade.
Na espécie em exame, portanto, a solução apresentada pelo TJ⁄MG, no sentido de atender parcialmente à pretensão da recorrida, exprimiu equilíbrio, razoabilidade e bom senso. A aplicação parcimoniosa dos dispositivos legais alegadamente violados obedeceu tanto à vontade do testador quanto aos interesses da recorrida, beneficiada pelo testamento.
III. Dissídio Jurisprudencial
Tendo em vista que a matéria impugnada pelo recorrente com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional é a mesma tratada na alínea “a”, a análise do mérito de sua irresignação torna desnecessária a reapreciação da matéria. A solução da causa, quanto à divergência, necessariamente convergirá para o que se decidiu quanto à violação.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
Fonte: Boletim INR nº 4687 – Grupo Serac – São Paulo, 01 de Julho de 2011.