CGJ|SP: RTD – Consulta a respeito da necessidade de “notarização” e “consularização” de documentos oriundos do exterior – Exigência afeta apenas aos documentos provenientes de autoridade estrangeira ou nos quais tenha havido intervenção de notário ou registrador – Desnecessidade quando se tratar de documento particular que não esteja em uma dessas situações – Inteligência do art. 129, 6º., da Lei dos Registros Públicos e do art. 3º do Decreto 84.451/84
DICOGE 1.2
PROCESSO Nº 2010/118647 – SÃO PAULO – CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS – CESA
Parecer – (223/2011-E)
REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS – Consulta a respeito da necessidade de “notarização” e “consularização” de documentos oriundos do exterior – Exigência afeta apenas aos documentos provenientes de autoridade estrangeira ou nos quais tenha havido intervenção de notário ou registrador – Desnecessidade quando se tratar de documento particular que não esteja em uma dessas situações – Inteligência do art. 129, 6º., da Lei dos Registros Públicos e do art. 3º do Decreto 84.451/84.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de consulta formulada pelo Centro de Estudos das Sociedades deAdvogados – CESA, a respeito da necessidade de “notarização” e “consularização” de documentos particulares oriundos do exterior. O consulente sustenta que não há uniformidade entre os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos sobre a possibilidade de registrá-los, sem prévia legalização consular. Alguns registradores recusam os pedidos, argumentando que a lei brasileira exige a legalização. No entanto, o art. 129, item 6º da Lei de Registros Públicos, autoriza o registro de documento estrangeiro, desde que previamente traduzido e o artigo 3º do Decreto 84.451/84 restringe a exigência àqueles expedidos por autoridades de outros países.
Diante da divergência entre os registradores, postula o requerente seja expedida orientação para que se uniformize o entendimento.
Sobre o assunto, colheu-se a manifestação do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica do Estado de São Paulo.
É o relatório.
Passo a opinar.
A questão suscitada pelo CESA é relevante, já que o desenvolvimento da economia, as facilidades de comunicação e o intercâmbio cultural entre os países, têm multiplicado a circulação de documentos entre eles. A chamada “globalização” econômica leva, inevitavelmente, à proliferação de situações em que aqueles produzidos em um país devam produzir efeitos em outro.
Por outro lado, o consulente demonstra a existência de divergências entre os registradores, a respeito da necessidade de prévia legalização consular dos documentos particulares (fls. 23), o que comprova a necessidade de uniformização do entendimento.
A “notarização” é um expediente que se assemelha aos reconhecimentos de firma realizados no Brasil. Ocorre quando um notário estrangeiro reconhece a assinatura aposta em um documento a ele apresentado. A “consularização” é a certificação, pela autoridade consular brasileira no exterior, de que o documento proveio da autoridade indicada. Consiste também em uma espécie de reconhecimento de firma, mas da autoridade que, de qualquer forma, tenha intervindo na elaboração ou validação do documento.
Dos documentos provindos de autoridade, entre as quais se podem incluir os notários e registradores estrangeiros, indispensável a legalização consular. O art. 3º do Decreto 84.451/84 não deixa dúvidas: “Ficam dispensados da legalização consular, para ter efeito no Brasil, os documentos expedidos por autoridades de outros países, desde que encaminhados por via diplomática, por governo estrangeiro ao Governo brasileiro”. “A contrario sensu”, a legalização consular será obrigatória para que possa haver o registro, salvo a exceção indicada. A respeito do tema, já houve pronunciamento do Egrégio Conselho Superior da Magistratura na Ap. Civ. 1.246-6/1, de 30/03/2010, Relator Des. Munhoz Soares:
“O artigo 3º do Decreto nº 84.451/80 dispõe que: “Ficam dispensados da legalização consular, para ter efeito no Brasil, os documentos expedidos por autoridades de outros países, desde que encaminhados por via diplomática, por governo estrangeiro ao Governo brasileiro”.
Os demais documentos expedidos por autoridades estrangeiras permanecem, pois, sujeitos à legalização consular para que produzam efeitos no País, ou seja, à comprovação de sua autenticidade mediante lançamento da assinatura de cônsul do Brasil.
A legalização por autoridade consular, portanto, diz respeito à comprovação da origem do documento estatal e à confirmação da legitimidade da autoridade estrangeira que o emitiu, requisito que deve ser atendido para possibilitar o posterior acesso ao Registro de Títulos e Documentos.
Em outro precedente do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, ficou decidido que, se houve reconhecimento de firma no documento estrangeiro, é preciso a legalização consular, para que fique demonstrada a autenticidade da assinatura do notário:
“O reconhecimento das firmas das partes no instrumento particular de compra e venda e alienação fiduciária, por sua vez, é requisito previsto no artigo 221, inciso II, da Lei nº 6.015/73, cuja incidência não é negada pelos apelantes)
Afasta-se, portanto, a exigência de comprovação do reconhecimento das firmas das partes por tabelião brasileiro, uma vez que produzido e assinado o documento em país estrangeiro, o que não implica, entretanto, na dispensa desse reconhecimento que sendo promovido por notário estrangeiro deverá conter a respectiva regularização consular” (Apelação Cível 1.259-6/0, j. 30 de junho de 2010, Rel. Des. Munhoz Soares).
Mas a consulta formulada pelo CESA diz respeito, especificamente, a documentos particulares, que não tenham sido emitidos, nem tenham tido a intervenção de autoridades estrangeiras, incluindo notários e registradores.
Nesses casos, a legalização consular não se faz mesmo necessária, como condição para registro, já que a sua finalidade é certificar a origem do documento, demonstrando que ele proveio de autoridade, ou que foi por ela reconhecido ou lavrado.
A desnecessidade da medida, em documentos particulares sem intervenção de notário, é reconhecida pelo Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica do Estado de São Paulo, como se vê do item XII da manifestação de fls.13. Alei 6.015/73 não a exige, pois o art. 129, 6º, alude apenas à prévia tradução.
A exigência da medida para documentos provenientes de autoridade advém do decreto 84.451/84, cujo art. 3º trata especificamente do tema. A redação do dispositivo levou à conclusão, exarada na já mencionada Ap. Cível 1.246-6/1, Rel. Des. Munhoz Soares, de que “Assim porque o artigo 129, 6º, da Lei nº 6.015/73 faz referência a todos os documentos de procedência estrangeira, sejam ou não expedidos por autoridades, sem afastar, quanto aos últimos, a necessidade de prévia legalização consular contida no Decreto nº 84.451/80” (grifo nosso). Na decisão, ficou assentado que a legalização é exigência que concerne apenas aos documentos expedidos por autoridade.
O Manual de Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, que regula a atividade de legalização consular, no item 4.7.1 estabelece que “Para que um documento originado no exterior tenha efeito no Brasil é necessária a legalização, pela Autoridade Consular brasileira, do original expedido em sua jurisdição consular, seja por reconhecimento de assinatura, seja por autenticação do próprio documento”. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça,em julgado no Procedimentode Homologação de Sentença Estrangeira 0038375-5/2007, de 11 de fevereiro de 2008, Rel. Min. Teori Albino Zavascki decidiu, interpretando o dispositivo, que a legalização só é necessária para reconhecimento de assinatura de autoridade:
“SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. SUÍÇA. DIVÓRCIO. ATO CONSULAR DE “LEGALIZAÇÃO” DO DOCUMENTO. ATENDIMENTO DO REQUISITO DA AUTENTICAÇÃO.
1. A exigência de autenticação consular a que se refere o art. 5º, inciso IV, da Resolução STJ nº 9, de 05/05/2005, como requisito para homologação de sentença estrangeira, deve ser interpretada à luz das Normas de Serviço Consular e Jurídico (NSCJ), do Ministério das Relações Exteriores (expedidas nos termos da delegação outorgada Decreto 84.788, de 16/06/1980), que regem as atividades consulares e às quais estão submetidas também as autoridades brasileiras que atuam no exterior.
2. Segundo tais normas, consolidadas no Manual de Serviço Consular e Jurídico – MSCJ (Instrução de Serviço 2/2000, do MRE), o ato de fé pública, representativo da autenticação consular oficial de documentos produzidos no exterior, é denominado genericamente de “legalização”, e se opera (a) mediante reconhecimento da assinatura da autoridade expedidora (que desempenha funções no âmbito da jurisdição consular), quando o documento a ser legalizado estiver assinado (MSCJ – 4.7.5), ou (b) mediante autenticação em sentido estrito, relativamente a documentos não-assinados ou em que conste assinatura impressa ou selos secos (MSCJ – 4.7.14)” (grifo nosso).
Nestes termos, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência é no sentido de condicionar o registro de documentos oriundos do exterior à prévia “notarização” e “consularização” apenas quando expedido por autoridade ou quando tenha intervindo notário ou registrador estrangeiros. Caso aprovado, sugiro, se atribua à decisão caráter normativo, publicandose para conhecimento dos interessados e dos MM. Juízes Corregedores Permanentes.
Sub censura.
São Paulo, 22 de junho de 2011.
(a) MARCUSVINICIUS RIOS GONÇALVES
Juiz Auxiliar da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo, com força normativa, o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto. Publique-se para conhecimento dos interessados e dos MM. Juízes Corregedores Permanentes, e oficie-se ao Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), com cópia da decisão. São Paulo, 05 de julho de 2011. (a) MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 19.07.2011)