Opinião: O casamento homoafetivo no Brasil – Christiano Cassettari*

Como é sabido, no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal ao julgar as ADPF 132-RJ e a ADI 4277 reconheceu, de forma unânime, a aplicação analógica das normas da união estável heterossexual para a união estável homossexual ou homoafetiva.

Essa decisão do STF fez com que todos os direitos que são dados aos companheiros heterossexuais em nosso sistema legislativo sejam estendidos às pessoas que vivem em união estável homoafetiva.

Para se ter a união estável homoafetiva, deve-se preencher os mesmos requisitos para se constituir a união estável heterossexual, ou seja, a convivência pública, duradoura e contínua com o objetivo de constituir família, conforme o art. 1.723 do Código Civil, que foi amplamente discutido pela suprema corte nesse julgamento histórico.

Para reforçar que a decisão deveria ser cumprida amplamente por todos, o Presidente do STF, Ministro César Peluso, enviou, em 09 de maio de 2011, atodos os Tribunais de Justiça do país, o ofício 81/P-MC, em que noticiava o julgamento que deu ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição, para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união pública, duradoura e contínua entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Ainda, no mesmo ofício, o Ministro expressou que o reconhecimento da união homoafetiva deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Por conta desse ofício, os cartórios estão recebendo vários pedidos de conversão de união estável heterossexual em casamento, por força do que determina o artigo art. 1.726 do Código Civil, que estabelece:

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”

Por força do citado dispositivo, e do mencionado ofício do STF, os cartórios de Registro Civil de todo o país estão recebendo esses pedidos e encaminhando para as corregedorias locais para que decidam se podem converter a união homoafetiva em casamento, ou já recebendo sentença nesse sentido nos locais em que as partes devem ingressar com uma ação judicial em vara de família para obterem tal autorização.

Já há várias decisões judiciais em todo o país, em processos que o Ministério Público sempre se manifestou favoravelmente, que autorizam a conversão da união homoafetiva em casamento.

O primeiro foiem Jacareí (SP), o segundoem Brasília (DF), o terceiro em São Bernardo do Campo (SP) e o quartoem Recife (PE).

Porém, em razão dessa possibilidade já ter se tornado uma realidade, existem outros dois precedentes importantes de habilitação para o casamento de duas pessoas homossexuais, que não viviam em união homoafetiva, nas cidades de Jardinópolis (SP) e Cajamar (SP), sendo que nessa última a celebração do casamento se dará somente em outubro vindouro.

Concordamos com essa possibilidade, haja vista que se os homossexuais podem se casar, convertendo a união estável homoafetiva em casamento, devem, também, poder casar independentemente de viverem previamente em união estável, em veneração ao princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, pois as pessoas que estão em situações iguais (homossexuais), não podem ser tratados de forma desigual (quem vive em união homoafetiva casa e quem não vive está proibido).

Ademais, cumpre salientar que não há nenhum artigo no Código Civil que estabeleça ser a diversidade de sexo um pressuposto do casamento. Esse requisito sempre foi colocado pela doutrina (e não pela lei), em razão do costume histórico exigir tal requisito. Para se comprovar isso, cumpre salientar que nos artigos que tratam da invalidade do casamento, 1.548 (casamento nulo) e 1.550 (casamento anulável), não se faz nenhuma menção ao pressuposto da diversidade de sexo.

Porém, de todos esses casamentos noticiados, o de Pernambuco chamou a nossa atenção.

Em sentença proferida pelo juiz de Direito da Primeira Vara de Família e Registro Civil da Comarca do Recife, Clicério Bezerra eSilva, a capitalpernambucana foi a primeira das regiões Norte e Nordeste a sediar o ato jurídico que validou um casamento homoafetivo, no dia 02 de agosto de 2011.

No caso em tela, o casal mantinha uma união estável homoafetiva desde o dia 10 de outubro de 1998, e em dezembro de 2010 casaram-se na Conservatória do Registro Civil de Lisboa, Portugal, país que admite que esse tipo de casamento desde 2001 com a Lei da União de Facto.

Por esse motivo, poderia o casamento homoafetivo, realizado em Portugal, ser registrado no cartório do 1º Ofício da Capital do Estado onde residiam o casal (Recife), por força do art. 1.544 do Código Civil, vejamos:

“Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.”

Mas, para que isso fosse possível, deveria o casamento realizado em Portugal ter sido autenticado pelo cônsul brasileiro em Lisboa, o que não ocorreu no caso em tela, consoante determina o art. 32 da Lei de Registros Públicos, a saber:

“Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular.”

Assim, correto o procedimento adotado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, considerando a prévia união estável do casal, ter convertido-a em casamento, já que o registro nos moldes do art. 1.544 do Código Civil não pôde ser feito, em razão da ausência de autenticação consular na certidão expedida pela Conservatória Portuguesa (Registro Civil do país).

Porém, entendemos que esse caso deve servir de alerta aos registradores civis de todo o país, já que no exercício da sua função serão requisitados não apenas para converterem união homoafetiva em casamento, ou para realizarem casamento de pessoas do mesmo sexo, mas, também, para registrarem casamento homoafetivo celebrados em outros países, já que os mesmos são realizados em vários países: África do Sul, Argentina, Bélgica, Canadá, Espanha, Islândia, México (somente na Cidade do México), Noruega, Países Baixos (primeiro país do mundo a legalizar) e Portugal.

Nos EUA somente alguns estados permitem o casamento homoafetivo (Connecticut, Iowa, Massachusetts, Nova Hampshire, Vermont, Washgington D.C e Nova York) e em Israel o mesmo não é permitido, mas é possível registrá-lo para ganhar efeitos civis, quando realizados no exterior.

*O Autor é Doutorando em Direito Civil pela USP; Mestre em Direito Civil pela PUC-SP; Diretor Cultural do IBDFAM-SP e Autor do livro “Elementos de Direito Civil” pela Ed. Saraiva.

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Fonte: Boletim INR nº 4778 – Grupo Serac – São Paulo, 18 de Agosto de 2011.