As doações de imóveis e os emolumentos notariais e de registro na Capital do Estado de São Paulo – Base de Cálculo.

Por Antonio Herance Filho*

O tema já foi submetido, em algumas oportunidades, à nossa análise por notários paulistas e registradores paulistanos o que nos motivou a transformar os respectivos pareceres, neste texto opinativo a fim de permitir que nosso entendimento seja oferecido à crítica dos leitores do Boletim Eletrônico INR.

I – Considerações iniciais

Na verdade o presente trabalho versa, especificamente, sobre a adequada forma de cobrança dos emolumentos previstos na Lei do Estado de São Paulo n° 11.331, de 26 de dezembro de 2002, devidos ao notário e ao oficial registrador, pelos atos de seus respectivos ofícios, nos casos de doação de bem imóvel situado na Capital do Estado de São Paulo.

Aplica-se o art. 7º da referida lei estadual de São Paulo aos atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro, entre os quais está o registro dos contratos de doação, com ou sem reserva de usufruto, ainda que, a transação, todos nós sabemos, ocorra a título não oneroso. Por suposto, o conteúdo financeiro como requisito da norma tem cunho patrimonial e não exige a onerosidade da transação. Assim, toda transmissão da propriedade imobiliária ou de direitos relativos a imóveis tem conteúdo financeiro porque é transação com valor econômico, ainda que este valor não conste no contrato por opção das partes contratantes.

Com efeito, decorre da doação, ato de liberalidade realizado a título gratuito, o aumento do patrimônio do donatário, enquanto decresce o do doador.

II – Natureza jurídica dos emolumentos e custas dos serviços notariais e de registro

Consoante o art. 236, §2º, da Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e registrais são remunerados por emolumentos, que se encaixam, perfeitamente, na espécie tributária taxa, visto que cumprem o princípio da destinação, ou seja, remuneram serviços públicos estaduais, específicos e divisíveis, postos à disposição pelo Estado.

Nesse sentido, imperioso é destacar que o Supremo Tribunal Federal já construiu pacífica jurisprudência no sentido de que os emolumentos têm a natureza tributária de taxa.

Na ADIn nº 1378-5/ES, cujo relator foi o insigne Ministro Celso de Mello, está expresso de forma clara e indubitável que:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne a sua instituição e majoração, quer no que se refere a sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias especiais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. (grifo nosso)

O art. 5º, da Lei Federal nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, ao dispor que o valor dos emolumentos poderá sofrer reajuste, desde que observado o princípio da anterioridade, comprova a sua natureza tributária.

Pode-se, então, fixar os emolumentos, nos exatos termos da Lei Federal nº 10.169/2000, da seguinte forma:

a) Fato gerador da incidência da taxa de serviços (emolumentos): a prática, por tabeliães e registradores, de atos notariais e de registro;

b) Contribuintes da taxa de serviços (emolumentos): os usuários dos atos notariais e registrais;

c) Agentes arrecadadores da taxa de serviços (emolumentos): os delegados dos serviços notariais e registrais (tabeliães e registradores);

d) Base de cálculo: o custo efetivo dos atos notariais registrários e de seus respectivos importes, em moeda nacional, arbitrados e tabelados por norma estadual (Tabela Estadual de Emolumentos), na forma do art. 2º, I, da Lei Federal nº 10.169/2000; e

e) Finalidade e destinação: remuneração dos atos públicos notariais e de registro.

III – A base de cálculo dos emolumentos devidos pela prática de atos notariais e de registro

A sistemática para determinação da base de cálculo dos emolumentos devidos pela prática de atos notariais e de registro, relativamente a transações imobiliárias com conteúdo financeiro, é o valor venal do imóvel, aquele que dá à operação realizada o seu valor econômico.

Tem-se por valor venal o preço de venda, à vista, em condições normais do mercado, comportando variação de 10% para mais ou para menos.[1]

No Estado de São Paulo, a lei estabelece, na determinação da base de cálculo dos emolumentos, a eleição do maior entre os vários possíveis.

Cumpre-nos observar que, neste particular, o art. 7° da Lei Estadual (SP) n° 11.331/2002 é de clareza solar ao dispor que, in verbis:

“Art. 7º O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:

I – preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;

II – valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;

III – base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis.

Parágrafo único – Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea “b” do inciso III do artigo 5º desta lei.” (original sem destaques)

O valor econômico da transação apenas não será utilizado como base de cálculo do tributo na hipótese de ser inferior a algum dos demais listados nos três incisos do art. 7º, da Lei Estadual (SP) nº 11.331/2002.

A idéia é que seja oferecido o maior valor entre os possíveis e não aquele mais favorável ao usuário, por isso, entre todos os valores relacionados com a transação, notários e registradores devem usar o maior (sempre o maior), sendo-lhes vedada a utilização de critério diverso, sob pena de descumprimento das obrigações impostas ao substituto tributário, papel que desempenham em relação aos emolumentos, que devem receber do contribuinte (usuário) e repassar aos cofres respectivos (Estado, IPESP, Tribunal de Justiça, entre outros), nos prazos fixados.

Destarte, ou o maior valor está na declaração das partes, ou é fixado por algum órgão público com competência administrativa e/ou tributária para tanto, e notários e registradores não podem alegar ignorância de nenhum deles.

IV – A avaliação judicial ou fiscal dos bens objeto de contratos de transmissão inter vivos ou mortis causa

Quando o ente político competente (sujeito ativo do ITCMD ou ITBI), não concorda com o valor declarado pelas partes, ainda que seja superior ao mínimo fixado, pode determinar a avaliação do bem.

O mesmo direito possui o contribuinte que não concorda com o valor arbitrado pela administração fazendária.

Nos casos em que, por força de lei, devem ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para determinação da base de cálculo dos emolumentos devidos para a prática dos atos notariais e de registro relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro, salvo se algum outro mencionado nos incisos do art. 7º da Lei Estadual (SP) nº 11.331/2002 lhe seja superior.

Desta assertiva, depreende-se que o valor da base de cálculo, em matéria tributária, é a verdade real da transação (valor econômico ou valor venal do bem), possível de ser aferida por meio de avaliação judicial ou fiscal, quando necessário.

V – O valor de referência instituído pelo Município de São Paulo e a determinação da base de cálculo dos emolumentos e custas dos serviços notariais e de registro

No Município de São Paulo, a Secretaria Municipal de Finanças fixa o valor venal dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal (valor pelo qual o bem seria negociado à vista, em condições normais de mercado), tornando-o público.

Os valores venais dos imóveis são, na capital paulistana, atualizados periodicamente, de forma a assegurar sua compatibilização com os valores praticados no Município, mediante pesquisa e coleta permanente, por amostragem, dos preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário, inclusive com a participação da sociedade representada no Conselho de Valores Imobiliários (Decreto nº 46.228/2005, arts. 7º e 8º).

Em que pese tenha sido instituído para servir como base de cálculo do ITBI, é indubitável que o valor venal fixado, atualizado e divulgado nos termos acima ditos, não pode ser ignorado por notários e registradores quando da determinação da base de cálculo dos emolumentos se ele superar todos os demais (declarado pelas partes ou o valor tributário do imóvel para os fins do IPTU ou ITR, conforme o caso), porque, independentemente de servir à base de cálculo do tributo de competência municipal, caso o imóvel venha a ser alienado a título oneroso, será ele a verdade real da doação, ou seja, o seu valor econômico, de que trata o inciso I, do art. 7º, da Lei Estadual (SP) nº 11.331/2002.

Ressalta-se, por importante e bastante oportuno, que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, exige, e com acerto, o cálculo do ITCMD, incidente sobre as transmissões não onerosas de imóveis situados na Capital, tomando-se por base o valor atribuído pelo Município paulistano (valor de referência).

Então, o valor econômico da doação – e dos demais atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro –, é fruto da avaliação fiscal implementada pelo Município de São Paulo, logo, é ele (o valor de referência), o que deve ser considerado na aplicação dos critérios estabelecidos pela Lei Estadual dos Emolumentos, ainda que a transação, objeto do instrumento lavrado pelo notário ou registrado pelo oficial competente, não se sujeite ao ITBI.

VI – A responsabilidade tributária do Oficial de Registro de Imóveis (CTN, art. 134, VI), e os deveres do substituto tributário (CTN, art. 128)

Além da responsabilidade chamada de terceiros (descrita pelo inciso VI do art. 134 do Código Tributário Nacional), são os profissionais a que se refere o art. 236 da Constituição Federal, substitutos tributários em relação ao imposto de renda e às contribuições sociais incidentes sobre a remuneração de seus prepostos e auxiliares e, ainda, em relação aos emolumentos devidos pelos atos que praticam.

Isto porque a lei pode atribuir, de modo expresso, a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, conforme prescreve o art. 128 do CTN.

E a Lei Estadual (SP) nº 11.331/2002, por meio de seu art. 3º, assim o fez, verbis:

“Artigo 3º – São sujeitos passivos por substituição, no que se refere aos emolumentos, os notários e os registradores.”

Há na substituição tributária duas figuras distintas; o substituto, a quem é atribuída a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação, e o substituído, contribuinte e beneficiário do tributo.

No que concerne aos emolumentos, são substitutos os notários e registradores e substituídos, os usuários.

Essa questão da substituição tributária remete-nos à Lei Federal nº 8.137/90, diploma que deu novos contornos aos chamados crimes contra a ordem tributária, tipos antes disciplinados no Código Penal e na Lei Federal nº 4.729/65, que define o crime de sonegação fiscal.

Constitui crime contra a ordem tributária deixar de recolher, no prazo legal, valor de imposto retido ou de contribuição social descontada dos substituídos.

Em razão das normas tributárias aqui trazidas (CTN, arts. 128 e 134, VI), o valor dos emolumentos deve ser corretamente calculado e exigido do usuário para, ao depois, ser tempestivamente repassados aos cofres respectivos.

VII – Conclusão

Os Notários paulistas, na lavratura de escritura de doação de imóvel situados no Município de São Paulo, e os Oficiais de Registro de Imóveis das 18 (dezoito) circunscrições imobiliárias da Comarca da Capital de São Paulo, no registro desses instrumentos, devem tomar para os fins de determinação da base de cálculo dos emolumentos o valor atualmente utilizado pelo Município para realizar a tributação do ITBI, caso seja ele superior a todos os demais referidos nos três incisos do art. 7º da Lei nº 11.331/2002, pelo simples fato de ser, nessa hipótese, o valor econômico da operação realizada.

Conduta diversa, por afrontar os preceitos da responsabilidade e substituição tributárias e por acarretar perdas ao erário e aos órgãos mantidos por meio dos emolumentos (taxas), poderá sujeitar o notário e o registrador às penalidades previstas na legislação em vigor, sem prejuízo do recolhimento de eventuais valores que tenham sido exigidos a menor.

*O autor é advogado, especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em Direito Constitucional e de Contratos pelo Centro de Extensão Universitária de São Paulo e em Direito Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, co-autor do livro “Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, Inventário e Partilha Consensuais – Análise civil, processual civil, tributária e notarial”, editado pela RT, autor de vários artigos publicados em periódicos destinados a Notários e Registradores. É diretor do Grupo SERAC, colunista e co-editor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral. herance@gruposerac.com.br

Notas: [1] Kiyoshi Harada, Direito Tributário Municipal, 2ª edição, Atlas, 2004, p. 95.

Fonte: Boletim Eletrônico INR n. 3719. São Paulo, 02 de fevereiro de 2010.