1ª VRP|SP: Escritura de compra e venda. Alienação de fração ideal correspondente a 5% do bem. Imóvel consistente em regime de condominio. De acordo com o art. 1.314, do Código Civil, o condômino pode alienar sua fração ideal a terceiros independentemente do consentimento dos demais condôminos. Contudo, não pode, antes de operada a divisão da coisa comum (CC 1.320), alienar parte localizada do imóvel como se fosse certa de determinada, pela simples razão de que ela pertence a todos. Dúvida julgada procedente.
Processo 0033023-45.2011.8.26.0100
Dúvida
Registro de Imóveis
2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
VISTOS.
Cuida-se de dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro da escritura pública de compra e venda pela qual Noel Luiz Alterman e sua mulher Celia Alterman alienaram à interessada Zulma de SouzaDias a fraçãoideal correspondente a 5% da “unidade condominial de garagem” situada no andar térreo do Edifício Barão de Piracicaba, localizado na Rua Barão de Piracicaba, nº 878, Santa Cecília.
A dúvida foi impugnada às fls. 25/31, e o Ministério Público apresentou parecer opinando pela manutenção dos óbices constantes da nota devolutiva do Oficial de Registro de Imóveis (fls. 33/35).
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
A dúvida, a despeito dos r argumentos da interessada, é procedente, de modo que a recusa do Oficial de Registro de Imóveis deve ser mantida.
Pretende-se o registro da alienação da fração ideal correspondente a 5% da “unidade condominial de garagem” situada no andar térreo do Edifício Barão de Piracicaba, localizado na Rua Barão de Piracicaba, nº 878, Santa Cecília, obejto da matrícula nº 12.427, do 2º Registro de Imóveis.
Colhe-se da certidão da matrícula acostada às fls. 12, que o imóvel foi adquirido por diversas pessoas, dentre elas os ora alienantes, constituindo-se o regime de condomínio previsto no Código Civil então vigente (art. 623), mantido no em vigor (art. 1314 e seguintes).
Franciso Eduardo Loureiro lembra que duas são as principais características básicas do condomínio:a) a cotitularidadedominial sobre uma mesma coisa; e b) o regime jurídico de cotas ou partes ideais sobre a coisa, cabendo a cada condomínio uma fração ou percentagem sobre o todo, sem que o direito incida sobre uma parte fisicamente determinada (Código Civil Comentado, Manole, 2ª Ed., págs. 1273/1274).
Consta da Av. 01 da matrícula a fração de cada proprietário sobre o todo, sendo quea Noel Luiz Altermane sua mulher Celia Alterman foi destinada a fração ideal de 5% sobre o todo.
É certo que, de acordo com o art. 1.314, do Código Civil, o condômino pode alienar sua fração ideal a terceiros independentemente do consentimento dos demais condôminos. Contudo, não pode, antes de operada a divisão da coisa comum (CC 1320), alienar parte localizada do imóvel como se fosse certa de determinada, pela simples razão de que ela pertence a todos.
Portanto, poderiam os condôminos Noel Luiz Alterman e sua mulher Celia Alterman alienar sua fração ideal de 5%, mas não a parte certa e localizada do imóvel consistente na “unidade condominial de garagem”.
Esta, mesmo depois da instituição do condomínio na forma da Lei nº 4.591/64 sobre o imóvel (R.02), continuou a pertencer, na proporção fixada na Av.01, atodos os condôminos, assim como todas as demais unidades autônomas discriminadas na Av. 03, da matrícula.
Ora, pertencendo o imóvel ou a fração ideal ele a outras pessoas além daqueles que constaram no título como titular de domínio, sem o comparecimento de todos os demais no ato de alienação ocorre quebra da continuidade, na medida em que não coincidem os que constam do título como alienantes e no registro como titulares de domínio.
Afrânio de Carvalho, ao cuidar do princípio da continuidade, explica-o da seguinte forma:
“em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Na mesma linha, Narciso Orlandi Neto, in Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56, bem observa que:
“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet”.
A Lei nº 6.015/73 cuida do princípio da continuidade nos arts. 195 e237, inverbis:
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”; e
“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”
Deste modo, correto a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis, por faltar a anuência de todos os demais proprietários do imóvel para a alienação em questão.
Posto isso, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, cuja recusa fica mantida.
Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 203, I, da Lei nº 6.015/73.
Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 30 de agosto de 2011.
– assinatura digital ao lado –
Gustavo Henrique BretasMarzagão, Juiz de Direito.
(D.J.E. de 12.09.2011)