STJ: Civil e previdenciário – Recurso especial – Concubinato simultâneo com casamento válido – Direito à indenização patrimonial – Ausência – Reconhecimento da relação como união estável – Percepção de pensão previdência pela concubina – Impossibilidade – Precedentes do STJ e do STF

EMENTA

CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO SIMULTÂNEO COM CASAMENTO VÁLIDO. DIREITO À INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL. AUSÊNCIA. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO COMO UNIÃO ESTÁVEL. PERCEPÇÃO DE PENSÃO PREVIDÊNCIA PELA CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o concubinato, mantido simultaneamente a casamento válido, não gera direito à indenização patrimonial, inclusive de caráter hereditário, nem pode ser a relação reconhecida como união estável para fins de percepção pela concubina de pensão previdenciária. 2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da Suprema Corte. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp nº 968.572 – RN – 4ª Turma – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJ 05.08.2011)

DECISÃO MONOCRÁTICA

A.C.S.M. e OUTROS interpõem recurso especial com fundamento no art. 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Proposta por J.B.O. “ação de reconhecimento de concubinato post mortem do companheiro com pedido de tutela antecipada de benefício previdenciário” contra os recorrentes, o Juízo de Direito da 1ª Vara de Família de Natal – RN julgou improcedente o pedido, ao assentar a conclusão abaixo:

“Assim sendo, não restou caracterizada a União Estável alegada inicialmente, em razão do impedimento matrimonial existente, considerando que o de cujus durante o relacionamento, ora em discussão, manteve o vínculo com a família existente. Em decorrência de tal óbice resta, consoante aduzido pelo parquet , impossível dissolver-se algo que não existiu; podendo, no entanto, haver a discussão no tocante aodireito a partilha dos bens adquiridos na constância do envolvimento, querendo, na seara obrigacional.”

Interposta apelação cível, a Corte de origem proferiu decisão cuja ementa está assim expressa:

“DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONCUBINATO POST MORTEM. CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E COM APARÊNCIA DE CASAMENTO. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS INSERTOS NO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL. CONCUBINATO IMPURO. RELAÇÃO EXTRACONJUGAL MANTIDA POR QUASE TRÊS DÉCADAS. FALTA DE COABITAÇÃO. ELEMENTO QUE NÃO SE MOSTRA ESSENCIAL À CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO, NOS TERMOS DA SÚMULA 382 DO STF. VIDAEM COMUM E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA CONCUBINA COMPROVADAS. DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS QUE DEVEM SER PRESERVADOS. PRECEDENTES DO STJ, TRF 2ª REGIÃO, TJ/RS E TJ/PB. APELO CONHECIDO E PROVIDO” (fl. 208).

Daí o manejo do apelo especial em que se argúi o seguinte:

a) violação do art. 1.521, VI, do Código Civil, ao argumento de que o falecido possuía vínculo matrimonial com L.S.M., falecida no curso do processo, o que impedia de se reconhecer qualquer outra relação extraconjugal;

b) violação dos arts. 1.723, § 1º, e 1.727 do Código Civil, visto que não se pode reconhecer a união estável entre homem e mulher uma vez que aquele estava impedido de se casar, quando, na verdade, deveria prevalecer mero concubinato; e

c) ocorrência de divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido e decisões de outros tribunais.

Apresentadas as contrarrazões às fls. 233-235, ascenderam-se os autos ao STJ por força do juízo positivo de admissibilidade (fls. 236-239).

Em parecer de fls. 245-253, o ilustre representante do Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório. Decido.

Nada obstante as elogiáveis razões que embasam o acórdão recorrido, corroboradas pelo pronunciamento do parquet federal, tenho que o juízo conclusivo da sentença revela-se plenamente adequado ao desfecho da relação jurídico-litigiosa posta nos autos.

É que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o concubinato, mantido simultaneamente a casamento válido, não gera direito à indenização patrimonial, inclusive de caráter hereditário, nem pode ser a relação reconhecida como união estável, para fins de percepção pela concubina de pensão previdenciária.

A propósito da matéria, confiram-se esses julgados:

“Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Casamento e concubinato simultâneos. Improcedência do pedido.- A uniãoestável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro(a) separado de fato, enquanto que a figura do concubinato repousa sobre pessoas impedidas de casar. – Se os elementos probatórios atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, impõe-se a prevalência dos interesses da mulher casada, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa desta à partilha dos bens deixados pelo concubino. – Não há, portanto, como ser conferido status de união estável a relação concubinária concomitante a casamento válido. Recurso especial provido.” (REsp n. 931.155/RS, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 20/8/2007.)

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CONCUBINATO E UNIÃO ESTÁVEL. CARACTERIZAÇÃO. DIFERENÇA DE INSTITUTOS E EFEITOS JURÍDICOS. PARTILHA DE BENS. ESFORÇO COMUM. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1. Não há falar em comprovação do dissídio pretoriano, na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, quando ausente a similitude fática entre os acórdãos confrontados. 2. Esta Corte Superior consagrou o entendimento de que a relação concubinária, paralela a casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se configurada separação de fato ou judicial entre os cônjuges. 3. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem jurisprudência firmada na vertente de ser descabido o compartilhamento da pensão por morte entre a viúva e a concubina, uma vez que a pensão previdenciária somente é devida quando configurada a relação matrimonial ou a união estável, sendo inadmissível quando se tratar de concubinato. 4. Se o Tribunal de origem, com base no acervo fático e probatório dos autos, consignou que a concubina não logrou comprovar sua efetiva colaboração para a construção do patrimônio do de cujus, pelo que, ainda que se considerasse eventual sociedade de fato, não haveria bem a partilhar, chegar a conclusão diversa – no sentido da ocorrência de esforço comum -, demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado na via especial, a teor da Súmula 07 do STJ. 5. Aferir se os bens doados à concubina estavam abrangidos ou não pela comunhão universal é procedimento que encontra óbice na Súmula 07 do STJ, por demandar reexame dos elementos de fato e de prova dos autos. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no Ag n. 683.975/RS, Terceira Turma, relator Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), DJe de 2/9/2009.)

“DIREITO CIVIL. CONCUBINATO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SERVIÇOS DOMÉSTICOS. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.727 DO CC/02. INCOERÊNCIA COM A LÓGICA JURÍDICA ADOTADA PELO CÓDIGO E PELA CF/88, QUE NÃO RECONHECEM DIREITO ANÁLOGO NO CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A união estável pressupõe ou ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, separação de fato, para que assim ocorram os efeitos análogos aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de direitos patrimoniais, conforme definidoem lei. 2. Inviávela concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união. 3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência. 4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (art. 226 da CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família. 5. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 988.090/MS, Quarta Turma, relator Ministro Luís Felipe Salomão, DJe de 22/2/2010.)

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPARTILHAMENTO DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. CONCOMITÂNCIA ENTRE CASAMENTO E CONCUBINATO ADULTERINO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Para fins previdenciários, há união estável na hipótese em que a relação seja constituída entre pessoas solteiras, ou separadas de fato ou judicialmente, ou viúvas, e que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto. 2. As situações de concomitância, isto é, em que há simultânea relação matrimonial e de concubinato, por não se amoldarem ao modelo estabelecido pela legislação previdenciária, não são capazes de ensejar união estável, razão pela qual apenas a viúva tem direito à pensão por morte. 3. Recurso especial provido.” (REsp n. 1.104.316/RS, Sexta Turma, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18/5/2009.)

No mesmo diapasão, merece destaque a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 590.779/ES, relator Ministro Marco Aurélio, DJe de 27/3/2009, cujo acórdão recebeu a ementa abaixo:

“COMPANHEIRA E CONCUBINA – DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL – PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído oconcubinato. PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER – CONCUBINA – DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.”

Ante o exposto, com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para, cassando o acórdão de origem, restabelecer desfecho dado à causa pela sentença de fls. 164-169, integrada pela ato decisório de fl. 179.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 1º de agosto de 2011

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Relator.

Boletim INR nº 4905 – Grupo Serac – São Paulo, 26 de Outubro de 2011.