TJ|SP: Inventário – Nomeação da companheira ao cargo de inventariante – União estável comprovada por escritura pública – Admissibilidade – Irrelevância do período em que perdurou a união, bastando que, ao tempo da morte, estivessem convivendo um com o outro – Inteligência do artigo 990, inciso I, do Código de Processo Civil, com redação alterada pela Lei n° 12.195/2010 – Direito real de habitação – Direito reconhecido à companheira de permanecer no imóvel destinado à moradia da família – Artigo 7º, parágrafo único, da Lei n° 9.278/96, que se coaduna ao caso em espécie – DPVAT – Levantamento de 50% do montante pela inventariante – Ausência de óbice – Parte cabente ao agravante que ficou resguardada – Agravo desprovido.
EMENTA
Inventário. Nomeação da companheira ao cargo de inventariante. União estável comprovada por escritura pública. Admissibilidade. Irrelevância do período em que perdurou a união, bastando que, ao tempo da morte, estivessem convivendo um com o outro. Inteligência do artigo 990, inciso I, do Código de Processo Civil, com redação alterada pela Lei n° 12.195/2010. – Direito real de habitação. Direito reconhecido à companheira de permanecer no imóvel destinado à moradia da família. Artigo 7º, parágrafo único, da Lei n° 9.278/96, que se coaduna ao caso em espécie. – DPVAT. Levantamento de 50% do montante pela inventariante. Ausência de óbice. Parte cabente ao agravante que ficou resguardada. Agravo desprovido. (TJSP – Agravo de Instrumento nº 0220207-90.2010.8.26.0000 – São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda – DJ 08.09.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n° 990.10.220207-0, da Comarca de São Paulo, em que é agravante MARIO RODRIGUEZ sendo agravados SILVIA CRISTINA VEZICATO DE GODOY (INVENTARIANTE) e SIDNEI JORGE RODRIGUEZ (ESPÓLIO).
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente sem voto) E ENIO ZULIANI.
São Paulo, 12 de agosto de 2010.
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto tempestivamente pelo autor da ação de inventário, insurgindo-se contra a r. decisão de fls. 141/142, que nomeou ao cargo de inventariante a companheira do de cujus, bem como lhe conferiu o direito real de habitação sobre imóvel, além de autorizar o levantamento de 50% do valor do DPVAT.
Alega o agravante, pai do autor da herança, que tem a posse e administração dos bens do filho, tanto que foi quem requereu a abertura do inventário, bem como apresentou todos os documentos necessários ao prosseguimento do feito. A seguir aduz que a agravada conviveu em união estável com o falecido por apenas noventa dias, argumentando, ainda, que a Lei n° 12.195/2010 não se aplica ao caso, pois a abertura da sucessão ocorreu em 1º de novembro de 2009. Continuando expôs que o direito real de habitação não pode subsistir, ante a falta de previsão legal, já que o Código Civil de 2002 não garantiu aos conviventes referido direito, além do que, o imóvel em questão foi adquirido antes da união estável, sem qualquer contribuição da agravada. Dando seqüência declarou que o levantamento do valor referente ao DPVAT não pode sobressair, a fim de evitar eventuais prejuízos às partes. Por último requereu a concessão de efeito suspensivo e o provimento do recurso, a fim de que o agravante seja nomeado ao cargo de inventariante, afastando, ainda, o direito real de habitação da agravada, bem como qualquer levantamento no feito, enquanto tramitar o recurso.
Processado o agravo sem outorga do efeito ativo, fls. 148.
Apresentada contraminuta, sendo rebatida integralmente a pretensão do agravante, fls. 154/158.
É o relatório.
VOTO
2. A r. decisão agravada merece ser mantida.
Conforme disposto no artigo 990, inciso I, do Código de Processo Civil[1]:
“O juiz nomeará inventariante:
I – o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste”
Com efeito, a união estável havida entre a agravada e o de cujus está devidamente comprovada pela escritura pública de fls. 34, lavrada em setembro de 2009.
Convém ressaltar que é irrelevante o período em que perdurou a união estável, pois a lei não estabelece lapso temporal mínimo para que reste configurada, sobrelevando, apenas, o fato de estarem convivendo um com o outro ao tempo da morte para que o companheiro supérstite seja nomeado ao cargo de inventariante, fato este não questionado pelo agravante.
Ademais, anote-se que é perfeitamente viável a aplicação do artigo em comento, com as alterações pertinentes feitas pela Lei n° 12.195/2010, ainda que o óbito tenha se dado em momento anterior à vigência da lei em questão, porquanto se trata de norma processual, logo, possui aplicação imediata.
Assim, a condição da agravada de companheira do de cujus ao tempo do óbito faz com que o agravante, genitor do falecido, seja preterido ao cargo de inventariante.
Esta C. Quarta Câmara de Direito Privado em caso análogo, assim se posicionou:
“Agravo Interno. Art. 557, § 1º, CPC. Inventário. União estável. Pedido de nomeação como inventariante. Documentos que atestam verossimilhança acerca do relacionamento. Agravante que deve ser nomeada inventariante. Recurso provido por decisão monocrática. Agravo interno improvido.” (Agravo Interno n.° 654.690-4/9-01, Relator Desembargador Maia da Cunha, j .: 13/08/2009)
3. Quanto ao direito real de habitação, o artigo 7º, parágrafo único, da Lei n.° 9.278/1996, é claro ao expor que “dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família“.
Deste modo, por ora, deve ser reconhecido à agravada o direito real de habitação em relação ao único imóvel do de cujus, sendo despiciendo o fato de o bem ter sido adquirido pelo falecido antes da união.
Confira-se, deste E. Tribunal:
“União estável. Imóvel que serviu de residência à família de propriedade exclusiva do varão. Reconhecimento do direito real de habitação à companheira. Sentença reformada. Recurso provido, com observação.” (Agravo de Instrumento n° 617.909-4/7-00, Relator Desembargador Caetano Lagrasta, 8ª Câmara de Direito Privado, j . : 18/02/2009)
“União estável. Direito real de habitação. Inteligência do artigo 7º, parágrafo único, da Lei n° 9.278/96. Norma que se encontra em pleno vigência, pois não foi revogada pelo Código Civil nem é incompatível com as suas disposições. Reconhecimento do direito de a companheira permanecer no imóvel destinado à moradia da família, diante da ausência de prova de que possui outro da mesma natureza. Recurso provido.” (Agravo de Instrumento n.° 591.983-4/6-00, Relator Desembargador Maia da Cunha, 4ª Câmara de Direito Privado, j . : 09/10/2008)
4. Finalmente, no que diz respeito à expedição de alvará para levantamento de 50% do montante referente ao DPVAL não se vislumbra óbice, já que a companheira faz jus à meação dos bens deixados pelo falecido, além do que, ficou resguarda a parte cabente ao agravante.
5. Com base em tais fundamentos, nega-se provimento ao agravo de instrumento.
NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA – Relator.
Notas
[1] Redação alterada pela Lei n.° 12.195/2010.
Fonte: Boletim INR nº 5056 – Grupo Serac – São Paulo, 13 de Janeiro de 2012.