TJ|SP: Testamento. Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores. Falecimento destes. Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro. Sentença de improcedência. Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916. Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames. Apelação provida.

Ementa

TESTAMENTO. Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores. Falecimento destes. Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro. Sentença de improcedência. Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916. Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames. Apelação provida.

Íntegra

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO Nº 0001016-73.2011.8.26.0011

Registro: 2011.0000219700

Comarca: São Paulo (2ª Vara da Família e Sucessões F. R. Pinheiros)

Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado

Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan

Apelante: Adriano José Sinigoy

Juíza de Primeiro Grau: Dra. Paula Lopes Gomes

Data do julgamento: 06/10/2011

Data de registro: 07/10/2011

EMENTA: TESTAMENTO. Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores. Falecimento destes. Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro. Sentença de improcedência. Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916. Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames. Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001016-73.2011.8.26.0011, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ADRIANO JOSE SINIGOY.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FÁBIO QUADROS (Presidente) e NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA.

São Paulo, 6 de outubro de 2011.

Carlos Henrique Miguel Trevisan, relator

VOTO Nº 1.714

A sentença de fls. 38/40, cujo relatório é adotado, indeferiu o pedido de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade que incidem sobre o imóvel descrito na inicial, as quais foram impostas em testamentos deixados pelos genitores do requerente.

Apela o requerente (fls. 46/54) alegando que não houve justa causa nos testamentos a ensejar a manutenção das cláusulas.

O recurso foi regularmente processado.

É o relatório.

Trata-se de pedido de levantamento de cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade que

gravam o imóvel localizado na Rua Eugênio de Medeiros, 461, São Paulo, alegando o apelante que recebeu referido imóvel como parte da herança de seus pais, que, nos seus respectivos testamentos (fls. 28 e 29), estabeleceram referidas cláusulas, averbadas junto à matrícula do imóvel em abril de 1988 (fl.21).

Não se desconhece o teor do artigo 1.676 do Código Civil de 1916, em vigor ao tempo da imposição da cláusula restritiva instituída pelos testadores, ocasião em que a lei não exigia justa causa para a imposição de cláusulas à legítima, ao contrário do que passou a ocorrer com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (artigo 1.848).

Contudo, conforme orientação jurisprudencial adotada por esta Câmara, é de se atenuar a sua

aplicação:

Extinção de cláusulas restritivas. Admissibilidade. Doadores impuseram impenhorabilidade e inalienabilidade, mas permaneceram com usufruto vitalício do bem. Mera liberalidade não ocorrida. Egoísmo atroz que não pode prevalecer. Vários donatários já faleceram. Função social da propriedade é de rigor. Apelo provido (Apelação 403.209-4/7-00, Relator Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, 15/12/2005)

O prevalecimento dos gravames se apresenta como lesivo aos interesses do apelante uma vez

que estará impedido de melhor aproveitar o patrimônio recebido, motivo pelo qual o pedido merece acolhida, respeitado o entendimento diverso constante da r. sentença recorrida.

Conforme orientação jurisprudencial adotada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, é de se atenuar a sua aplicação “quando verificado que a desconstituição da cláusula de impenhorabilidade instituída pelo testador se faz imprescindível para proporcionar o melhor aproveitamento do patrimônio deixado e o bem-estar do herdeiro, o que se harmoniza com a intenção real do primeiro, de proteger os interesses do beneficiário” (REsp. 303.424-GO, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior).

No mesmo sentido, “A regra restritiva à propriedade encartada no art. 1.676 deve ser

interpretada com temperamento, pois a sua finalidade foi a de preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar a entidade familiar, sobretudo aos posteriores, uma base econômica e financeira segura e duradoura. Todavia, não pode ser tão austeramente aplicada a ponto de se prestar a ser fator de lesividade de legítimos interesses, desde que o seu abrandamento decorra de real conveniência ou manifesta vantagem para quem ela visa proteger associado ao intuito de resguardar outros princípios que o sistema da legislação civil encerra” (REsp. 34.744/SP, relator Ministro César Asfor Rocha).

Igual posicionamento consta de precedentes mais recentes deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Testamento. Pedido de cancelamento de cláusulas restritivas. Necessidade de abrandamento do disposto no art. 1.676 do Código Civil de 1916, aplicável à espécie. Precedentes do STJ.

Cláusula lesiva aos interesses dos apelantes, já que impedidos do melhor aproveitamento do patrimônio recebido. Cancelamento determinado. Apelo provido (Apelação nº 504.225-4/6-00, Relator Desembargador Donegá Morandini, 24.6.2008)

É perfeitamente possível a retirada dos gravames de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade em favor do princípio social da propriedade, no caso, presente, não se justificando que se perpetue os gravames quando desapareceram as razões que nortearam a

testadora. Gravame que onera o beneficiário demasiadamente. Cancelamento em atenção ao

princípio da razoabilidade. Recurso provido para, afastada a extinção da ação, julgá-la procedente na forma do art. 515, § 3º, do CPC, para decretar o cancelamento dos vínculos que

recaem sobre o imóvel objeto da ação, sem qualquer outra imposição à recorrente o que, vale

dizer, sem necessidade de sub-rogação das restrições (Apelação nº 6.462.454.300, Relator Desembargador Octavio Helene, 27.10.2009)

A ação fica, portanto, julgada procedente, determinando-se o cancelamento das referidas cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade instituídas nos testamentos de fls. 28 e 29, com expedição dos necessários mandados ao Cartório de Registro de Imóveis competente.

Ante o exposto, o voto é no sentido de se dar provimento à apelação.

CARLOS HENRIQUE MIGUEL TREVISAN, Relator

Fonte: IRIB