TJ|SP: Certidão negativa de débitos fiscais – Exigência para registro de alteração de contrato social – Artigos 47, I, ‘d’, da Lei nº 8.212/91 e 27, ‘e’, da Lei nº 8.036/90 – Forma de cobrança indireta de tributos, que não se coaduna com entendimento que vem se consolidando no STF – Vedação ao embaraço do exercício da atividade empresarial por meio de exigências relacionadas à comprovação de quitação de tributos reconhecida na ADI nº 173/DF, que declarou inconstitucionais o artigo 1º, I, III e IV da Lei 7.711/88 e, por arrastamento, os parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal – Artigos que trazem disposições semelhantes às normas impugnadas pela autora – Súmulas 70, 323 e 547 do STF que repudiam sanções políticas – Repúdio, sob todas as formas, a normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários – Exigência desarrazoada, que ofende o direito de acesso ao Judiciário, para impugnar o crédito tributário, e de livre exercício das atividades profissionais e econômicas lícitas – Segurança ora concedida – Recurso provido.
EMENTA
CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS FISCAIS. Exigência para registro de alteração de contrato social. Artigos 47, I, ‘d’, da Lei nº 8.212/91 e 27, ‘e’, da Lei nº 8.036/90. Forma de cobrança indireta de tributos, que não se coaduna com entendimento que vem se consolidando no STF. Vedação ao embaraço do exercício da atividade empresarial por meio de exigências relacionadas à comprovação de quitação de tributos reconhecida na ADI nº 173/DF, que declarou inconstitucionais o artigo 1º, I, III e IV da Lei 7.711/88 e, por arrastamento, os parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. Artigos que trazem disposições semelhantes às normas impugnadas pela autora. Súmulas 70, 323 e 547 do STF que repudiam sanções políticas. Repúdio, sob todas as formas, a normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários. Exigência desarrazoada, que ofende o direito de acesso ao Judiciário, para impugnar o crédito tributário, e de livre exercício das atividades profissionais e econômicas lícitas. Segurança ora concedida. Recurso provido. (TJSP – Apelação Cível nº 0039159-39.2010.8.26.0053 – São Paulo – 12ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Edson Ferreira – DJ 13.01.2012)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0039159-39.2010.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ARTHUR ANDERSEN BIEDERMANN CONSULTORES LTDA sendo apelado TABELIÃO DO 4º CARTÓRIO DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE SÃO PAULO – CAPIT.
ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente) e OSVALDO DE OLIVEIRA.
São Paulo, 23 de novembro de 2011.
EDSON FERREIRA – Relator.
RELATÓRIO
A sentença, proferida pela eminente juíza, Doutor Marcelo Franzin Paulo, denegou ordem de segurança pela inexigibilidade de certidão de regularidade fiscal para registro de alterações do contrato social da impetrante.
Apela a impetrante pela concessão da ordem.
Recurso respondido.
A douta Procuradoria de Justiça optou por não se pronunciar.
É o relatório.
VOTO
Para registro de diversas alterações do contrato social da impetrante, exigiu o registrador apresentação de certidão negativa de débito fiscal do INSS, FGTS e da Receita Federal, com base nos artigos 47, I, ‘d’, da Lei nº 8.212/91 e 27, ‘e’, da Lei nº 8.036/90:
Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.4.95).
I – da empresa:
(…)
d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
Art. 27. A apresentação do Certificado de Regularidade do FGTS, fornecido pela Caixa Econômica Federal, é obrigatória nas seguintes situações:
(…)
e) registro ou arquivamento, nos órgãos competentes, de alteração ou distrato de contrato social, de estatuto, ou de qualquer documento que implique modificação na estrutura jurídica do empregador ou na sua extinção.
Alega-se que tais disposições ferem os princípios constitucionais da livre iniciativa, razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e devido processo legal e deseja registrar as alterações de seu contrato social sem cumprir referidas exigências.
Com efeito, a vinculação de atos relativos à condução da atividade empresarial à prévia comprovação da quitação de tributos configura forma indireta de cobrança de tributos.
Essa forma de coerção indireta para pagamento de tributos, denominada sanção política, não se coaduna com entendimento que vem se consolidando no STF, no sentido de proibir sanções políticas que, em seus dizeres, são normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários.
Isto porque a Fazenda tem meios próprios de cobrança e não pode ser valer de formas enviesadas em nome da efetividade da arrecadação tributária.
A questão já foi objeto da ADI nº 173/DF, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que declarou inconstitucionais o artigo 1º, I, III e IV da Lei 7.711/88 e, por arrastamento os parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal, com a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também, o art. 170, par. ún., da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/’988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993, que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (ADI 173, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00001)
Os artigos declarados inconstitucionais tinham a seguinte redação:
Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
I – transferência de domicílio para o exterior;
(…)
III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;
IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:
a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.
§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.
§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.
§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.
Art. 2º Fica autorizado o Ministério da Fazenda a estabelecer convênio com as Fazendas Estaduais e Municipais para extensão àquelas esferas de governo das hipóteses previstas no art. 1º desta Lei.
Observa-se que tais artigos trazem disposições semelhantes às normas impugnadas pela autora, pois também condicionavam o registro de alteração do contrato social à quitação de créditos tributários exigíveis.
A vedação de embaraço ao exercício da atividade empresarial por meio de exigências relacionadas à comprovação de quitação de tributos é matéria consolidada pelo STF, objeto das seguintes súmulas:
Súmula 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
De tudo quanto foi exposto, extrai-se que o STF repudia, sob todas as formas, as chamadas sanções políticas, medidas indiretas, mas coercitivas, impostas pelo Fisco aos administrados, reprimindo o livre exercício da atividade empresarial ou atos da vida civil.
No entendimento da Corte, a exigência é desarrazoada e viola o direito de acesso ao Judiciário, na medida em que se ignora de modo sumário o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários, bem como o direito constitucional que garante o livre exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas.
Assim, porque descabe dar interpretação normativa diversa a situações jurídicas semelhantes, é de se acolher o pleito inicial para possibilitar à impetrante o registro de alterações do seu contrato social sem apresentação das certidões negativas de débitos fiscais exigidas com base nos artigos 47, I, ‘d’, da Lei nº 8.212/91 e 27, ‘e’, da Lei nº 8.036/90.
Para esse efeito, é concedida a segurança.
Pelo exposto, DÁ-SE provimento ao recurso.
EDSON FERREIRA – Relator.
Fonte: Boletim INR nº 5109 – Grupo Serac – São Paulo, 13 de Fevereiro de 2012.