TJ|PR: Apelação cível – Ação anulatória de disposições testamentárias – Prevalência da real intenção do testador – Irrelevância do termo utilizado no testamento – Intuito de deixar à viúva-meeira a parte disponível de seus bens – Validade da cláusula – 1. Irrelevante se o termo empregado na escritura pública de testamento faz referência a instituto diverso daquele a que o testador quis mencionar – 2. Havendo interpretações diversas, necessário averiguar a verdadeira intenção do testador, consoante disposição do Código Civil – Recurso provido.

Apelação cível – Ação anulatória de disposições testamentárias – Prevalência da real intenção do testador – Irrelevância do termo utilizado no testamento – Intuito de deixar à viúva-meeira a parte disponível de seus bens – Validade da cláusula – 1. Irrelevante se o termo empregado na escritura pública de testamento faz referência a instituto diverso daquele a que o testador quis mencionar – 2. Havendo interpretações diversas, necessário averiguar a verdadeira intenção do testador, consoante disposição do Código Civil – Recurso provido.

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. PREVALÊNCIA DA REAL INTENÇÃO DO TESTADOR. IRRELEVÂNCIA DO TERMO UTILIZADO NO TESTAMENTO. INTUITO DE DEIXAR À VIÚVA-MEEIRA A PARTE DISPONÍVEL DE SEUS BENS. VALIDADE DA CLÁUSULA. 1. Irrelevante se o termo empregado na escritura pública de testamento faz referência a instituto diverso daquele a que o testador quis mencionar. 2. Havendo interpretações diversas, necessário averiguar a verdadeira intenção do testador, consoante disposição do Código Civil. RECURSO PROVIDO. (TJPR – Apelação Cível nº 774918-8 – Curitiba – 11ª Câmara Cível – Rel. Des. Vilma Régia Ramos de Rezende – DJ 27.01.2012)

RELATÓRIO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 774.918-8, oriundos da Vigésima Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figuram como Apelantes LUIZA MARCHESINI FOLADOR E OUTROS e como Apelados GLAUCO XAVIER DE ALMEIDA E MARIA DA GRAÇA FOLADOR DE ALMEIDA.

Trata-se de Apelação Cível interposta contra a sentença (fls. 85/93), proferida nos autos de Ação Anulatória de Disposições Testamentárias nº 281/2007, em trâmite perante a Vigésima Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, proposta por GLAUCO XAVIER DE ALMEIDA E MARIA DA GRAÇA FOLADOR DE ALMEIDA em face de LUIZA MARCHESINI FOLADOR E OUTROS, que a julgou procedente, declarando a nulidade do testamento feito por NABOR FOLADOR, no que tange ao legado de sua “meação disponível” à viúva meeira, bem como da cláusula que instituiu o usufruto vitalício em favor da viúva meeira sobre os bens da legítima, com fundamento nos artigos 1848, 1899 e 2042, do Código Civil. Pela sucumbência, condenou os Requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Os Embargos de Declaração opostos (fls. 97/104) foram rejeitados (fls. 117/118).

LUIZA MARCHESINI FOLADOR E OUTROS interpuseram recurso de Apelação (fls. 121/136), sustentando, em síntese, que:

a) a sentença reconheceu que a vontade do testador era a de deixar à esposa a metade de sua meação, porém, anulou-o sob o fundamento de que, por se tratar de legado, poderia apenas dispor de um ou alguns bens;

b) o testador era homem de negócios e sabia a diferença entre metade de seus bens e esse ou aquele bem, em particular, porém, não detinha conhecimento técnico jurídico para definir os termos “testamento” e “legado”;

c) declaração do Tabelião do 4º Tabelionato de Notas de Curitiba esclarece o fato;

d) “a inserção da palavra lega não pode prevalecer e desnaturar o conteúdo da disposição testamentária, muito menos invalidá-la, quando o testador deixou claro que deixava para a sua esposa A METADE DISPONÍVEL DE TODOS OS SEUS BENS e não esse ou aquele bem” (fls. 128);

e) consoante disposição do art. 1666 do Código Civil de 1916, atual art. 1899, existindo dúvida quanto à redação do testamento, deve o mesmo ser interpretado de forma a assegurar a vontade do testador;

f) o testamento, realizado por escritura pública, preenche todos os requisitos legais.

Recurso recebido em ambos os efeitos (fls. 140) e contra-arrazoado (fls.142/147 e 149/153).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso reúne condições para ser conhecido e, no mérito, provido.

Cuida-se de ação anulatória de disposições testamentárias julgada procedente em primeiro grau, sob o fundamento de que, embora se extraia do testamento que o falecido desejou deixar à viúva-meeira a metade disponível de seus bens, a forma empregada é nula, já que o legado é instituto utilizado para deixar bens individualizados ao legatário, sendo impossível para universalidades.

A escritura pública de testamento lavrada em 01 de dezembro de 1999 acostada às fls. 10/11 tem a seguinte redação:

“[…] é casado pelo regime da comunhão Universal de Bens com Luiza Marchesini Folador, que desse seu matrimônio houve 04 (quatro) filhos, […]; que, de acordo com o que lhe é facultado pelo Código Civil Brasileiro, lega após a sua morte, a meação disponível de todo os seus bens e haveres, para a sua esposa Luiza Marchesini Folador […].” (grifamos)

Consoante bem apontado pela sentença a quo, o Código Civil de 1916, vigente à época da assinatura do testamento, em seu art. 1666, com redação igual no art. 1899 do atual, preceitua que quando houver dúvidas acerca da interpretação a ser dada à cláusula testamentária, deve prevalecer a que melhor assegure a vontade do testador:

“Art. 1.666. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.”

A doutrina já discorreu acerca dessa norma, se manifestando da forma a seguir:

“Assim, dando-se a devida interpretação ao art. 1.899, utilizando-se os elementos filológico, lógico, sistemático e teleológico, entendo que o referido preceito ordena que o testamento deve ser interpretado com rigorosa observância da vontade do testador, alcançando-se a real intenção do disponente, com vistas a dar os efeitos queridos pelo declarante.” (grifamos)
(VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 21. p. 209)

“A interpretação do ato negocial situa-se na seara do conteúdo da declaração volitiva, pois o intérprete do sentido negocial não deve ater-se, unicamente, à exegese do negócio jurídico, ou seja, ao exame gramatical de seus termos, mas sim em fixar a vontade, procurando suas consequências jurídicas, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor lingüístico do ato negocial. (…)”

(DINIZ, Maria Helena. in FIUZA, Ricardo – coord. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 120)

A jurisprudência também segue o mesmo entendimento:

“ANULAÇÃO DE TESTAMENTO – AGRAVO RETIDO – PRESCRIÇÃO – AFASTADA – APLICAÇÃO DO ART. 177, DO CC/16 – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL 1 E 2 – MESMAS INSURGÊNCIAS – INCAPACIDADE DO TESTADOR – MOMENTO DO ATO – NÃO COMPROVADA – TESTADOR ACOMETIDO DE CÂNCER O QUE POR SI SÓ NÃO LHE RETIROU A CAPACIDADE PARA TESTAR – ÔNUS DOS AUTORES – NULIDADE DO TESTAMENTO POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VÍCIO – AFASTADA – OBSERVÂNCIA DAS SOLENIDADES – FORMALISMO QUE NÃO PODE SE OPOR À VONTADE DO TESTADOR – DIVERSOS FATORES QUE COMPROVAM O DESEJO CONSIGNADO NO TESTAMENTO COMO O DESEJO DO TESTADOR – EMPRESA RODERJAN & CIA PODE INTEGRAR O TESTAMENTO – PRETENSÃO DO TESTADOR – RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. 1. Trata-se de testamento público em que a incapacidade do testador deve ser demonstrada de forma robusta, o que não foi feito no caso concreto. Ônus que incumbe aos autores, nos termos do art. 333, I, do CPC. 2. O rigorismo formal não deve ser levado ao extremo, de maneira a se sobrepor à vontade real manifestada pelo testador, desde que respeitados os requisitos mínimos de segurança, quais sejam a autenticidade e a fidelidade. O testador ratificou o seu conteúdo, após a leitura do testamento, na presença de testemunhas e o entregou ao Tabelião.” (Ac. un. nº 17.640, da 12ª CC do TJPR, de Curitiba, Rel. Des. ANTONIO LOYOLA VIEIRA, in DJ de 31/03/2011)

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO PÚBLICO. FORMALIDADES LEGAIS. PREVALÊNCIA DA VONTADE DO TESTADOR. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MODIFICAÇÃO EM RAZÃO DA REFORMA DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS ART. 460 E 515 DO CPC. 1. Em matéria testamentária, a interpretação deve ser voltada no sentido da prevalência da manifestação de vontade do testador, orientando, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que apenas não poderá ser mitigado, diante da existência de fato concreto, passível de ensejar dúvida acerca da própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens, o que não se faz presente nos autos. 2. A verificação da nulidade do testamento, pela não observância dos requisitos legais de validade, exige o revolvimento do suporte fático probatório da demanda, o que é vedado pela Súmula 07/STJ. 3. Inocorrência de violação ao princípio da unidade do ato notarial (art. 1632 do CC/16). 4. Recurso especial desprovido.” (REsp nº 753.261/SP, da 3ª T. do STJ, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, in DJe de 05/04/2011)

“CIVIL. TESTAMENTO PÚBLICO. VÍCIOS FORMAIS QUE NÃO COMPROMETEM A HIGIDEZ DO ATO OU PÕEM EM DÚVIDA A VONTADE DA TESTADORA. NULIDADE AFASTADA. SUMULA N. 7-STJ. I. Inclina-se a jurisprudência do STJ pelo aproveitamento do testamento quando, não obstante a existência de certos vícios formais, a essência do ato se mantém íntegra, reconhecida pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova, a fidelidade da manifestação de vontade da testadora, sua capacidade mental e livre expressão. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula n. 7/STJ). III. Recurso especial não conhecido.” (REsp nº 600.746/PR, da 4ª T. do STJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, in DJe de 15/06/2010)

E, da leitura do testamento, na parte acima transcrita, extrai-se que o testador tinha a nítida vontade de deixar à viúva-meeira a parte disponível de seus bens, sendo irrelevante que tenha sido empregado o termo “lega” no documento.

De fato, se o intento do falecido era deixar à esposa a universalidade de seus bens e não algum bem individualizado, não poderia ter se valido do legado. Porém, é facilmente constatado que sua vontade era deixar todos os seus bens disponíveis.

Para corroborar é de se destacar a declaração de fls. 138 prestada pelo Tabelião do 4º Tabelionato de Notas desta Capital, nos seguintes termos:

“[…] é usual utilizar-se em testamento público o termo “lega” no sentido de deixa, ou doa, então quanto se diz lego à determinada pessoa a minha parte ou metade disponível, quer se dizer deixo para determinada pessoa minha parte ou a metade disponível dos bens que existir por ocasião de minha morte. Quando se tratar de “legado”, do termo do código civil brasileiro, utiliza se o termo “vem por este meio legar” tal qual coisa ou objeto.”

Desse modo, não agiu com acerto o juiz monocrático, pois reconhecendo a real intenção do testador, devia ter declarado a validade da cláusula que deixa à viúva a parte disponível de seus bens, merecendo provimento o apelo.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos da fundamentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora o Desembargador AUGUSTO LOPES CÔRTES e a Juíza Substituta de 2º Grau DILMARI HELENA KESSLER.

Curitiba, 18 de janeiro de 2012.

VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE – Desembargadora Relatora.

Fonte: Boletim INR nº 5117 – Grupo Serac – São Paulo, 17 de Fevereiro de 2012.