1ª VRP|SP: Registro. Escritura Pública de Instituição de Bem de Família. Solteiro. Entidade Familiar. Súmula nº 364 do Superior Tribunal de Justiça. Possibilidade. Dúvida improcedente.

Proc. nº 0058629-75.2011.8.26.0100

CP 464

Dúvida Requerente: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo

Sentença de fls. 40/43 – Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro de escritura pública de instituição de bem de família na matrícula nº 21.139. Segundo o Oficial, o fato de o suscitado ser solteiro impede o registro do bem de família voluntário. O suscitado não apresentou impugnação (fls. 34).

A representante do Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 35/38).

É o relatório. Decido.

Respeitado o entendimento esposado pelo i. magistrado que decidiu o procedimento de dúvida nº 100.09.333088-9 (fls. 2/3), a dúvida é improcedente. No caso dos autos, o suscitado, solteiro, pretende instituir o bem de família convencional previsto no art. 1.711 do Código Civil, que tem a seguinte redação: Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

A recusa se baseou no fato de o Código Civil exigir a instituição do bem de família por parte de cônjuge ou de entidade familiar, conceito no qual não se enquadraria o suscitado, cujo estado civil é o de solteiro. Muito embora o óbice registral esteja calcado na literalidade do art. 1.711 do Código Civil, entendo que, no caso, viável a extensão do conceito de entidade familiar para que a proteção abranja também o patrimônio daquele que é solteiro.

Com efeito, de acordo com a Súmula nº 364 do Superior Tribunal de Justiça, o conceito de impenhorabilidade do bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

O instituto do bem de família mais que o amparo da entidade familiar entendida em seu sentido tradicional visa à proteção do direito de moradia (art. 6º da Constituição Federal). Esse foi o motivo que levou o Superior Tribunal de Justiça a editar a Súmula nº 346, pois toda pessoa, independentemente do estado civil, deve ter, em princípio, o imóvel onde reside preservado.

É inquestionável que os precedentes que basearam a edição da Súmula tratavam do chamado bem de família legal, cujo regramento se encontra na Lei nº 8.009/90. Não obstante, parece incoerente que se aplique ao solteiro os dispositivos que tratam do bem de família legal, para, ao mesmo tempo, impedi-lo de instituir o bem de família convencional.

Note-se que embora o art. 1º da Lei nº 8.009/90 faça referência apenas ao imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, como se viu, encontra-se sumulada a aplicabilidade do bem de família legal ao solteiro. Dessa forma, não se mostra inadequado estender a aplicação do art. 1.711 do Código Civil às pessoas solteiras, de modo a permitir que optem pela proteção da residência que não seja a de menor valor (art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/90).

Acerca do cabimento da instituição de bem de família por pessoa solteira, cito a obra de Rolf Madaleno: Como aduz Ana Marta Cattani de Barros Zilveti, multiplicaram-se as agregações convencionais, ligadas não exclusivamente pelo sangue, mas pelo afeto, e, portanto mesmo um celibatário está apto a constituir bem de família; (…) Destarte, na concepção da entidade familiar devem ingressar todas as formas de constituição de família, casados, conviventes, parentes, monoparental, separados, divorciados, viúvos, filhos morando sozinhos, casais homoafetivos; (…) Enfim, o fundamento do bem de família está ligado à proteção da pessoa do devedor e, portanto, protege o lugar em função da pessoa e não pela soma de seus componentes (in Curso de Direito de Família, Ed. Forense, 4ª ed., p. 1.004).

Resta evidente que não se aplicarão ao bem de família ora analisado, as regras que pressupõe entidade familiar constituída por mais pessoas. Ressalte-se, por fim, que o registro da instituição do bem de família é medida que atende aos interesses de terceiros, os quais, pela simples análise da matrícula do imóvel, tomarão conhecimento da impenhorabilidade que lhe pesa. Como bem sublinhou a i. Promotora de Justiça (fls. 38), essa providência evita que eventuais credores sejam surpreendidos pela arguição de impenhorabilidade com fundamento na Súmula nº 364 do STJ, pois, como se sabe, a incidência das normas relativas ao bem de família legal independe de registro.

Ante o exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 13º Registro de Imóveis da Capital. Para os fins do art. 203, II, da Lei nº 6015/73, servirá esta de mandado, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/08, da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital. Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.

São Paulo, 26 de março de 2012.

Carlos Henrique André Lisboa – Juiz de Direito

(D.J.E. de 03.04.2012)