TJ|MT: Apelação Cível – Ação Anulatória de Ato Jurídico – Compra e Venda de Imóveis – União Estável – Desnecessidade Outorga Uxória – Escritura Pública firmada antes da vigência das Leis nº. 8.971/1994 E 9.278/1996 – Impossibilidade jurídica do pedido quanto a este particular – Alegação de Negócio Jurídico realizado de forma maliciosa – Não Comprovação – Sentença de Improcedência mantida – Recurso Desprovido
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO – COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS – UNIÃO ESTÁVEL – DESNECESSIDADE OUTORGA UXÓRIA – ESCRITURA PÚBLICA FIRMADA ANTES DA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº. 8.971/1994 E 9.278/1996 – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO QUANTO A ESTE PARTICULAR – ALEGAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO DE FORMA MALICIOSA – NÃO COMPROVAÇÃO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (Fonte:43043/2011, Tipo: Acórdão TJMT, Data de Julgamento: 22/02/2012, Estado: Mato Grosso, Cidade: Jaciara,Relator: José Ferreira Leite)
1. Se a escritura de compra e venda é anterior a vigência das Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e nº 9.278, de 10 de maio de 1996, vale dizer que é desnecessária a outorga uxória da companheira para a alienação do bem que constava exclusivamente em nome do de cujus junto ao registro de imóvel, em face da ausência de previsão legal para tanto quando da celebração do negócio. Desta feita, revela-se juridicamente impossível o pedido da autora (CPC, art. 267, VI) neste particular.
2. Inexistente, nos autos, comprovação acerca da alegada malícia na qual se trajaram adquirente e alienante dos bens imóveis, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido anulatório.
3. Recurso apelatório desprovido.
RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. JOSÉ FERREIRA LEITE
Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por MARIA DE LOURDES DE OLIVEIRA contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Jaciara que julgou improcedente o pedido por ela formulado nos autos da ação anulatória (nº 474/2003) movida em desfavor de APARECIDA GONÇALVES DE OLIVEIRA LIMA e ANTONIO DE JESUS LIMA.
A apelante, nas razões de inconformismo, aduz que o juízo a quo laborou em erro na apreciação das provas produzidas no processo, revelando-se imperiosa a reforma da sentença.
Com efeito, aduz a recorrente que, em que pese ter se separado judicialmente do Sr. JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, que era irmão da ré-apelada APARECIDA GONÇALVES DE OLIVEIRA LIMA, pouco tempo após voltaram a viver como se marido e mulher fossem. Ademais, alega que a união estável estava estabelecida quando da aquisição dos dois imóveis vendidos pelo de cujus a sua irmã, trespasse esse que, entretanto, deu-se sem a autorização da recorrente-autora, o que macula a legitimidade do negócio jurídico que, na sua visão, foi realizado de forma maliciosa.
Com essas considerações, roga pela reforma do ato sentencial atacado, para que seja anulada a compra e venda realizada entre o Sr. JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA e a apelada-ré APARECIDA GONÇALVES DE OLIVEIRA LIMA, fazendo com que os bens imóveis objeto do negócio jurídico alegadamente ilegítimo façam parte do inventário do de cujus, que, inclusive, está apensado ao feito em análise.
Sem contrarrazões, a despeito da regularidade da intimação, conforme certificado pela origem à fl. 236 do caderno processual.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. DES. JOSÉ FERREIRA LEITE (RELATOR)
Egrégia Câmara:
A questão que reclama enfrentamento no apelo consiste em se saber se houve, primeiramente, comprovação da união estável entre a apelante-autora e o Sr. JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, irmão da ré-apelada APARECIDA GONÇALVES DE OLIVEIRA LIMA, e, após, investigar se essa união exigiria a outorga uxória por parte da requerente-recorrente para a alienação dos lotes 05 e 06, da quadra 114, do loteamento da cidade de Jaciara-MT, negócio jurídico este levado a efeito na data de 25-7-1989, ou, ainda, se esse trespasse se deu de forma fraudulenta, com propósitos de prejudicar a autora-apelante e seus filhos, todos herdeiros necessários do de cujus.
A união estável entre a apelante-autora e o de cujus foi devidamente comprovada nos autos, desde a documentação de fls. 23-25, que trata de justificação judicial presidida pelo Dr. Evandro Stábile, ocasião em que se reconheceu a convivência marital do extinto varão com a requerente-recorrente, bem como pelas fotografias de fls. 134-137 e, ainda, os depoimentos testemunhais de fl. 159 (Sra. Maria Teotônio Silva), fl. 173 (Sra. Aparecida Reis da Silva) e fl. 174 (Sr. Lourenço Flauzino Costa), todos em sentido unívoco: conviviam, varão e varoa, como se casados fossem.
Pois bem, reconhecida a união estável, urge verificar, primeiramente, a necessidade da outorga uxória para a alienação dos imóveis.
O Sr. JOSÉ APARECIDO adquiriu o bem em 23-10-85, alienando para a requerida-apelada APARECIDA GONÇALVES, sua irmã, em 25-7-1989. Indaga-se: seria obrigatória, no ato jurídico versado, a outorga uxória? A resposta me parece desenganadamente negativa.
A escritura de compra e venda é anterior a vigência das Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e nº 9.278, de 10 de maio de 1996, vale dizer que é desnecessária a outorga uxória da companheira para a alienação do bem que constava exclusivamente em nome do de cujus junto ao registro de imóvel, em face da ausência
de previsão legal para tanto quando da celebração do negócio. Desta feita, revela-se juridicamente impossível o pedido da autora (CPC, art. 267, VI) neste particular.
Neste sentido, confira-se a vanguardeira orientação jurisprudencial da Corte de Justiça gaúcha – verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. UNIÃO ESTÁVEL. PATRIMÔNIO COMUM. PRETENSÃO BASEADA NA AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA DA COMPANHEIRA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RESPONSABILIZAÇÃO SOLIDÁRIA DOS DEMANDADOS. REJEITADA. 1. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. No caso, a escritura pública de bem imóvel, registrado somente no nome do companheiro, foi lavrada na constância da relação estável, antes da vigência das Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Ausência de previsão Legal para exigência de outorga uxória. Impossibilidade Jurídica do Pedido. Art. 267, VI, do CPC. Não resta demonstrado qualquer defeito no negócio jurídico capaz de ensejar a anulação da escritura pública. 2. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DEMANDADOS. Não há como abrigar a pretensão de responsabilidade solidária entre o vendedor e compradora do imóvel, ausente má-fé no negócio jurídico a configurar o dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA”. (Apelação Cível Nº 70033619339, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 16-3-2011).
Ademais, sinto que a sentença deve ser mantida em sua integralidade porque não houve comprovação de qualquer dos vícios da vontade (coação, erro, dolo, lesão, etc.) ou social (simulação) a ensejar a anulação do negócio jurídico entabulado entre a réapelada e seu extinto irmão.
De efeito, é pressuposto da anulação dos negócios jurídicos que envolvem terceiros, como corolário do princípio da segurança jurídica, que estes tenham agido com má-fé.
Na situação em discussão, inexiste sequer início de prova que a adquirente tenha agido em conluio com o alienante.
Significa afirmar que há efetiva necessidade de prova de má-fé da adquirente e, não ocorrendo tal demonstração, tem-se que a autora não cumpriu com o seu ônus probatório e, por conseguinte, deve suportar a improcedência de seu pedido inicial.
A propósito, confira-se – verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA COM CLÁUSULA DE LOCAÇÃO. DESPEJO. SIMULAÇÃO. AGIOTAGEM. AUSÊNCIA DE PROVAS A CONFORTAR A TESE DECLINADA NA INICIAL. ART. 333, I, DO CPC. Analisando os autos, verifico que, efetivamente não há qualquer elemento de prova a ratificar a tese esposada na inicial no sentido de que o contrato de compra e venda com cláusula de locação foi simulado, constitui uma ‘farça’ voltada a oferecer garantia real ao empréstimo em dinheiro. Seqüência de atos exteriorizados pelos apelantes que consolidam o negócio jurídico celebrado pelas partes e afastam a alegação de manifestação de vontade com vício, ‘engano’, ‘farsa’ e ‘dissimulação’ para encobrir suposta prática de agiotagem. Logo, plenamente válida a negociação. APELAÇÃO DESPROVIDA”.(Apelação Cível Nº 70026823922, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 27-5-2009).
É, pois, com espeque nessas considerações que desprovejo o apelo interposto por MARIA DE LOURDES DE OLIVEIRA, mantendo incólume o ato sentencial acrescido das razões suso delineadas.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEXTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ FERREIRA LEITE, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JOSÉ FERREIRA LEITE (Relator), DES. JURACY PERSIANI (Revisor) e DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DESPROVERAM O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 22 de fevereiro de 2012.
DESEMBARGADOR JOSÉ FERREIRA LEITE – PRESIDENTE DA SEXTA CÂMARA CÍVEL E RELATOR.