CGJ|SP: Reclamação – Tabelião de Notas – Escritura de inventário e adjudicação dos bens do espólio – Cobrança em desacordo com o disposto no Item 94.3, do Capítulo XIV, das NSCGJ – Devolução simples da quantia cobrada a maior – Inocorrência de dolo, má-fé ou erro grosseiro a justificar devolução no décuplo, imposição de multa ou instauração de procedimento disciplinar – Limites do procedimento previsto na Lei Estadual nº 11.331/02 – Impossibilidade de imposição de obrigação de fazer consistente na lavratura de novo ato notarial – Recursos providos em parte.
PROCESSO Nº 2012/6965 – PARAGUAÇU PAULISTA – JUVENAL LUIZ CRISPIM e OUTRO – Advogado: MARCIO RODRIGUES, OAB/SP 236.876 – Parte: TABELIÃ DE NOTAS E DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS DA COMARCA DE PARAGUAÇU PAULISTA – Advogado: GENÉSIO CORRÊA DE MORAES FILHO, OAB/SP 69539
Parecer (299/2012-E)
Reclamação – Tabelião de Notas – Escritura de inventário e adjudicação dos bens do espólio – Cobrança em desacordo com o disposto no Item 94.3, do Capítulo XIV, das NSCGJ – Devolução simples da quantia cobrada a maior – Inocorrência de dolo, má-fé ou erro grosseiro a justificar devolução no décuplo, imposição de multa ou instauração de procedimento disciplinar – Limites do procedimento previsto na Lei Estadual nº 11.331/02 – Impossibilidade de imposição de obrigação de fazer consistente na lavratura de novo ato notarial – Recursos providos em parte.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Contra a r decisão de fls. 70/74 que, no processo administrativo de reclamação por cobrança indevida de emolumentos, impôs ao Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Paraguaçu Paulista a devolução da quantia de R$ 660,56 e convocou os interessados para lavratura de escritura de rerratificação, interpuseram recursos os reclamantes Juvenal Luiz Crispim e José Aguinaldo Crispim (fls. 80/84) e a Tabeliã (fls. 95/107).
Os recorrentes Juvenal Luiz Crispim e José Aguinaldo Crispim alegam ser incabível a parte da decisão que determina a lavratura de escritura de rerratificação e pugnam pela devolução no décuplo da quantia cobrada a maior, imposição de multa de 100 a 500 Ufesps e instauração de procedimento disciplinar contra a tabeliã de notas e de protestos de letras e títulos de Paraguaçu Paulista.
A recorrente titular da delegação, por sua vez, pede seja reformada a decisão para que seja julgada improcedente a reclamação.
Contrarrazões aos recursos foram apresentadas às fls. 92/94 e 153/156.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido do acolhimento em parte da pretensão recursal dos reclamantes, para que seja afastada a determinação de lavratura de escritura de rerratificação e provimento do recurso da reclamada para que seja afastada a devolução de parte dos emolumentos (fls. 160/162).
É o relatório.
Opino.
A Lei Estadual no 11.332/01, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, assegura a qualquer interessado o direito de reclamar ao Juiz Corregedor Permanente em caso de cobrança a maior ou a menor de emolumentos e despesas (art. 30).
Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, sujeita os notários e registradores ao pagamento de multa de 100 a 500 Ufesps caso recebam valores não previstos ou maiores que os previstos nas tabelas de custas e emolumentos e, na hipótese de recebimento de importâncias indevidas ou excessivas, além da multa, impõe-lhes a restituição do décuplo da quantia irregularmente cobrada do usuário (art. 32, I e § 3º).
Tudo por meio de regular procedimento administrativo em que assegurada a ampla defesa (art. 32, § 1º).
No caso em exame, com lastro em referida Lei, os reclamantes Juvenal Luiz Crispim e José Aguinaldo Crispim formalizaram reclamação junto ao MM. Juiz Corregedor Permanente solicitando que a Tabeliã de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Paraguaçu Paulista fosse condenada ao pagamento de multa e à devolução do décuplo da quantia indevidamente cobrada, com a respectiva apuração de responsabilidade disciplinar, porque teria cobrado valor a maior para a lavratura de escritura de inventário e adjudicação do espólio de Candida Maria Crispim, cuja cópia simples se encontra às fls. 06/09.
Afirmam, assim, que a Tabeliã deixou de observar o item 94.3, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral, porque deixou de excluir da base de cálculo de cobrança dos emolumentos o valor da meação do cônjuge supérstite.
A reclamada sustenta tese diversa. Diz que a cobrança fez-se de maneira menos onerosa aos reclamantes porque a escritura continha dois atos: inventário e a atribuição individual dos bens que formaram o condomínio entre o herdeiro e o meeiro.
Para bem se examinar o acerto ou não da cobrança, mister uma breve análise da situação concreta.
Os reclamantes Juvenal Luiz Crispim e José Aguinaldo Crispim são, respectivamente, viúvo meeiro e herdeiro (filho) de Candida Maria Crispim.
Juvenal Luiz Crispim e Candida Maria Crispim foram casados pelo regime da comunhão universal de bens, de onde se extrai que Juvenal era titular de ½ ideal dos oito imóveis arrolados na escritura de inventário e adjudicação por força da meação.
Com o óbito de Candida e diante da ausência de testamento, o herdeiro necessário José Aguinaldo Crispim, por força do princípio da saisine (art. 1784, do Código Civil), adquiriu a propriedade da outra metade ideal dos imóveis e se tornou condômino de Juvenal Luiz Crispim.
Pretendeu-se, no ato notarial lavrado, adjudicar a herança a José Aguinaldo, destacar a meação e partilhar de forma individualizada os bens que formaram o patrimônio constituído entre os direitos do meeiro e os do herdeiro.
Assim, no item “DO PAGAMENTO DOS QUINHÕES”, atribuiu-se a Juvenal, com exclusividade, a propriedade dos imóveis das matrículas nºs 4.046, 15.084 e 15.088, que corresponderiam à sua ½ ideal decorrente da meação; e a José Aguinaldo, também com exclusividade, o domínio dos imóveis das matrículas nºs 4.047, 15.085, 15.086, 15.087 e 16.776, relativos à sua herança (fl. 08v), relativos à sua ½ ideal do patrimônio.
A divisão assim estabelecida estava, de fato, correta, na medida em que, com o óbito de Candida, era preciso extinguir o patrimônio coletivo – e não o condomínio – formado entre a meação de Juvenal e a herança de José Aguinaldo.
De acordo com a doutrina de Fernando Noronha(¹), no patrimônio coletivo, o direito de propriedade incide sobre uma massa de bens, de modo que os respectivos titulares não têm direito de propriedade sobre cada um dos bens que compõem a massa; o seu direito é antes a uma quota-parte indivisa do conjunto, globalmente considerado, motivo por que cada titular não pode dispor em separado de nenhuma das coisas incluídas na massa, nem mesmo de uma fração de cada uma delas.
Portanto, tratando-se de patrimônio coletivo e não de condomínio, desnecessária a realização de permuta de frações ideais dos imóveis envolvidos para se alcançar a divisão pretendida pelos reclamantes, sendo suficiente a forma indicada na escritura pública de inventário e adjudicação, que considerou o patrimônio coletivo então existente.
Daí o acerto da afirmação dos reclamantes no sentido de que a hipótese reclamava aplicação do item 94.3, do Capítulo XIV, das NSCGJ, segundo o qual, havendo partilha, exclui-se da base de cálculo o valor da meação do cônjuge sobrevivente:
“Havendo partilha, prevalecerá como base para o cálculo dos emolumentos, o maior valor dentre aquele atribuído pelas partes e o venal. Nesse caso, em inventário e partilha, excluir-se-á da base de cálculo o valor da meação do cônjuge sobrevivente.”
A Tabeliã de Notas, no entanto, deixou de suprimir da base de cálculo o valor de referida meação, o que resultou na cobrança, a maior, da quantia de R$ 660,56, a qual deve ser restituída aos reclamantes na forma determinada na r decisão.
Conquanto equivocado, o entendimento externado pela reclamada não se reveste de dolo ou má-fé nem caracteriza erro grosseiro, haja vista a inexistência de normatização específica para a cobrança de emolumentos das escrituras públicas de separação, divórcio e inventário, prevalecendo, até a superveniência de referida normatização, os critérios da lavratura de escritura “com” e “sem” valor declarado, conforme a ocorrência ou não de partilha. É o que dispõe o item 94.2, do Capítulo XIV, das NSCGJ:
“Enquanto não houver previsão específica dos novos atos notariais na Tabela anexa à Lei Estadual nº 11.331/02, a cobrança dos emolumentos dar-se-á mediante classificação nas atuais categorias gerais da Tabela, pelo critério “escritura com valor declarado”, quando houver partilha de bens, considerado o valor total do acervo, e pelo critério “escritura sem valor declarado”, quando não houver partilha de bens.”
A jurisprudência desta Corregedoria Geral é firme no sentido de que a devolução no décuplo do valor cobrado a maior e a instauração de procedimento disciplinar pela cobrança indevida dependem da verificação de dolo, má-fé ou erro grosseiro:
“Como já se decidiu no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, a restituição em décuplo tem cabida somente quando a cobrança de importância indevida ou excessiva advém de erro grosseiro, dolo ou má-fé. Nesse sentido decisão exarada em 1º de março de 2004 pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale no processo nº 80/04, em que aprovado parecer elaborado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José Marcelo Tossi Silva, com a seguinte ementa: ’Emolumentos – Oficial de Registro de Imóveis – Cobrança em excesso – Ausência de dolo, ou má-fé – Devolução em décuplo indevida – Recurso não provido’”. (Proc. CG 2010/34918)
No caso em exame, não há indícios de má-fé, dolo ou erro grosseiro, mas mera interpretação equivocada dos preceitos normativos ainda não específicos sobre os inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais.
Incabíveis, por conta deste episódio isolado, a devolução no décuplo da quantia cobrada a maior e a instauração de procedimento disciplinar, devendo a reclamada, doravante, observar a forma de cobrança ora delineada para os atos futuros.
Por fim, no que diz respeito à determinação do MM. Juiz Corregedor Permanente de os interessados lavrarem escritura de rerratificação, razão assiste a ambos os recorrentes.
De fato, o limite da reclamação formulada com lastro no art. 30, da Lei Estadual nº 11.331/02, é a discussão, no âmbito administrativo, do acerto da cobrança efetuada pelo notário ou registrador, podendo o MM. Juiz Corregedor Permanente determinar a devolução do décuplo da quantia indevidamente cobrada e o pagamento de multa, sem prejuízo de apuração de responsabilidade disciplinar (v. art. 32).
Nele, porém, não há espaço para se determinar obrigação de fazer consistente no comparecimento dos reclamantes na serventia extrajudicial em questão para lavratura de novo ato notarial consistente em escritura pública de rerratificação.
Esse tipo de comando só poderia advir de ordem judicial proferida em processo jurisdicional com trânsito em julgado material em que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
No caso em exame, há ainda uma outra peculiaridade, qual seja, a inexistência de pedido dos reclamantes nesse sentido.
Portanto, ainda que eventualmente necessária a retificação notarial do ato, essa determinação não poderia ser imposta neste procedimento específico, motivo por que a r decisão ser reformada neste tópico.
Nesses termos, o parecer que se submete à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento em parte a ambos os recursos para afastar a obrigação de lavratura de ato notarial de rerratificação, ficando no mais, mantida a r decisão nos termos em que lançada.
Em caso de aprovação, sugere-se a publicação do parecer para conhecimento geral.
Sub censura.
São Paulo, 22 de agosto de 2012.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz Assessor da Corregedoria
(¹)Direito das obrigações. volume 1 – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 267.
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento em parte a ambos os recursos para afastar a obrigação de lavratura de ato notarial de rerratificação, ficando, no mais, mantida a r decisão nos termos em que lançada.
Publique-se a íntegra do parecer para conhecimento geral.
São Paulo, 30 de agosto de 2012.
(a) JOSÉ RENATO NALINI,
Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 11.09.2012)