CGJ|SP: Registro Civil de Pessoa Jurídica – pessoa jurídica constituída antes da vigência do Novo Código Civil – transformação de sociedade simples em empresária – mera repactuação do contrato do social já celebrado que não interfere na preexistência da personalidade jurídica – não incidência da regra do artigo 977 do Código Civil – garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF art. 5º XXXVI) que prevalece sobre o art. 2031 do Código Civil – modificação de orientação dos precedentes da Corregedoria Geral da Justiça.

PROCESSO Nº 2012/106155 – SANTO ANDRÉ – FAST FORWARD IDIOMAS S/C LIMITADA – EPP – Advogado: ANTONIO DEBESSA, OAB/RJ 111.551 e FLAVIO CASTELLANO, OAB/SP 53.682

Parecer (314/2012-E)

REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – pessoa jurídica constituída antes da vigência do Novo Código Civil – transformação de sociedade simples em empresária – mera repactuação do contrato do social já celebrado que não interfere na preexistência da personalidade jurídica – não incidência da regra do artigo 977 do Código Civil – garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF art. 5º XXXVI) que prevalece sobre o art. 2031 do Código Civil – modificação de orientação dos precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – recurso provido Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de apelação interposta por Fast Forward S/C Ltda. objetivando a reforma da r decisão de fls. 37/38, que julgou extinto o feito sem apreciação do mérito por reconhecer ocorrência de litispendência.

Alega a recorrente inexistência de litispendência em procedimento administrativo e, no mérito, aduz ser possível averbar a alteração contratual por meio da qual operou sua transformação de sociedade simples em empresária, porque constituída antes do Novo Código Civil, incidindo, portanto, a garantia constitucional do ato jurídico perfeito (fls. 43/51).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela remessa do feito a esta Corregedoria Geral e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 64/69).

É o relatório.

Opino.

De início, observe-se que a recorrente interpôs recurso de apelação, o qual não se encontra previsão legal para a hipótese dos autos, que consiste em procedimento administrativo relacionado à averbação de alteração contratual de pessoa jurídica no Registro Civil da Pessoa Jurídica.

Nada impede, contudo, que se receba a presente apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, para apreciação por esta Corregedoria Geral da Justiça.

A recorrente pretende averbar junto ao 2º Oficial de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica a 4ª alteração e consolidação de seu contrato social (fls. 16/22), pela qual adapta suas disposições ao Novo Código Civil e transforma a sua natureza jurídica de sociedade simples para sociedade empresária, para futuro registro perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Ocorre que, de acordo com as informações constantes dos autos, além deste feito, outro feito – anteriormente ajuizado – já tramita junto à E. Corregedoria Permanente do 2º Oficial de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica, com idêntico propósito, isto é, averbar a 4ª alteração e consolidação do contrato social da recorrente (Processo nº 1793/11).

Essa situação demonstra evidente ocorrência de litispendência, motivo por que o MM. Juiz Corregedor Permanente, com acerto, extinguiu o presente feito, porque distribuído por último.

A alegação da recorrente de que o instituto da litispendência só tem lugar em processo judicial não procede. Decorre da própria lógica do processo – judicial ou administrativo – a impossibilidade de dois feitos idênticos tramitarem concomitantemente, podendo dar ensejo a decisões conflitantes, o que, como cediço, traz mais insegurança do que a própria ausência de decisão.

Ainda em preliminar, de rigor também o reconhecimento da prejudicialidade do feito, porque a recorrente não apresentou, em seu requerimento inicial, a via original do título cujo ingresso pretende no fólio real (fls. 16/22).

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Apelação recebida como recurso administrativo – Título judicial também se submete à qualificação registrária – Mandado de penhora – Inviabilidade de sua averbação – Ausência da via original, da nota devolutiva e da prenotação – Irresignação parcial – Recurso improvido. (Proc. CG nº 108.758/2010)”

Não fossem essas circunstâncias preliminares, a recusa do Oficial de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica poderia ser afastada.

A sociedade recorrente constituiu-se em 1995, portanto sob a égide do Código Civil de 1916, que não previa regramento similar ao atual art. 977, do Código Civil, que veda a contratação de sociedade entre cônjuges casados no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória.

Essa situação – malgrado os respeitosos entendimentos em sentido contrário, notadamente os precedentes desta Corregedoria Geral1 – afasta a incidência da norma prevista no art. 977, do Novo Código Civil, porque configurado o ato jurídico perfeito.

É o entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, para quem:

“as sociedades constituídas antes do início da vigência do Novo Código não foram atingidas (pela regra do artigo 977), dado o princípio da preservação do ato jurídico perfeito, inserido no artigo 5º, XXXVI, da Constituição da República, como reconhecido pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio (Parecer DNRC/Cojur, n.125/03)¸descartada, então, a necessidade de alteração do quadro social ou do regime de bens adotado”. 2

Em sentido idêntico, Arnaldo Rizzardo3, Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa4, Antonio Jeová Santos5, e Maria Helena Diniz6.

Vossa Excelência, nos autos da Apelação Cível nº 358.867-5/0-00, da 1ª Câmara de Direito Público, deixou assentado que:

“A vedação do artigo 977 do CC não se aplica às sociedades registradas anteriormente à vigência da nova lei, mas incide apenas para as sociedades a serem constituídas após 11.1.2003. O artigo 2031 do CC não incide sobre sociedades entre cônjuges cujos atos constitutivos sejam anteriores ao advento da nova normatividade, pois a eles socorre o direito adquirido de índole fundante e de ênfase explicitada na Constituição de 1988, a partir da alteração topográfica do capítulo dos direitos e garantias individuais” 7

E que:

“A superveniência de nova disciplina contida no Código Civil de 2002 não obriga o casal a adotar novo pacto patrimonial no casamento, nem a desfazer a sociedade, menos ainda a desfazer o casamento. Não foi essa a intenção do legislador. E se fora, encontraria a barreira do direito adquirido, fundamental no capítulo dos direitos e garantias individuais tão enfatizados na Constituição Cidadã de 1988.”

No mesmo sentido, a Apelação Cível nº 0001763-93.2011.8.26.04088:

“Ação de obrigação de fazer Oficial registrário que nega averbação de alteração social de sociedade simples, consistente na mera mudança de endereço, fundamentando-se na regra do artigo 977 do Código Civil. Sociedade constituída antes do advento da Lei Federal no 10.046/02. Aplicação da regra do artigo 5o, XXXVI, da Constituição Federal. A proibição contida na regra legal não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas ao tempo em que o Código Civil de 2002 entrou em vigor Recurso provido. Sentença reformada.”

E, mais recentemente, o próprio C. Conselho Superior da Magistratura, alterando anterior posicionamento na esfera administrativa, também passou a reputar que esse tipo de situação configura ato jurídico perfeito9.

A hipótese em exame cuida de pretensão de averbação de alteração contratual por meio da qual uma socie dade simples, com registro perante a Serventia de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica, pretende alterar sua natureza jurídica para sociedade empresarial, com registro doravante perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP.

A transformação corresponde à alteração da forma típica inicialmente escolhida, o que implica uma repactuação do contrato social já celebrado. Tal ato pressupõe a existência de personalidade jurídica e não modifica a realidade econômica ou social em que se assenta o empreendimento comum desenvolvido, mas apenas a fórmula jurídica reguladora da agregação dos sócios.

Nesse sentido, os sócios escolhem, voluntariamente, por meio de deliberação especial, um novo tipo societário, em substituição ao primeiro, provocando um rearranjo das relações jurídicas plurilaterais peculiares a uma sociedade personificada. Não há extinção do contrato de sociedade ou da pessoa jurídica criada, sobrevivendo, apesar da mudança do conteúdo, todos os vínculos decorrentes, mantida, inclusive, a repartição do capital social10.

Ora, se a transformação pressupõe existência de personalidade jurídica e não extingue o contrato de sociedade vigente nem a pessoa jurídica criada, parece inafastável a ideia de que aquela constituída antes do Novo Código Civil e que agora pretende operar transformação de simples para empresarial está acobertada pela garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF 5º XXXVI), o que lhe afasta da incidência da regra do art. 977, do Código Civil vigente.

Destaque-se que o simples fato de se estar migrando do Registro de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica para a Junta Comercial não tem o condão de alterar essa realidade: são registros diferentes, mas a pessoa jurídica continua a mesma.

Já existia; apenas está se modificando.

Diante de tais considerações é que se mostra adequada e tempestiva a modificação do entendimento então vigente nesta E. Corregedoria Geral, a fim de que, em hipóteses futuras envolvendo a questão ora debatida, permita-se a averbação das alterações contratuais das sociedades formadas entre marido e mulher casados no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória anteriormente ao Novo Código Civil.

No caso em exame, como visto, tal não será possível porque, além da litispendência, não consta dos autos a via original da alteração contratual a ser averbada.

Posto isto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de que o recurso de apelação interposto seja recebido como recurso administrativo e que dele não se conheça.

Em caso de aprovação, sugiro a publicação no DJE e Portal do Extrajudicial para conhecimento geral.

Sub censura.

São Paulo, 03 de setembro de 2012.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

1 Processo CG 26.373/2010

2 BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes, in PELUSO, Cezar, Código Civil Comentado, (Coord), 2ª ed., Barueri, Manole, 2008, p.919.

3 RIZZARDO, Arnaldo, Direito de Empresa, Forense, 2ª ed., p.75.

4 GOUVÊA, José Roberto Ferreira e NEGRÃO, Theotônio, Código Civil Comentado, nota 3 ao artigo 977, que menciona o Enunciado 204 do Conselho da Justiça Federal

5 SANTOS, Antonio Jeová, Direito Intertemporal e o Novo Código Civil, SP, RT, 2ª ed., p.176.

6 DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 12ª ed, SP, Saraiva, 2006, p.767.

7 Apelação Cível nº 358.867-5/0-00, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Renato Nalini, j. 18.04.06.

8 Apelação Cível nº 0001763-93.2011.8.26.0408 , rel. Des. Luiz Sérgio Fernandes de Souza, j. 04.06.2012

9 Apelação Cível nº 0049360-12.2011.8.26.0100

10 BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes, in PELUSO, Cezar, Código Civil Comentado, (Coord), 4ª ed., Barueri, Manole, 2012, p.1088.

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo o recurso de apelação interposto como recurso administrativo e dele não conheço.

Publique-se o parecer na íntegra para conhecimento geral.

São Paulo, 04 de setembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 21.09.2012)