TJ|SP: Ação de obrigação de fazer – Oficial registrário que nega averbação de alteração social de sociedade simples, consistente na mera mudança de endereço, fundamentando-se na regra do artigo 977 do Código Civil – Sociedade constituída antes do advento da Lei Federal nº 10.046/02 – Aplicação da regra do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal – A proibição contida na regra legal não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas ao tempo em que o Código Civil de 2002 entrou em vigor – Recurso provido – Sentença reformada.

EMENTA

Ação de obrigação de fazer – Oficial registrário que nega averbação de alteração social de sociedade simples, consistente na mera mudança de endereço, fundamentando-se na regra do artigo 977 do Código Civil. Sociedade constituída antes do advento da Lei Federal nº 10.046/02. Aplicação da regra do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. A proibição contida na regra legal não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas ao tempo em que o Código Civil de 2002 entrou em vigor. Recurso provido. Sentença reformada. (TJSP – Apelação Cível nº 0001763-93.2011.8.26.0408 – Ourinhos – 7ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Luiz Sérgio Fernandes de Souza – DJ 15.06.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001763-93.2011.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que é apelante VITAL CONTABILIDADE E AUDITORIA SOCIEDADE SIMPLES LTDA. Sendo apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DE OURINHOS.

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente) e MOACIR PERES.

São Paulo, 4 de junho de 2012.

LUIZ SÉRGIO FERNANDES DE SOUZA – Relator.

RELATÓRIO

Vistos, etc.

A autora promoveu ação de obrigação de fazer em face do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Ourinhos para constituí-lo na obrigação de averbar a 4ª alteração social daquela sociedade simples, independentemente das exigências que figuraram na nota de devolução expedida pelo titular da serventia ou de qualquer outra que interfira com a questão do cumprimento da norma do artigo 977 do Código Civil vigente, regra legal esta que entende inaplicável à espécie, diante do princípio constitucional da irretroatividade da lei, retroação esta que não pode interferir com ato jurídico perfeito, tampouco com direito adquirido.

A r. sentença, invocando a norma do artigo 2.031 do Código Civil, julgou improcedente a ação, condenando a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 550,00.

Apela a autora sustentando os mesmos argumentos da inicial, ao que seguiram contrarrazões, oportunidade na qual o requerido também renovou os argumentos antes apresentados.

É o relatório.

VOTO

A r. sentença, com a devida vênia, comporta reforma, porquanto a lei não pode retroagir para alcançar situação constituída no passado, sobretudo quando impõe restrições que ao tempo da lei anterior inexistiam.

É o que se retira da regra do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, havendo de se consignar que a irretroatividade é a regra, abrindo-se a exceção apenas quando configurada não estiver ofensa a direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

Não por outra razão, a doutrina entende que “A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob regime da comunhão universal ou da separação obrigatória só atinge as sociedades constituídas após a vigência do Código Civil de 2002” (Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, 12ª ed, SP, Saraiva, 2006, p. 767, citando o Enunciado nº 204 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil).

Neste sentido também se orienta a jurisprudência:

MANDADO DE SEGURANÇA Sociedade regularmente registrada na junta comercial entre marido e mulher Superveniência do Código Civil de 2002 Artigo 977 A proibir sociedade entre casados no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória Direito adquirido dos sócios Segurança concedida Apelo da Fazenda desprovido. Código Civil art. 977 Desnecessidade de adoção de regime diverso de casamento – § 20 do artigo 1639 do CC ou de desfazimento da sociedade ou do matrimônio, para cumprir o preceito do artigo 977 Direito adquirido dos cônjuges que formaram sociedade antes da vigência do novo Código Civil Apelo da Fazenda desprovido. A vedação do artigo 977 do CC não se aplica às sociedades registradas anteriormente à vigência da nova lei, mas incide apenas para as sociedades a serem constituídas após 11.1.2003. O artigo 2031 do CC não incide sobre sociedades entre cônjuges cujos atos constitutivos sejam anteriores ao advento da nova normatividade, pois a eles socorre o direito adquirido de índole fundante e de ênfase explicitada na Constituição de 1988, a partir da alteração topográfica do capítulo dos direitos e garantias individuais”. (TJSP, Apelação Cível nº 358.867-5/0-00, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Renato Nalini, j. 18.04.06).

E, no caso, é bem de ver que o instrumento de alteração contratual, que a autora pretendia submeter a averbação e arquivamento, dispunha apenas sobre mudança de endereço da sede (fls. 51 a 58), razão por que não colhe argumentar com a norma do artigo 2081 do Código Civil, a dizer: “se tiver de mudar de endereço, faça-o antes que seja tarde”.

E nem se venha afirmar que à autora faltaria interesse de agir, argumentando no sentido de que lhe bastaria suscitar a questão, por meio de “pedido de providências”, perante o Juiz Corregedor Permanente.

Como admite o próprio requerido, em sua contestação, tratava-se de faculdade, de uma opção, e não de obrigação, porquanto inexiste entre nós a figura do contencioso administrativo. De outra parte, a Constituição Federal consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).

Enfim, dou provimento à apelação para constituir o requerido na obrigação de promover a averbação da 4ª alteração contratual da Sociedade Simples, que figura como autora, independentemente das exigências consignadas na nota de devolução ou de qualquer outra que interfira com a regra do artigo 977 do Código Civil, no prazo estipulado nas regras de regência, sob pena de multa diária de R$ 100,00. Por conseguinte, ficam invertidos os ônus da sucumbência.

Para fins de acesso aos Egrégios Tribunais Superiores, ficam expressamente pré-questionados todos os artigos legais e constitucionais mencionados pelos litigantes.

LUIZ SÉRGIO FERNANDES DE SOUZA – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5552 – São Paulo, 08 de Novembro de 2012.