STJ: Civil – Processual civil – Recurso especial – União estável – Alteração do assento registral de nascimento – Inclusão do patronímico do companheiro – Possibilidade.
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. ALTERAÇÃO DO ASSENTO REGISTRAL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO DO COMPANHEIRO. POSSIBILIDADE. I. Pedido de alteração do registro de nascimento para a adoção, pela companheira, do sobrenome de companheiro, com quem mantém união estável há mais de 30 anos. II. A redação do o art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 outorgava, nas situações de concubinato, tão somente à mulher, a possibilidade de averbação do patronímico do companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, desde que houvesse impedimento legal para o casamento, situação explicada pela indissolubilidade do casamento, então vigente. III.A imprestabilidade desse dispositivo legal para balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união estável, situação completamente distinta daquela para qual foi destinada a referida norma, reclama a aplicação analógica das disposições específicas do Código Civil relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de identidade entre os institutos e a parelha ratio legis relativa à união estável, com aquela que orientou o legislador na fixação, dentro do casamento, da possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges, pelo outro. IV. Assim, possível o pleito de adoção do sobrenome dentro de uma união estável, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º, do CC-02, devendo-se, contudo, em atenção às peculiaridades dessa relação familiar, ser feita sua prova documental, por instrumento público, com anuência do companheiro cujo nome será adotado. V. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 1.206.656 – GO – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 11.12.2012)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Votou vencido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Ausente, justificadamente nesta assentada, o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Brasília (DF), 16 de outubro de 2012 (data do julgamento).
MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO – Presidente.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Relatora.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por ÁUREA SALVADOR DE MEDEIROS, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/GO.
Ação: de alteração de assento registral de nascimento para a inclusão do patronímico de seu companheiro.
A autora, como fundamento de seu pedido, aduziu que mantém com o companheiro união estável por mais de 30 anos, inclusive com prole, e que seu companheiro manifestou expressa concordância com o pleito.
Afirmou que deseja o reconhecimento público inconteste dessa relação, com a adoção do sobrenome do companheiro, e que a Lei de Registros Públicos, interpretada à luz da proteção constitucional da união estável, permite tal alteração.
Sentença: julgou improcedente o pedido formulado, por não ter a requerente declinado nenhum impedimento legal para o casamento, que possibilitasse a adoção do patronímico do companheiro, dentro de uma união estável, nos termos do art. 57, § 2º, da Lei 6075/63.
Acórdão: o TJ/GO negou provimento ao recurso de apelação, em acórdão assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO ASSENTO REGISTRAL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO DOCOMPANHEIRO NO NOME DA REQUERENTE. UNIÃO ESTÁVEL. IMPEDIMENTO PARA O CASAMENTO. FALTA DE COMPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGISTRO DO NASCIMENTO. Tendo em vista que ambos os companheiros não possuem qualquer impedimento para o casamento, a celebração desse ato proporcionaria a alteração do nome da apelante, no sentido de incluir o patronímico de seu companheiro ao seu nome. O fato de pretenderem se casar no regime de comunhão parcial de bens e não poderem em função da idade do companheiro, que conta com mais de 60 anos de idade, prevalecendo, neste caso, a exigência legal do regime de casamento da separação de bens, tal situação não constitui impedimento matrimonial exigido pela Lei de Registros Públicos para a alteração do nome da requerente, uma vez que eles podem se casar. A pretensão da requerente/apelante esbarra na regra insculpida no artigo 57, § 2º da Lei nº 6.015/73, que dispõe ser necessária a comprovação de impedimento legal para o casamento para ser possível, no registro de nascimento, a averbação do patronímico de um dos companheiros ao nome do outro, sem prejuízo dos apelidos de sua família. Apelo conhecido e improvido.
Recurso especial: alega negativa de vigência ao art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, bem como divergência jurisprudencial.
Sustenta que:
O Tribunal de origem negou vigência ao art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, quando não adequou sua intepretação ao texto constitucional vigente.
Aponta ainda, que o fato de não poder se casar com o companheiro segundo o regime de bens desejado, em virtude da idade daquele, configura impedimento suficiente para aplicação da exceção prevista no art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73,
Contrarrazões: pugna o recorrido pelo conhecimento do recurso especial apenas pela alínea “c” e nessa parte, pelo seu não provimento, ante a correta aplicação da lei de regência, à espécie.
Por meio de decisão unipessoal, dei provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que não admitiu o recurso especial e determinei sua subida. (fl. 148, e-STJ).
Às fls. 238/241, parecer do MPF, de lavra do Subprocurador-Geral da República Henrique Fagundes Filho, pelo provimento do Recurso especial.
É o relatório.
VOTO
Cinge-se a controvérsia em definir se é possível a inclusão do patronímico de seu companheiro, mesmo ausente a comprovação de impedimento legal para o casamento – regra insculpida no art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73
I. Dos contornos da lide.
Repisando, para melhor compreensão do debate, os fatos delineados na origem, verifica-se que a recorrente mantém união estável com Benedito da Silva Caldas há mais de 30 anos – fato incontroverso –, com prole.
Foram juntadas, a pedido do Ministério Público Estadual, certidões negativas dos Cartórios Distribuidores: Cível e Criminal da Comarca em que residem; dos Cartórios de Protesto, também da Comarca e das Justiças Eleitoral e Federal (fls. 23/32, e-STJ).
Vale, por fim, transcrever a fundamentação do Tribunal de origem, para manter a sentença que julgou improcedente o pedido:
Ocorre que a pretensão da apelante esbarra na regra insculpida no artigo 57, §2º da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, que dispõe ser necessária a comprovação de impedimento legal par o casamento para ser possível, no registro de nascimento, a averbação do patronímico de seu companheiro em seu nome, sem prejuízo dos apelidos de sua família.
O fato de pretenderem se casar no regime de comunhão parcial de bens e não poderem, em função da idade do Sr. Benedito da Silva Caldas, que conta com mais de 60 anos de idade, prevalecendo, neste caso, a exigência legal do regime de casamento da separação de bens, tal situação não constitui impedimento matrimonial exigido pela Lei de Registros Públicos para o acréscimo do patronímico de um companheiro ao do outro, uma vez que eles podem se casar. (fl. 121, e-STJ).
II – Do Prequestionamento e da comprovação da divergência jurisprudencial
O art. 57 da lei 6.015/73, utilizado como fundamento do recurso especial pela alínea “a” do permissivo constitucional, foi objeto de expresso prequestionamento pelo Tribunal de origem, que dele se utilizou como fundamento para julgar a apelação.
De igual forma, as exigências relativas à comprovação da divergência jurisprudencial também se acham atendidas, porquanto a recorrente declina acórdão proferido pelo TJ/SP, também calcado no art. 57 da lei 6.015/73, em sentido diverso do adotado pelo Tribunal de origem.
Assim, restam satisfeitos os requisitos do prequestionamento e da comprovação da divergência jurisprudencial.
III – Da possibilidade de inclusão do patronímico em nome de companheira
É sabido que as possibilidades de alteração de nome dentro da legislação nacional são escassas, ocorrendo, no mais das vezes, flexibilização jurisprudencial da vetusta Lei 6.015/73, em decorrência do transcurso de quase quatro décadas, entremeado pelo advento do divórcio e por nova constituição que, em muitos aspectos, fixou balizas novas para os relacionamentos interpessoais – como a igualdade entre os sexos dentro da relação familiar – e ainda, reconheceu a existência de novos institutos, v.g. a união estável, na qual se enquadra o relacionamento vivenciado pela recorrente nos últimos trinta anos.
Por óbvio, não obstante a recepção do texto legal pela Constituição de 1988, a Lei 6.015/73 tem merecido constantes ajustes, ditados tanto pela superveniente Constituição, como pelas profundas alterações sociais pelas quais o país tem passado nas últimas décadas.
Particularmente em relação aos companheiros, o art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 outorgava, nas situações de concubinato, tão somente à mulher, a possibilidade de averbação do patronímico do companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios – entenda-se, sem a supressão de seu próprio sobrenome –, desde que houvesse impedimento legal para o casamento.
Essa normatização refletia a proteção e exclusividade que se dava ao casamento – que era indissolúvel –, no início da década de 70 do século passado, pois este era o único elemento formador de família, legalmente aceito, fórmula da qual derivava as restrições impostas pelo texto de lei citado, que apenas franqueava a adoção de patronímico, por companheira, quando não houvesse a possibilidade de casamento, por força da existência de um dos impedimentos descritos em lei.
No entanto, a consolidação da união estável no cenário jurídico nacional, com o advento da Constituição de 1988, deu nova abrangência ao conceito de família e, por seu caráter prospectivo, vinculou a produção legislativa e jurisprudencial desde então – naquela, imprimindo novos parâmetros para a criação de leis e nesta, condicionando o interprete a adaptar os textos legais recepcionados, à nova ordem jurídica.
Sob esse diapasão, a mera leitura do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, feita sob o prisma do § 3º do art. 226 da CF, mostra a completa inadequação daquele texto de lei, o que exige a adoção de posicionamento mais consentâneo à realidade constitucional e social hoje existente.
Para se superar esse imbróglio é necessário, preliminarmente, reconhecer-se que o fato social reconhecido supervenientemente como união estável, carece de específica regulação quanto à adoção de sobrenome pelo(a) companheiro(a), não se encontrando na Lei 6.015/73, os elementos necessários para a regulação da matéria, pois em seu artigo 57, trata, na verdade, da adoção de patronímico em relações concubinárias, em período anterior à possibilidade de divórcio, focando-se, portanto, nas relações familiares à margem da lei, que não podiam ser regularizadas ante a indissolubilidade do vínculo conjugal, então existente.
Por óbvio, esse anacrônico artigo de lei não se presta para balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união estável, situação completamente distinta daquela para qual foi destinada a referida norma.
Assim, à mingua de regulação específica, solve-se a questão pela aplicação analógica das disposições específicas do Código Civil, relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de identidade entre os institutos e a parelha ratio legis relativa à união estável, com aquela que orientou o legislador na fixação, dentro do casamento, da possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges, pelo outro.
Símeis – a situação regulada: adoção do patronímico do cônjuge em casamento, e a questão sem regulação: adoção do patronímico do companheiro em união estável –, a solução aplicada à circunstância normatizada deve, igualmente, servir para a fixação da possibilidade de adoção de patronímico de companheiro dentro da união estável, pois, onde impera a mesma razão, deve prevalecer a mesma decisão – ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio.
A única ressalva que se faz, e isso em atenção às peculiaridades da união estável, é que seja feita prova documental da relação, por instrumento público, e nela haja anuência do companheiro que terá o nome adotado, cautelas dispensáveis dentro do casamento, pelas formalidades legais que envolvem esse tipo de relacionamento, mas que não inviabilização a aplicação analógica das disposições constantes no Código Civil, à espécie.
Vale por fim, como remate à tese jurídica fixada, falar da perplexidade que provoca ver o Estado-Juiz vedar o singelo pleito de inclusão do sobrenome de companheiro, no curso de união estável, quando não demonstrado nenhum interesse escuso na atitude, mas tão somente o desejo da companheira de exteriorizar, também pelo sobrenome, a unidade familiar que souberam construir durante mais de trinta anos.
Causa ainda mais espécie, este debate, quando nos debruçamos sobre a jurisprudência pátria e encontramos o vanguardista – à época – voto do Desembargador Euclídes Félix, do Tribunal de Alçada do Estado da Guanabara, proferido em 09 de dezembro de 1969, que deferia o pedido da companheira do saudoso maestro Heitor Villa-Lobos para que ela incorporasse o sobrenome do maestro.
Pelo seu valor histórico, peço vênias para transcrever excertos:
Tem ela interesse subjetivo na transmutação. Sempre foi tida e havida como ‘Madame Villa-Lôbos’, no largo círculo de relações que o Maestro e sua companheira possuíam, nos meios sociais e artístico do Brasil e do Exterior. A prova documental, nesse ponto, é sobranceira, com o respaldo de prova testemunhal qualificada. Do outro lado das coisas – nenhum prejuízo haverá para quem com direito de alega-lo legitimamente, porque não só as irmãs do Maestro, como até entidades governamentais e da pública administração, do Ministério do Exterior às Universidade, sempre a trataram com o sobrenome ‘Villa Lôbos’.
(omissis)
O que há, em verdade, nos autos, é a vontade que a apelante tem de usar com o sacramento judicial, nome de família a mais do próprio, de alta ressonância nacional e internacional. Em face da concordância dos únicos interessados na proteção legal do patronímico, levanta-se compreensível ciúme, que todos nós temos dos grandes vultos da nossa História, cujos nomes e cuja memória fulgurantes devem ser partilhados em proveito da vaidade de todos. Constituem bem precioso da herança da nação, exemplo para os pósteros. Mas, como o morto ilustre deixou testemunhado, em declaração de última vontade, ‘ad perpetuam rei memoriam’ – foi a requerente sua animadora constante e fiel, por mais de 20 anos e até que a morte veio ceifá-lo. (RT 426, abril de 1971, pags. 241/242).
Releva também citar trechos do voto do Des. Geraldo Guerreiro, no mesmo julgamento:
O caso dos autos é daqueles em que a controvérsia se esclarece pela própria natureza dos direitos tutelados pelas normas legais, colocados sob exame diante da pretensão da apelante de que lhe seja reconhecido o direito ao uso do patronímico ‘Villa Lôbos’, adquirido, segundo afirma, pelo uso durantemais de 20 anos.
(omissis)
As normas legais, convém sempre reafirmar, não existem por si sós, como abstrações convencionais, despidas de forte motivação social. Pelo contrário, elas surgem sempre como a manifestação cristalizada, institucionalizada, dos instrumentos de controle social que o grupo desenvolve para atender às necessidades da convivência humana. É essa a razão pela qual as leis devem ser interpretadas segundo o fim social nelas colimado.
Ora, ao estabelecer normas restritivas à mudança de nome por parte das pessoas físicas (e jurídicas também) o que pretendeu a sociedade, através do legislador, foi se garantir dos meios de controle a respeito da maneira pela qual são indicados e reconhecidos os seus componentes, como já ficou dito. Tais restrições, assim, têm um destino certo, preciso, instrumental, que serve no plano das regras de direito, a um interesse social reputado suficientemente relevante para merecer a regulamentação restritiva. Por isso mesmo, o critério geral da manutenção do nome admite exceções. Não é absoluto. É que o interesse social, em muitos casos, fica melhor servido com a mudança do nome pelo qual é indicada a pessoa nos documentos ou registros oficiais. Casos há em que outro nome é recomendável e a própria lei estabelece normas permissivas para a alteração do nome, algumas até de interesse público (veja-se arts. 69 a 72 do decreto n. 4.857, de 09.11.1939).
(omissis)
Demonstrada a inexistência de interesse público contrário à mudança de nome, representada pela aquisição, pelo uso, do patronímico Villa Lôbos, e não ocorrer oposição de qualquer interessado, as razões de decidir da douta sentença de fls. Perde substância… (RT 426, abril de 1971, pags. 242/243).
Pela falta de visão histórica dos pósteros àquele julgamento, o STJ, ainda hoje, é chamado para afastar a draconiana imposição de que a(o) interessada(o) se case com o seu companheiro, para ter a possibilidade de acrescentar o patronímico daquele ao próprio sobrenome, quando por fruto de longa convivência, todo o grupo social interessado já assumiu ser o sobrenome do companheiro, o próprio sobrenome da recorrente.
Assim, impõe-se a reforma do acórdão recorrido para, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º do CC-02, entender como possível o pleito de adoção do sobrenome do companheiro, formulado pela recorrente.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reformar o acórdão e JULGAR PROCEDENTE o pedido de inclusão do sobrenome do companheiro da recorrente, nos termos originalmente formulados.
VOTO-MÉRITO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que este recurso está centrado nas alíneas a e c . Na alínea c, S. Exa. puxou pela memória histórica e trouxe esse importante julgado, proferido em 1969, pelo Tribunal do Rio de Janeiro.
Ocorre que a lei em questão, aqui, é de 1973; então, não sei se esse julgado pode nortear uma divergência jurisprudencial, mesmo porque a divergência jurisprudencial estaria com o Estado de Goiás, porque o Tribunal lá não reconheceu.
Ministro MASSAMI UYEDA
VOTO-MÉRITO (2)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Penso que esse casal já é, de fato e de direito, um casal que vive em união estável. O Estatuto da União Estável confere aos nubentes a comunhão total. Então, em termos de patrimônio, reconhecida a união estável, ela não tem nada a perder, nem ele, porque essa convivência de trinta anos faz com que […] o patrimônio.
O que sucede, agora, é que ela quer acrescer o patronímico do marido, mas, para isso, precisa casar, segundo a Lei de Registros Públicos. E o art. 1.565 diz assim: “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Mas só que, se casar agora, há um conflito, porque a Lei do casamento, quer dizer, o Código Civil, estabelece que a maiores de sessenta anos de idade se impõe, obrigatoriamente, o regime de separação total de bens.
Penso que a questão pode deslocar-se em uma outra esfera. Não que a Lei dos Registros Públicos seja anacrônica, vetusta; não. O que poderia haver é um conflito entre essa situação de fato, em que já tem o direito à meação e quer casar, mas, em razão do impedimento legal de nubentes com mais de sessenta anos de idade tem que, obrigatoriamente, separar o patrimônio, quer dizer, separação total. Então, a questão não é dizer que a Lei de Registros Públicos esteja equivocada. É um conflito de duas normas do Código do Civil em face da realidade.
Eu estava aqui rememorando e tivemos um julgamento, no qual fiquei vencido, que foi aquele pleito formulado por uma senhora, que, em 1975, sendo secretária de um empresário, manteve um relacionamento amoroso que persistiu de 1975 a 1999-2000, quando ele faleceu; e, dessa relação amorosa, o casal teve dois filhos que foram reconhecidos pelo pai, sendo ele casado. Ele era casado, mas mantinha uma relação extraconjungal, da qual advieram dois filhos que foram reconhecidos por ele e, na sociedade em que vivem, são reconhecidos como seus filhos com aquela outra senhora.
Sucede que nesse tempo, oito anos depois do início dessa relação, o casal – ele e a esposa legítima – resolveram se separar judicialmente; separaram-se judicialmente, mas ele continuou a conviver com a senhora sob o mesmo teto. O status jurídico dele era de separado judicialmente com divisão de bens e partilha.
Depois do falecimento deste que era separado, companheiro dessa outra senhora, esta entra com um pedido de ação declaratória visando obter a declaração de que ela adquiriu o status de união estável. Fui defensor dessa possibilidade e lembro-me do posicionamento de V. Exa., Sra. Ministra Nancy Andrighi, que dizia que não poderia considerar a união estável porque o vínculo matrimonial não havia sido dissolvido pelo divórcio.
Ministro MASSAMI UYEDA
VOTO (CONTINUAÇÃO 3)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Não é questão de dizer que a Lei de Registros Públicos é que impõe isso. Não. É um conflito entre a lei civil, que dispõe sobre o casamento, seus impedimentos e restrições, e esse dispositivo, que é o art. 1.565 : “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”.
Penso que, primeiro, pela alínea c … Mesmo que haja esse julgado anterior, ele contempla uma situação em que não havia uma lei de regência, que é de 1973. Não há, a não ser esse julgado do Estado de Goiás, que vem a dar um confronto jurisprudencial entre aquele de 1969 com a lei de 1973 e o julgado, mais recente, de Goiás.
Sobra, então, a alínea a . A alínea a estabelece o que estaria errado: a Lei de 1973, de Registros Públicos? Não. E, se fizermos isso, teremos que dizer que essa Lei de 1973, como V. Exa. rotulou, Sra. Ministra Nancy Andrighi, é vetusta e anacrônica.
Ministro MASSAMI UYEDA
VOTO-MÉRITO (CONTINUAÇÃO 4)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Compreendo o posicionamento de V. Exa., Sra. Ministra Nancy Andrighi, mas penso o seguinte: na questão, aqui, não é esse artigo do Registro Público, mas um conflito entre dois artigos da Constituição.
Nego provimento ao recurso especial.
Ministro MASSAMI UYEDA
RATIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Sr. Presidente, vou manter esse meu posicionamento, data máxima vênia, divergindo por esses fundamentos que eu disse.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTOS (1)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
V. Exa. está dizendo, então, que o art. 57 está bem ferido, porque conflita com o art. 1.565.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTOS (2)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Mas, se for assim, por que não se casaram antes dos sessenta anos? Isso é uma situação.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTOS (3)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
A meu ver, naquele caso que fiquei vencido, também o Judiciário estava resolvendo uma situação que, aos olhos da sociedade, essa senhora é a esposa desse senhor.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTOS (4)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Mas a sociedade conjugal desse casal… Aos olhos da sociedade era um casamento normal, só que não estão casados legalmente. Vão querer casar agora, mas, como o casal já tem mais de sessenta anos – ou pelo menos ele – não há possibilidade dessa comunhão de bens. E aí, então, impõe-se um regime absoluto, sendo que de fato e de direito ela já tem a meação dela assegurada.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTOS (5)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Com todo o respeito ao posicionamento da eminente Relatora, sempre muito sensível a essa realidade, estou com uma premissa de tempo também e, se eu ficar pedindo vista, não sei se dará tempo de baixar.
Já expus o meu posicionamento, nessa linha.
Ministro MASSAMI UYEDA
ESCLARECIMENTO (5)
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Já foi expresso, aqui, nessa minha manifestação. E como V. Exa., com muita proficiência, fará o estudo…
Ministro MASSAMI UYEDA
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- Postas de lado as digressões de várias ordens que o assunto geralmente provoca, tem-se que o art. 1565, § 1º, do Cód. Civil de 2002, dispôs que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”, o que alterou, e muito, o disposto no antigo art. 240, § único, do Cód. Civil de 1916, que estabelecia apenas para a mulher a faculdade de “acrescer aos seus os apelidos do marido”, disposição que, por sua vez, resultante do art. 17 da Lei 4.121, de 27.8.1962, instituindo a faculdade em prol da mulher, já alterava profundamente o preceituado pelo art. 240 do Código Civil, de 1916, pelo qual era obrigatória a assunção, pela mulher, do nome, hoje sobrenome, do marido – seguindo, a redação original de 1916, a tradição que vinha dos séculos da sociedade ocidental, normatizada a partir do Direito Romano, e era da essência da organização sócio-político-jurídica da sociedade romana (por todos, EBERT CHAMOUN, “Instituições de direito Romano”, Rio de Janeiro, Forense, 4ª ed., 1962, p. 151), para a qual era de imensa relevância para o regramento de várias relações jurídico-sociais a clareza da linhagem hereditária, detectável “icto oculi” pelos patronímicos na sucessão do parentesco, que tinha como ponto cardeal o casamento, base jurídico-social da geração de filhos segundo a lei, por isso que então únicos denominados legítimos.
Veio, contudo, o art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que, já reconhecendo consequências do modelo de então de concubinato, dispôs que “a mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seucompanheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, dede que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas”.
Quer dizer: segundo o texto puro da lei vigente, havendo impedimento para o casamento, pode a mulher – não havendo referência ao homem – fazer averbar no Registro Civil o nome do companheiro.
2.- Na evolução do instituto do nome civil, não há mais motivo para que esse direito de averbar o nome do companheiro, ou, mesmo, da companheira, se restrinja à hipótese de existência de impedimento para o casamento.
Não se trata de imposição oblíqua de obrigação de casarem-se os conviventes, para a averbação do nome, mas de direito de averbação independentemente do casamento, como resulta do disposto no art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, indo a “ obrigação de casar” à ênfase retórica.
Esse direito resulta do tratamento jurídico atual do instituto da união estável, que se equipara ao casamento, já no âmbito da Constituição Federal de 1988, art. 226, § 3º, seguindo-se a Lei 9278/1996 e, por fim, Código Civil de 2002, art. 1723.
Com efeito, a restrição à averbação do nome, constante do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, circunscrita à hipótese de inexistência de impedimento para o casamento, isto é, de os conviventes juridicamente poderem casar-se, não mais se sustenta diante do reconhecimento constitucional e infra-constitucional da união estável como entidade familiar, quando a lei expressamente autoriza a mesma averbação do nome no caso da configuração do mesmo ente jurídico, a união estável, sobre a qual paire o impedimento para o casamento.
A norma do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, portanto, deve ser interpretada em consonância com o disposto nos arts. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988, e 1273, do Cód. Civil de 2002, que lhe nulificam a restrição, ao equiparar a união estável ao casamento.
Resta a restrição do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 como norma vigente, porque ainda escrita no ordenamento jurídico, mas desprovida de eficácia jurídica, porque essa eficácia foi retirada do ordenamento jurídico pela legislação posterior, tendo a Constituição Federal à frente – permanecendo a restrição, na imagem que vem dos doutrinadores antigos, corpo sem vida, ser sem alma, espectro desprovido de matéria, palavras sem coactividade jurídica, como em tantos casos ocorre no ordenamento jurídico em que a dura tarefa de lobrigar as normas a serem alteradas pela incompatibilidade com a lei nova restam desidratadas pela expressão “revogam-se as disposições em contrário.
3.- Argumentos externos à dogmática jurídica não constituem fundamento da decisão judicial, senão ancilares opiniões na apreensão da melhor norma de regência da sociedade, que não compete ao julgador, senão ao legislador, firmar.
Mas impossível ignorar que esses argumentos extra-norma legal vêm em prol da autorização de averbação do nome da companheira, pleiteada nestes autos: a) se é autorizada a averbação no caso de impedimento para casamento, com mais razão deve sê-lo para a hipótese de inexistência de impedimento; b) diante das consequências afetivas, familiares, assistenciais, de filiação e patrimoniais da união estável, é bom que os companheiros tenham o mesmo nome, pois assim se identificarão pela sociedade, levando à transparência externa, de grande importância para relacionamentos pessoais e negociais, de modo que a averbação é antes de ser concedida do que negada; c) melhor que o vínculo afetivo se reforce com o uso do mesmo sobrenome; d) vem em prol dos filhos, que porventura haja, o fato da similitude registraria dos nomes dos genitores.
4.- Uma observação, entretanto, deve ser feita: para realizar-se por intermédio de processo de jurisdição voluntária, a averbação do nome da companheira no Registro Civil, fato de estrita documentação registraria de caráter público, à moda da averbação do nome resultante do casamento, pressupõe a prova documental, por instrumento público, da união estável e do assentimento do companheiro – porque não pode haver lide subjacente, isto é, não pode haver resistência à pretensão por parte do companheiro.
No caso, contudo, estão comprovadas documentalmente a união estável e a aquiescência do companheiro, por intermédio de escritura pública trazida com a petição inicial.
5.- Pelo exposto e pelos fundamentos constantes do excelente voto da E. Ministra Relatora, como de seu feitio, e reiterando o maior respeito pela divergência, meu voto acompanha o voto da E. Relatora, dando provimento ao Recurso Especial, com a observação resultante do item 4, supra.
Ministro SIDNEI BENETI
Fonte: Boletim INR nº 5668 – Grupo Serac – São Paulo, 24 de Janeiro de 2013.