TJ|SP: Certidões negativas de débitos – Exigência para registro de carta de adjudicação – Mandado de segurança denegado na origem.
EMENTA
CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS. EXIGÊNCIA PARA REGISTRO DE CARTA DE ADJUDICAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO NA ORIGEM. Inexistente declaração expressa de vício de inconstitucionalidade a espancar a Lei 8.212/1991, de 24-7, essa normativa deve ser rigorosamente observada pelos Oficiais dos Registros Públicos, não podendo reputar-se, pois, ilegal a exigência estribada nessa normativa, em processo de registro imobiliário, observados os limites definidos pelo princípio da legalidade a que adstrito o Registrador. Não provimento da apelação da impetrante e do recurso adesivo fazendário. (TJSP – Apelação Cível nº 0015621-88.2011.8.26.0604 – Sumaré – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Ricardo Dip – DJ 18.02.2013)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0015621-88.2011.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que é apelante/apelado HUDTELFA TEXTILE TECHNOLOGY LTDA, é apelado/apelante OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SUMARÉ.
ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIS GANZERLA (Presidente) e PIRES DE ARAÚJO.
São Paulo, 22 de janeiro de 2013.
RICARDO DIP – Relator.
RELATÓRIO
1. Tratam os autos de mandado de segurança impetrado por Hudtelfa Textile Technology Ltda. Contra ato da Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Sumaré, que recusou o registro de Carta de Adjudicação extraída dos autos do processo nº 604.01.2010.003071-3 que tramita pela 1ª Vara Cível local, exigindo certidão negativa de seguridade social expedida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (Inss), bem como de Certidão de Quitação de Tributos Federais, emitida pela Secretaria da Receita Federal.
2. A r. sentença de origem denegou o mandamus (fls. 224-5), por entender, em síntese, ausente direito líquido e certo.
3. Do decidido, apelaram a impetrante e, adesivamente, a Fazenda do Estado de São Paulo (fl. 204-5).
A primeira, alegando que a exigência em pauta constitui mecanismo indireto e coercitivo de cobrança de tributos, além, de fundar-se em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo egrégio Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Aponta, ainda, que a exigência da CND conjunta, na espécie, afronta as normas dos arts. 5º, inc. XXXV, e 170 da vigente Constituição federal, invocando também o apoio de precedentes jurisprudenciais. Busca, por fim, a inversão do julgado, com a concessão do writ para que se proceda ao registro da carta de adjudicação exibida, independentemente da apresentação das versadas certidões (fls. 228-41)
A Fazenda paulista, por seu turno, sustenta a incompetência da Justiça Estadual presente o interesse da União que deveria, não obstante, integrar à lide (fls. 264-9).
Respondeu-se aos recursos (fls. 250-63 e 273-5).
A Promotoria Pública da Comarca opinou pela extinção do feito (fls. 216-22), ensejando-se vista dos autos à Procuradoria Geral da Justiça.
É o relatório do necessário, conclusos os autos recursais em 14 de novembro de 2012 (fl. 280).
VOTO
4. Não se vê, à partida, o agitado vício de incompetência absoluta da Justiça estadual para apreciar e decidir a espécie, pois embora a discutida recusa ao registro se funde na exigência de apresentação de certidões negativas de tributos federais, a situação em pauta diz respeito a possível ilegalidade do ato praticado pela Oficial do Registro, e não acerca da exigibilidade dos tributos correspondentes.
Meu voto, pois, rejeita a arguição de incompetência da Justiça estadual, invocando precedentes cônsonos deste Tribunal de Justiça (AC 000648-44 -Des. REINALDO MILUZZI; Ag. 0217694-18.2011 -Des. AROLDO VIOTTI), negando, desse modo, acolhida ao recurso adesivo da Fazenda do Estado de São Paulo.
5. Historia a impetrante que, por força de contrato de compromisso de compra e venda celebrado em 12 de outubro de 1997, prometeu vender a Lucinário Viana dos Santos e Adriana Silva Moreira dos Santos o imóvel localizado na Rua 15, lote nº 44 da quadra R do loteamento denominado Parque Residencial Campo Belo, situado na cidade de Sumaré, objeto da matrícula nº 117.664 do Registro de Imóveis local.
Pago integralmente o preço e em virtude da impossibilidade da apresentação de certidões negativas necessárias para lavrar-se escritura notarial de compra e venda, os compromissários compradores intentaram pleito judicial de adjudicação compulsória. Em audiência de tentativa de conciliação, a impetrante comprometeu-se a outorgar a escritura definitiva do imóvel no prazo de 30 dias (fl. 69).
Esgotado então esse prazo, expediu-se carta de adjudicação, que, apresentada ao Registro de Imóveis de Sumaré, ali recebeu qualificação negativa por falta de apresentação de certificado negativa de seguridade social expedido pelo Inss e de Certidão de Quitação de Tributos Federais, da Secretaria da Receita Federal, além de outras exigências constantes da nota devolutiva (fl. 100).
Inconformados com a recusa registral, os compromissários compradores pleitearam, nos autos da adjudicação compulsória, ordem judicial voltada a compelir ao registro da carta (fls. 97-9), e ali se determinou à Hudtelfa Textile Techonology Ltda., aqui recorrente, a apresentação das certidões negativas no prazo de 15 dias sob pena de multa diária (fl. 101).
6. Cifra-se essencialmente a discussão deste processo em que a impetrante pretende registrar, na matrícula nº 117.664 do Registro de Imóveis de Sumaré, uma adjudicação, sem exibir certidões negativas de débito.
Ancora-se essa pretensão na circunstância de que o colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 173-6 declarou a inconstitucionalidade das exigências previstas no art. 1º, I, III e IV e seus §§ 1º a 3º e no art. 2º da Lei nº 7.711/1988, de 22 de dezembro, o que, na óptica da demandante, obriga e vincula a autoridade impetrada, que deveria abster-se de exigir as apontadas certidões.
7. Extrai-se da nota de devolução oposta pela Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Sumaré (fls. 100), in verbis:
“A Carta de Adjudicação apresentada para registro decorre da transação homologada em processo judicial, tratando-se, portanto de ato oneroso, deste modo, conforme entendimento do R. Conselho Superior da Magistratura, em sendo a requerida pessoa jurídica, torna-se indispensável à comprovação de recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis da Prefeitura Municipal de Sumaré, e, da mesma forma, a apresentação da Certidão Negativa de Seguridade Social expedida pelo INSS, bem como, a Certidão de Quitação de Tributos Federais, expedida pela Receita Federal, ambas em nome da empresa HUDTELFA TEXTILE TCHNOLOGY LTDA (art. 47, inciso I, letra “a” da Lei Federal 8212/91)”
Bem se vê, pois, que a recusa ao registro da Carta de Adjudicação, funda-se nos ditames da Lei federal nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que impõe a apresentação das certidões negativas, no caso de alienação de bem imóvel, e não, diversamente do que pareceu à interessada, na Lei nº 7.711, de 1988.
Estabelece o art. 47 da Lei nº 8.212, de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, lit.:
“É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:
I – da empresa:
(…)
b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo” ( o destaque gráfico não é do original).
A Lei nº 7.711/1988, que teve contra alguns de seus dispositivos declaração de inconstitucionalidade pelo egrégio Supremo Tribunal Federal na ADI nº 173-6, previa a comprovação da quitação de créditos tributários, com relevo para a espécie, nas seguintes hipóteses:
“Art. 1º – Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
(…)
IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:
a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
(…)
§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes”.
8. Nesse quadro, avista-se, com efeito, que a exigência, na espécie, de apresentação de certidões negativas para que a carta de adjudicação acedesse ao fólio real tem por fundamento a Lei nº 8.212/1991, e, embora a Lei nº 7.711/1988 também verse a necessidade de apresentação das aludidas certidões, o fato é que a Registradora imobiliária, na qualificação do título apresentado a registro, adstrita ao princípio da legalidade, tomou amparo na Lei nº 8.212.
À falta de declaração judicial expressa de que a Lei nº 8.212/1991 padeça de inconstitucionalidade, não pode o Registrador de imóveis estender-lhe a fulminação que afligiu a Lei nº 7.711/1988.
Frise-se, além disso, que o art. 48 da Lei nº 8.212, de 1991, enuncia que o registrador é solidariamente responsável pela prática de atos com inobservância de seu art. 47:
“Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.
(…)
§ 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível.”
9. Por outro aspecto, se a Registradora de Imóveis de Sumaré não podia, por si própria, dispensar as certidões à conta de julgar inconstitucional o art. 47 da Lei nº 8.212, isso, parece, na via administrativa, poderia (se assim entendesse) fazê-lo seu digno Juízo Corregedor Permanente e o egrégio Conselho Superior da Magistratura paulista, nos termos do que dispõe o art. 198 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1976:
“Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:” (o realce não é do texto original).
Era contudo possível – e assim o fez a impetrante – que em lugar de eleger a trilha administrativa da dúvida registrária, se escolhesse uma via processual (cf. art. 203 da Lei nº 6.015, de 1973), impugnando a exigência das certidões.
Mas essa admissibilidade de recurso à via judicial não consiste numa franquia do mandado de segurança, porque, como já ficou dito, à Registradora de Sumaré não era dado dispensar a apresentação das certidões.
Vale dizer, que, haja ou não razão da impetrante em postular a dispensa dos certificados, essa desobriga não poderia dirigir-se contra quem, legalmente, não detém autorização para superar a estrita observância da legalidade. Não cabe aos Registradores aplicar a teoria dos motivos determinantes e estender decretos de inconstitucionalidade de uma lei a outra. Daí que, sendo alvejado ato registral aclimado à legalidade da conduta do Registrador, inviável a acolhida da segurança.
Por fim, não atrita essa exigência com as garantias de acesso ao Judiciário (inc. XXXV do art. 5º da Constituição federal de 1988) – que não se interdita com a só qualificação negativa do pleito no âmbito
registral, nem afronta, nullo modo, os princípios inscritos no art. 170 do Código Político, porquanto sua satisfação não exime universalmente de aferições de regularidade do status fiscal.
10. Em ordem ao prequestionamento indispensável ao recurso especial e ao recurso extraordinário, observa-se, por fim, que todos os preceitos referidos nos autos se encontram, quodam modo, albergados nas questões decididas.
POSTO ISTO, meu voto nega provimento à apelação interposta por Hudtelfa Textil Tecnology Ltda, e ao recurso adesivo da Fazenda do Estado de São Paulo, para, assim, manter a r. sentença proferida nos autos de origem nº 0015621-88.2011.8.26.0604, da 1ª Vara Cível da Comarca de Sumaré.
É como voto.
DES. RICARDO DIP – Relator.
Fonte: Boletim INR nº 5708 – Grupo Serac – São Paulo, 21 de Fevereiro de 2013