CGJ|SP: Consulta. Apresentação das certidões de feitos ajuizados. Lei 7.433/85. Prescindível a apresentação das certidões por declaração das partes com assunção das responsabilidades daí decorrentes. Caráter normativo.
Data Julgamento: 16/01/1986
Fonte: 1415
Localidade: São Paulo
Legislação: Lei nº 7.433/85
A Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo apresenta consulta acerca do correto entendimento de dispositivos da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985.
Referida Lei dispõe sobre requisitos para a lavratura de atos notariais e contou em sua elaboração com o concurso do Ministério da Desburocratização. Depreende-se, portanto, que tem o escopo social de impedir a exigência de documentos desnecessários à realização daqueles atos e de impor a apresentação de outros, visando à segurança das partes interessadas e resguardando interesses do Estado.
Todavia, como se percebe pelos inúmeros pronunciamentos feitos através da Imprensa, o texto legal tem ensejado interpretações dispares, em que se entrevê o dever de satisfazer exigências exorbitantes. A Associação consulente enfatiza o estado de apreensão, em que se encontram os tabeliães do Estado de São Paulo e seu justo receio de que, interpretando a norma legal, venham a se afastar de melhor exegese.
A esses fatores decorrentes da surpresa pela edição do diploma legal soma-se um sentimento de Inconformismo, também divulgado amplamente pelos meios de comunicação. Tal sentimento, já se pode verificar, organiza-se em movimento tendente a pressionar a alteração ou regulamentação da Lei nº 7.433/85.
Bem por isso, o momento parece ser de aguardo. Mas, a fim de que sejam minimizadas as conseqüências da multiplicidade de interpretações do texto legal, alguns aspectos merecem ser analisados, como solicitado.
Polêmica é a abrangência do § 2º do artigo 1º da Lei. Observa-se, inicialmente, que nos atos notariais não relativos a direitos reais sobre imóveis, os documentos exigíveis, consoante comando daquele dispositivo, seriam inúteis, ou no mínimo extravagantes. Assim, exemplificando, não haveria qualquer propósito em se exigir certidões fiscais de quem pretendesse outorgar procuração para sua representação em assembléia.
Os documentos, previstos no parágrafo segundo, somente serão exigíveis quanto aos atos notariais relativos a direitos reais sobre imóveis, o que se confirma pela obrigatoriedade de apresentação de documento comprobatório do pagamento do imposto de transmissão inter-vivos e certidões de ônus reais.
De outra parte, os documentos obrigatórios são relativos ao imóvel objeto do ato notarial, pois se assim não fosse estar-se-ia admitindo que deveriam referir-se às partes. Nesse caso, para lavratura de qualquer escritura as partes estariam obrigadas a exibir certidões fiscais referentes a tributos, como o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, criando-se indevida fiscalização do cumprimento de obrigações fiscais nos negócios imobiliários.
Colocadas essas premissas, incumbe verificar de que modo è possível atender à exigência de apresentação de documentos, fixada no preceito legal.
O documento comprobatório do pagamento do imposto de transmissão inter-vivos é a guia de recolhimento (letra “I” do item 19 do capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
Os ônus reais devem constar de certidão de propriedade atualizada expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, consoante já disciplina a letra “e” do item 15 do referido capítulo das Normas de Serviço.
No tocante às certidões fiscais, razoável o entendimento de que somente aquelas relativas a tributo incidente sobre o imóvel são demandadas. Na hipótese de imóvel urbano, a exigência é de apresentação de certidão negativa expedida pela Prefeitura Municipal relativa a impostos e taxas incidentes sobre o imóvel objeto da escritura e, sendo rural, os documentos reclamados são o certificado de cadastro, acompanhado da prova de quitação do pagamento do imposto territorial rural, relativo ao último exercício expedido pelo INCRA (art. 22 § 3º da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966 e letras “g” e “j” do item 15 do Capítulo XIV das Normas de Serviço).
Quanto aos feitos ajuizados, infere-se que somente deve ser apresentada certidão se existente em trâmite ação fundada em direito real, ou em direito pessoal sobre o bem imóvel objeto do ato notarial.
Em primeiro lugar, afasta-se a necessidade de apresentar prova de inexistência de ações, pois, conforme o disposto no art. 95 do Código de Processo Civil nem sempre o foro da situação da coisa é o competente nas ações daquela natureza, tornando impossível a prova negativa. Acresce que os Cartórios do Distribuidor não estão aparelhados para expedir certidões negativas acerca de imóveis, como se observa, comumente, nas certidões apresentadas em ações de usucapião.
Por isso, não havendo ação relativa ao imóvel, basta a declaração expressa do outorgante nesse sentido, constante do corpo do ato. A declaração supre a apresentação de qualquer outro documento e atende ao objetivo legal de diminuir os riscos negociais, com a conseqüente responsabilização civil e criminal do declarante.
Se ao contrário, existirem em trâmite ações fundadas em direito real ou pessoal sobre a coisa negociada, deverão ser apresentadas certidões em que constem especificamente o objeto e o andamento do feito, a fim de, efetivamente, ser esclarecida a situação jurídica do imóvel. Não bastam, portanto, certidões de distribuição que não esclarecem as particularidades dos feitos ajuizados.
Não se entende exigível a apresentação de todas certidões de ações em que o vendedor esteja no pólo passivo, porquanto não é a sua idoneidade, ou condição patrimonial objetivada. Além disso, insuficiente e pouco razoável seria o dever de apresentar certidões para esse fim.
Feitas essas considerações acerca da aplicação da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, anote-se que no Estado de São Paulo, não traz grandes implicações. Dentre as exigências fixadas em lei, apenas a referente aos feitos ajuizados constitui novidade, direcionada à manifestação de vontade das partes isenta de vícios, e em especial à proteção dos leigos, nas transações imobiliárias em que corriqueiramente são prejudicados.
Visando, pois, o dever de apresentação das certidões à proteção da parte, constitui benefício de que pode livremente dispor, a seu critério. Basta lembrar hipótese de escritura de doação de bem imóvel feita pelo pai a seu filho A confiança entre as partes, no caso, torna até inconcebível o dever de apresentar certidões.
Mesmo se o outorgante afirmar a existência de ações poderá o outorgado dispensá-lo da exibição das certidões, assumindo, então, o risco pelos eventos futuros. Não se compreende seja cerceada a liberdade individual em prol da segurança negocial. Seria a defesa de um valor, em detrimento de outro mais relevante. Se a pessoa capaz prefere arrostar as conseqüências de sua conduta incauta, o ordenamento jurídico não estará a criar-lhe obstáculo. O sistema legal não pode ser encarado de maneira a entravar os negócios, em prejuízo da própria economia nacional.
Em conclusão, caso o outorgado dispense a apresentação das certidões relativas a feitos em trâmite, relativas ao imóvel, basta sua declaração expressa no corpo do ato para atendimento à determinação legal.
Pelas mesmas razões e neste sentido a exibição das certidões fiscais é prescindível. No entanto, dado o inequívoco interesse do Estado, as certidões fiscais somente são supridas por declaração das partes de que se responsabilizam, expressa e solidariamente, por eventuais débitos (artigo 36 da Lei nº 4.476, de 20 de dezembro de 1984).
A propósito das dúvidas surgidas na aplicação do novo texto legal mister, finalmente, anotar que, a dispensa de descrição e caracterização de imóveis urbanos (art. 2º da Lei nº 7.433/85), não desobriga a observância dos demais elementos previstos no art. 225 da Lei nº 6.015/73, como se depreende do teor do parágrafo primeiro do artigo 2º do indigitado diploma legal.
Recomendável que todos os documentos que devem ser mantidos em Cartório, por comando do § 3º do artigo 1º da Lei nº 7.433/85, sejam arquivados separadamente em pastas, nos moldes do disposto nos itens 36 e 37 do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Do exposto, opino, caso aprovado, seja o presente transmitido por ofício à consulente e publicado, para o mais amplo conhecimento de todos interessados.
À consideração de Vossa Excelência.
São Paulo, 16 de janeiro de 1986.
(DOE Just., 17.01.86, p.9).