TJ|SP: Mandado de segurança – Revogação de mandato com cláusula de irrevogabilidade – Falta de notificação ao outorgado – Pretensão à nulificação da revogação da procuração pública – Rejeitado, liminarmente, com fundamento no art. 267, IV, do CPC – Admissibilidade da revogação, com fundamento no art. 683 do Código Civil – Recurso não provido.
EMENTA
Mandado de Segurança – Revogação de Mandato com cláusula de irrevogabilidade – Falta de notificação ao outorgado – Pretensão à nulificação da revogação da procuração pública – Rejeitado, liminarmente, com fundamento no art. 267, IV, do CPC – Admissibilidade da revogação, com fundamento no art. 683 do Código Civil – Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível nº 0013435–58.2011.8.26.0292 – Jacareí – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Renato Delbianco – DJ 27.03.2013)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0013435-58.2011.8.26.0292, da Comarca de Jacareí, em que é apelante IGNEZ APPARECIDA MECHI LOTO, é apelado TABELIAO DE NOTAS E DE PROTESTOS DE LETRAS E TITULOS DE JACAREI SAO PAULO.
ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores RENATO DELBIANCO (Presidente), EDSON FERREIRA E JOSÉ LUIZ GERMANO.
São Paulo, 5 de março de 2013.
RENATO DELBIANCO – Relator.
RELATÓRIO
Trata–se de recurso de apelação interposto por Ignez Aparecida Mechi Loto, nos autos do mandado de segurança, rejeitado liminarmente, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo, pela r. sentença de fls. 15.
Sustenta a apelante, em resumo, haver recebido outorga de procuração pública em caráter irrevogável, irretratável e irrenunciável, para representar o outorgante junto à Caixa Econômica Federal, sendo o objeto um imóvel. Insurge a impetrante contra a r. decisão que rejeitou liminarmente o mandamus, sem apreciação do mérito, sem que as partes fossem ouvidas quanto a matéria tratada.
O recurso recebeu resposta.
É o breve relatório, adotado no mais o da r. sentença.
VOTO
Trata–se de Mandado de Segurança em que a impetrante visa desconstituir a revogação da procuração a ela outorgada, em caráter irrevogável, irretratável e irrenunciável, com poderes específicos relacionados a bem imóvel. Ao tentar vender o bem, a cujo instrumento de procuração se referia, tomou ciência da revogação do mandato, porém informação que não foi transmitida pelo Tabelionato. Entendeu a apelante ser esse ato revogação sem a notificação do mandatário abusivo, pois sem a sua ciência.
A causa em questão está relacionada ao contrato de mandato e a excepcionalidade de sua revogabilidade.
O contrato de mandato é essencialmente revogável, pois seu alicerce está calcado na fidúcia, e por isso comporta resilição unilateral e sem justificativa. Contudo, o Código Civil admite hipóteses de mandato com cláusula de irrevogabilidade, dispostos nos artigos. 683 a 685, in verbis:
Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos.
Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.
Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
O caso in totum sinaliza–se para mandato “procuratio in rem suam” (em causa própria), com caráter especial de irrevogabilidade. Essa espécie de mandado é comumente utilizada quando da contratação preliminar de compra e venda, sem a transmissão imediata do imóvel, ficando a cargo do mandatário encarregar–se do gerenciamento do negócio, agindo em seu próprio interesse, sem a necessidade de prestar contas, como previsto no próprio dispositivo, inclusive com a previsão de não extinção pela revogação, nem pela morte das partes. Porém esse tipo de contrato exige requisitos de compra e venda, essenciais para caracterizá–lo como “in rem suam”, pois corresponde a título de compra e venda, não observados no documento trazido a colação às fls. 09.
E conforme os ensinamentos do Ilustre Professor Silvio de Salvo Venosa1:
“essa modalidade de mandato presta–se, na verdade, como contrato preliminar para transmissão de direitos, geralmente imobiliários (…). A utilidade da procuração em causa própria reside na cessão de direitos ou promessa de transferir bens do mandante para o mandatário(…). Percebemos, portanto, que apenas aparentemente o negócio surge como mandato. Seus princípios devem ser examinados mais profundamente à luz dos contratos de transferência de direitos em geral e não sob o prisma do mandato.”
Por essa razão, a cláusula de irrevogabilidade deixa de ter natureza absoluta, melhor comportando à situação a admissibilidade de revogação, assim estabelecida na hipótese disposta no art. 683 do Código Civil, que mesmo excetuando a regra geral da revogabilidade dos contratos de mandato, aventa a possibilidade de sua revogação com perdas e danos.
Acerca da procuração em causa própria, já decidira a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no RE 107981/GO, Relator Ministro Francisco Rezek, em 14/11/1986, na vigência do antigo Código Civil de 1916, mas com correspondência com o novel Código, no art. 685, assim ementado:
Procuração em causa própria. Irrevogabilidade. O art. 1317 do Código Civil estatui que a procuração em causa própria é irrevogável. Assim, nulo é o ato de revogação de tal mandato. Falta de prequestionamento dos arts. 1590 do Código Civil e 87– XIV–B da lei 4215/63. Recurso Extraordinário conhecido e provida, em parte.
E do corpo do acórdão se colhe:
(…)
“Destarte, inobstante as cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, tal procuração, por não conter os requisitos de uma escritura de compra e venda, poderia ser revogada como foi, como procuração comum, que é, restando ao mandatário, pleitear indenização por perdas e danos, …”
Neste E. Tribunal, recentemente, a matéria foi tratada na Apelação com Revisão n° 9207707– 38.2007.8.260000, julgada pela 34ª Câmara de Direito Privado, de relatoria designada do E. Des. Nestor Duarte, julgado em 26/03/2012, assim ementado:
Ementa: Venda e compra. Mandato. Outorga para realização de negócio de venda de bens. Dispensa de prestação de contas e cláusula de irrevogabilidade. Não obstante essas cláusulas, não havendo no instrumento os elementos essenciais do negócio, a hipótese não é de procuração em causa própria. Obrigação de transferir as vantagens ao mandante deduzidas as despesas e respeitada a dispensa de prestação de contas. Apelação improvida, com observação.
E do corpo do acórdão se colhe:
A procuração em causa própria tem o efeito de “atribuir ao mandatário a qualidade de dono da coisa ou do negócio” (cf. Miguel Maria Serpa Lopes – Curso de Direito Civil – vol. IV – pag. 303 – 2a edição – Livraria Freitas Bastos S/A, 1960). Consoante Orlando Gomes, “a cláusula “in rem suam” desnatura a procuração, porque o ato deixa de ser autorização representativa. Transmitido o direito ao procurador em causa própria, passa este a agir em seu próprio nome, no seu próprio interesse e por sua própria conta.” E por isso “há de preencher os requisitos necessários à validade dos atos de liberalidade ou de venda” contratos – pag. 398 – 12a edição – Forense, 1991). No mesmo sentido dessa exigência, afirma Caio Mário da Silva Pereira: “Tem–se entendido, e o Supremo Tribunal Federal já o decidiu com o voto preponderante de Orosimbo Nonato, que procuratio in rem suam, desde que satisfaça os requisitos e formalidades exigidos para o contrato a que ela se destina, e conste do instrumento a quitação do preço ou a modalidade do seu pagamento, vale pelo próprio contrato, ao qual se equipara, podendo ser levada a registro como se fosse o ato definitivo,” (Instituições de Direito Civil – vol. 11 – pag. 415 – 11a edição – Forense, 2004).
Concluindo, possível sim a revogação do instrumento com cláusula de irrevogabilidade, consubstanciado no disposto trazido no art. 683 do Código Civil, recaindo o fato trazido na exordial, na excepcionalidade da regra geral do contrato de mandato, contudo com previsão de revogabilidade, com repercussão em perdas e danos.
Assim sendo, não vislumbro ato abusivo ou ilícito do notário, acertada a decisão do MM. Juiz a quo, não merecendo o recurso acolhimento.
Consideram–se prequestionados todos os dispositivos de lei federal e as normas constitucionais mencionadas pelas partes, para fins de interposição de recurso especial e extraordinário.
Ante o exposto, nega–se provimento ao recurso.
RENATO DELBIANCO – Relator.
Fonte: Boletim INR nº 5771 – Grupo Serac – São Paulo, 04 de Abril de 2013