TJ|SP: Escritura pública – Ação anulatória, e do respectivo registro imobiliário – Procuração outorgada pelos autores a um sobrinho para sua lavratura, não havendo prova de que o adquirente tivesse ciência de haver sido revogada – Mantença do negócio, improcedente a ação contra o Tabelião – Falha (não averbar a revogação do mandato ao pé deste, depois certificando ainda se encontrar em vigor) cometida pelo antigo Titular da serventia, o novo por ela não respondendo – Improcedência bem decretada, apelo improvido.

EMENTA

ESCRITURA PÚBLICA – Ação anulatória, e do respectivo registro imobiliário – Procuração outorgada pelos autores a um sobrinho para sua lavratura, não havendo prova de que o adquirente tivesse ciência de haver sido revogada – Mantença do negócio, improcedente a ação contra o Tabelião – Falha (não averbar a revogação do mandato ao pé deste, depois certificando ainda se encontrar em vigor) cometida pelo antigo titular da serventia, o novo por ela não respondendo – Improcedência bem decretada, apelo improvido. (TJSP – Apelação Cível nº 0015461-53.2010.8.26.0554 – Santo André – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Luiz Ambra – DJ 07.02.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0015461-53.2010.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que são apelantes PAULO HAYASHI (JUSTIÇA GRATUITA) e KIYOKO HAYASHI (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados ENIO SAMEZIMA, CRISTIANE MITIKO HORIUCHI SAMEZIMA, NILSON CHOITI SATO e 5º TABELIÃO DE NOTAS DE SANTO ANDRÉ.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente a Dra. Lígia Maria Toloni OAB nº. 163623”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente sem voto), SALLES ROSSI E PEDRO DE ALCÂNTARA.

São Paulo, 30 de janeiro de 2013.

LUIZ AMBRA – Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 471/480) de improcedência, em ação buscando anulação de escritura e respectivo registro imobiliário; e de parcial procedência em ação conexa apensa, promovida pelo adquirente para a entrega do bem. Nas razões de irresignação se sustentando o descabimento do decisum, pelos fundamentos então expendidos (fls. 488/502).

Recebido o recurso a fl. 504, a fls. 506/512, 514/526 e 528/542 veio a ser contrarrazoado.

É o relatório.

VOTO

Meu voto nega provimento ao apelo. Tem a decisão recorrida como corretamente prolatada, passível de ser mantida, inclusive, pelos próprios fundamentos, à luz do artigo 252 do Regimento Interno desta Corte.

Contra os adquirentes Enio Samezina e sua mulher, positivamente, a ação não cabia. Em nenhum momento se logrou demonstrar não se tratassem de terceiros de boa fé, como a sentença assinalou a fl. 474. Daí porque, comprando de que aparentemente tinha poderes para vender, e registrando a aquisição, esta não mais poderia vir a ser desfeita. Regular o pagamento levado a cabo (a escritura de aquisição a fl. 41), feita ao credor putativo que na escritura figurava como mandatário.

Os pagamentos a credor putativo feitos se afiguram válidos, a teor do artigo 309 do Código Civil vigente: “o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor”. Regra essa, aliás, que já figurava no ordenamento anterior, de 1916 (artigo 935, com a mesma redação).

Comentando o dispositivo, J. M. Carvalho Santos observava (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, 8ª ed., 1963, vol. XII, à pg. 88) inequivocamente se tratar de uma exceção, ao princípio geral de que quem quita deve ter poderes para fazê-lo. Mas assinalava o óbvio, em lição que aqui bem se aplica: “justifica-se a exceção com a culpa do verdadeiro credor, deixando que um terceiro usurpe seu lugar, guardando silêncio sobre o fato, de modo a fazer crer que as aparências correspondem à realidade

Observando (ob. cit., pg. 96: “o que o texto legal quer é que a aparência do direito ocupe o lugar do próprio direito”) aí predominar a chamada “teoria da aparência” em Direito Penal, v.g., ninguém vai perguntar ao assaltante se seu revólver está carregado, ou é de brinquedo; tal qualificadora do roubo, bem por isso, segundo o melhor entendimento não terá como deixar de ser reconhecida mesmo quando se trate de arma inofensiva -, exemplificava com hipótese similar à presente. Com arrimo em Carvalho de Mendonça, assinalava (ob. cit., pg. 94) válido o pagamento “quando feito ao mandatário putativo, como é naturalmente aquele cujo mandato foi extinto sem ciência ao devedor”.

Extinto o mandato, como se sabe, obrigação do mandante será comunicar incontinenti tal fato ao terceiro, com quem o mandatário tenha contrato em curso (art. 686, CC atual, 1318 do anterior). E que tal comunicação aqui ocorreu, remanescem sérias dúvidas. Aos adquirentes apresentada certidão do Tabelionato de que o mandado continuava em vigor.

Também não cabia promover ação contra a titular do 5º Cartório de Notas de Santo André; que, por engano, certificou (fl. 40, mencionada na escritura de venda a fl. 41) achar-se em vigor procuração lavrada nove anos antes pelos autores ao sobrinho e corréu Nilson Choiti Sato, dando-lhe poderes para a venda de seu imóvel. Revogada no mesmo dia da lavratura, confira-se fls. 30 e 31.

Ocorreu foi que, mercê de falha evidente, a antiga titular da serventia não averbou a revogação da procuração no livro em que esta fora primitivamente lavrada (contestação, fl. 155). Daí, anos depois, como a revogação ali não se achasse averbada, a certidão de regularidade do mandato veio a ser expedida. Seguindo-se a lavratura da compra e venda no 4º Tabelionato local.

Pelas falhas da antiga titular, todavia, a nova não respondia. Nesse sentido os arestos do STJ colacionados pela sentença a fls. 477/478:

“Responsabilidade civil. Legitimidade passiva ad causam. Assentada a premissa da responsabilização individual e pessoal do titular do cartório, é de se reconhecer que só poderia mesmo responder aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do ato reputado como lesivo aos interesses do autor, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu, afigurando-se escorreita, portanto, a conclusão em que assentado o aresto embargado.” (EDcl no REsp 443.467/PR, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, DJ 21.11.05)

“Processo Civil. Cartório de Notas. Pessoa formal. Ação indenizatória. Reconhecimento de firma falsificada. Ilegitimidade passiva. O tabelionato não detem personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o Tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva.” (Resp 545.613/MG, 4ª Turma, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 29.6.07)

“A questão federal consiste em saber se a responsabilidade civil por ato ilícito praticado por oficial de Registro de Títulos, Documentos e Pessoa Jurídica da Capital do Estado de São Paulo é pessoal, não podendo o seu sucessor, ou seja, o atual oficial da Serventia, que não praticou o ato ilícito, responder pelo dano alegadamente causado por seu antecessor”…. “A responsabilidade civil por dano causado por oficial do Registro é pessoal, não podendo o seu sucessor, atual titular da Serventia, responder pelo ato ilícito praticado pelo sucedido antigo titular. Entender diferente seria dar margem à teoria do risco integral, o que não pode ser entendido de forma alguma a teor dos artigos 236 da CF, 28 da Lei 6105/73 e 22 da Lei n. 8.935/94.” (REsp 852.770/SP, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ 15.5.07)

Tratei do tema ao ensejo do julgamento da Apelação Cível nº 322.542.4/6-00 (voto 5710), de Barueri, de que nesta Câmara fui relator. Adotando o mesmo posicionamento, o Cartório não tem personalidade jurídica para ser autonomamente acionado, o novo titular também não, apenas o antigo em relação às falhas que haja cometido:

“O problema aqui, mais propriamente, é outro. O autor acionou o Cartório de Registro Civil e Anexos e Tabelionato de Santana do Parnaíba (fl. 2). Só que este não possui personalidade jurídica própria, trata-se de simples serventia extrajudicial. Assim como um cartório judicial também não possui personalidade jurídica.

3) Pelos atos danosos que seus responsáveis venham a causar, tal sucedendo, responderão eles próprios. Aqui, o Tabelião da época, ou o escrevente responsável pela lavratura. Se tiver havido sucessão no Cartório, evidentemente, o novo titular nada terá a ver com o que o antigo no passado tenha praticado. Bem por isso a responsabilização única da pessoa física, não existe pessoa jurídica aparelhada para fazer face à ação.

(…)

4) Em tese, tudo pode não haver passado de uma armação, para fazer dinheiro fácil às custas do Tabelião. Cumprirá, tal sucedendo, em futura ação demonstrar que a escritura passada encerrou negócio real e não fictício, isto é, o dinheiro realmente chegou a ser pago, houve prejuízo a quem afirmava comprar.

Com essa observação, ao apelo ora se nega provimento.”

Mesmo em relação ao sobrinho Nilson, por outro lado, a ação não prosperava, não havia como anular nada, registro nenhum; que os autores, quando muito, pedissem contas do dinheiro que a ele veio a ser pago.

A situação, em relação a ele, é confusa é nebulosa, as alegações dos autores não convencendo. Tudo apontando no sentido de falsificação documental da sua parte.

Afirmaram, para não apresentar o original do documento de fl. 32 à perícia (notificação supostamente endereçada ao sobrinho Nilson, dando conta da revogação do mandato), que este teria ficado com Nilson (fl. 221); só que no documento consta exatamente o contrário: a Nilson teria sido entregue simples xerocópia (“recebi xerocópia destes documentos”).

Não há nenhuma evidência, por outro lado, de que, porquanto periciada simples xerocópia, intencionalmente omitido o original os dizeres apostos pelo autor Paulo (que a grafotecnia é sua, a perícia revelou) abaixo da assinatura de Nilson tivessem integrado o documento primeiro; o normal residiria na sua inserção acima da assinatura e não o contrário. E esses dizeres, em forma de “observação(fl. 32: Obs.: escritura revogação do 5º Tabelião de Notas Sto. André”), são justamente os que noticiam a revogação do mandato.

Nilson, contestando a fls. 100/130, arguiu a falsidade do documento em questão (fl. 105), muito embora a assinatura realmente fosse sua. Mas mantinha negócios com o tio (fl. 111), este o teria “fabricadoa partir de documento outro. Basta ver o termo “documentos” ali empregado, no plural (“recebi xerox destes documentos; cf. anotado a fls. 460/461), quando é certo que um único documento a tal notificação haveria sido entregue. A tia e coautora lhe passara um sem número de cheques sem fundo, o imóvel iria ser vendido para pagar os débitos (fls. 111, os cheques a fls. 113, 134/139, 521), os autores agindo de má fé, revogando ato contínuo a procuração e lhe ocultando o fato, não queriam perder o imóvel.

Ao menos uma inserção na parte superior do documento (cf. a perícia, fls. 423, 430, e observado a fl. 466) veio a ser constatada, foi preenchida por punho outro que não se logrou precisar. O procedimento dos autores sem a menor logicidade, no mesmo dia em que lavrada a procuração acorrendo ao Tabelionato para revogá-la, teriam assim agido de caso pensado.

Nilson, ao contestar, afirmou não haver sido cientificado de revogação nenhuma. E o comprador Enio, antes de contratar, afirmou haver ido vistoriar o imóvel e ali se avistado com o autor Paulo, que reafirmou a intenção de vender (fl. 75, “estavam lá os autores, que os receberam, sendo que o sr. Paulo mostrou-lhes o imóvel e confirmou que estava à venda”). Tudo a deixar fundada dúvida no espírito do julgador, convenha-se. Precaríssima a prova a respeito. O imóvel inclusive estava penhorado (fl. 36, com registro imobiliário da transação), aos adquirentes tocando quitar o débito respectivo, consoante deram conta (fl. 76). Daí a diferença de preço a menor, impugnada a fl. 6, item 10, sem razão.

Para resumir. Não comprovada a má fé dos adquirentes, pago o preço a credor putativo, o negócio era válido, não podia ser anulado. Só por aí o pedido inicial não vingando. Contra a nova titular da Serventia o pedido indenitário, igualmente, não prosperando, deveria a ação ter sido ajuizada contra a antiga. A hipótese, mais propriamente, de ilegitimidade passiva de parte, nos termos do agravo de fls. 231 e seguintes, que ficou retido (fls. 357/359), a fl. 542 reafirmado. O que, como quer que seja, em nada altera o resultado da demanda.

Subsistindo a transação, que os autores peçam contas ao sobrinho, como antes assinalado. Negado, pelo meu voto, provimento ao apelo.

LUIZ AMBRA – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5801 – Grupo Serac – São Paulo, 23 de Abril de 2013