Opinião: Protesto da dívida de alimentos fixados em escritura pública
Por Karin Regina Rick Rosa
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE divulgou dados sobre separações e divórcios realizados por escritura pública durante o ano de 2008, que confirmam o sucesso da Lei 11.441/07.
Houve um significativo aumento do número de escrituras públicas de separação e divórcio lavradas em 2008, em relação ao ano de 2007, quando a Lei 11.441 foi publicada e entrou em vigor. Em 2008, 14,5% das 290.963 dissoluções, consideradas na pesquisa tanto as separações quanto os divórcios, ocorreram no tabelionato de notas. Foram lavradas 42.346 escrituras públicas, sendo 14.623 de separações, e 37.703, de divorcio. Os números representam um aumento de 24,9% nas escrituras públicas de separação, e de 33,9% nas escrituras públicas de divórcio, em comparação com o ano de 2007.
Os dados confirmam a credibilidade e a confiança que os cidadãos depositam no tabelião de notas. O sucesso da Lei 11.441/07, contudo, não dependia exclusivamente do desempenho dos tabeliães de notas. Era preciso que os advogados, partes indispensáveis nestas escrituras, estivessem decididos a apresentar a opção administrativa a seus clientes, e não raras vezes mais do que isso, estivessem dispostos a trabalhar para que houvesse a opção administrativa, já que a lei exige o consenso entre todos os interessados como condição para lavratura da escritura. Mas não era só. Além de tabeliães de notas e advogados empenhados, era imprescindível o interesse e a confiança do cidadão, para levar suas situações familiares mais íntimas para dentro da serventia notarial.
Ultrapassadas estas questões, outro aparente obstáculo à realização da dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial por escritura pública, independentemente da participação judicial, poderia se apresentar, naquelas situações em que há fixação de alimentos em favor de um cônjuge ou a descendente maior e capaz. Isso, porque o Código de Processo Civil, em seu artigo 733 prevê a prisão do devedor de alimentos que descumprir a decisão judicial que os fixou, como meio coercitivo de pagamento da pensão alimentícia, de acordo com alguns, ou como meio de encorajar o devedor a prestar os alimentos devidos, para outros. Independentemente do ponto de vista, é inequívoco que se trata de drástica forma de intimidação, adotada nos casos em que as necessidades emergem com vestes ameaçadoras para a permanência íntegra do credor. Forma essa que muitas vezes se mostra um meio eficiente para o credor.
A escritura pública não é decisão judicial. Logo, o inadimplemento da obrigação alimentar fixada em escritura pública não autoriza o pedido de prisão civil do devedor. Ou seja, enquanto não houver modificação do artigo 733 do Código de Processo Civil, carece o credor de possibilidade jurídica para o pedido de prisão em execução alimentos fundada em escritura pública. Tal circunstância, no entanto, não deve ser motivo para se descartar a opção administrativa.
Convém lembrar que, se por um lado a execução da dívida consignada na escritura pública não enseja a prisão do devedor da obrigação alimentar, existe a previsão legal do protesto das dívidas contidas em documentos, nos termos do artigo 1º, da Lei 9.492/97, e dentre elas se enquadra a obrigação alimentar estipulada na escritura pública. O protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de uma obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Tecnicamente, o protesto tem o escopo de servir de prova, de documentar, de anunciar, de asseverar, com segurança jurídica e de forma autêntica, com a marca da fé pública, a frustração da obrigação assumida. Na prática, o protesto também pode ser um eficiente meio coercitivo ou encorajador para o devedor, na medida em que as informações sobre protesto constam em cadastro de consultas de crédito. Em uma sociedade de consumo, baseada na informação e no crédito, as consequências do protesto, embora possam não ser tão dramáticas quanto àquelas que decorrem da prisão civil, ainda assim implicam sérias e indesejáveis restrições.
A autora é advogada, assessora jurídica do CNB Conselho Federal, mestre em Direito Público, professora de direito civil e direito notarial e registral na Unisinos e coordenadora do curso de pós graduação em direito notarial e registral da Unisinos.
Fonte: Boletim INR n. 3776 – São Paulo, 01 de Março de 2010.