2ª VRP|SP: Cobrança de valores para obtenção de documentos – Equívocos na apuração e indicação do recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – Indicação equivocada do valor da ações inventariadas – Indicação na escritura de que o ato fora realizado na sede serventia, quando o foi em diligência – Instauração de processo administrativo disciplinar.
Processo 0018399-20.2013.8.26.0100
Pedido de Providências
Registros Públicos
F. A. S. e outros – P. R. C. e outro
VISTOS.
Cuida-se de expediente instaurado em decorrência de representação da Sra. F A S, Sr. J L S, Sra. M M S e Sra. A M S d G referindo uma série de irregularidades quando da realização de ato notarial consistente em escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de L S realizada em 18.05.2012, assim, a escritura teria sido realizada em diligência (escritório de advocacia) e constado que foi na sede da serventia, haveria cobrança indevida de valores para retirada de documentos, cobrança indevida a maior de ITCMD e indicação equivocada de valor de ações do espólio. Frente a isso, requereram a devolução dos valores indevidamente cobrados acrescidos de multa e a responsabilização disciplinar do Sr. (…) Tabelião de Notas da Comarca da Capital (a fls. 02/121).
O Sr. (…) Tabelião de Notas da Comarca da Capital manifestou-se nos autos referindo não ter conhecimento da constituição de empresa pelo Sr. P R C, escrevente que atendeu os representantes, para cobrança de serviços de documentação, a informação aos interessados dos equívocos de informação do ITCMD, o acompanhamento dos representantes por seu advogado e a correção do ato quanto aos valores indicados, cobrança de emolumentos e despesas (a fls. 123/144). Houve juntada de documentos e novas manifestações dos representantes e representado reiterando as alegações anteriores (a fls. 151/188, 190/210, 213/228, 267/304, 306/310 e 312). Foram tomados depoimentos dos Srs. Escreventes que participaram do ato e do Sr. Titular da Delegação (a fls. 246/248 e 321/322), ocorreu juntada de documentos pelo Sr. P R C (a fls. 251/265).
É o breve relatório.
DECIDO.
A atuação desta Corregedoria Permanente limitar-se-á à decisão acerca de dois aspectos: (i) exame da devolução de valores com incidência de multa e, (ii) abertura de processo administrativo disciplinar em face do Sr. (…) Tabelião de Notas da Comarca da Capital. Diante disso, por não se encontrar sob o poder administrativo da Corregedoria Permanente, não cabe o exame de questão concernentes à validade do negócio jurídico realizado sob forma pública e a modificação do conteúdo da escritura pública (valor da ações), essas questões, se o caso, deverão ser deduzidas na via adequada em conformidade às pretensões dos interessados. Tampouco compete a esta instância administrativa qualquer consideração no âmbito da responsabilidade civil e penal, cujos regramentos jurídicos são diversos e independentes em consideração à responsabilidade administrativa. Igualmente não cabe qualquer providência (inclusive requerimento de informações) relativamente aos Srs. P R C e E B N por não estarem diretamente sujeitos ao poder disciplinar desta Corregedoria Permanente nos termos do art. 21 da lei n. 8.935/94.
Passo ao exame dos valores recolhidos e a incidência de multa na forma pretendida pelos Srs. representantes. É incontroverso nos autos e constou do item 16 da escritura pública o recolhimento a maior do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Não cabia a cobrança pelo Sr. escrevente dos custos com documentação, esse procedimento é absolutamente irregular no aspecto administrativo. As despesas da ordem de R$ 600,00 ainda que não haja vedação para sua cobrança nos termos do art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 8.935/94, não ocorreu indicação no recibo de sua destinação (a fls. 98) e tampouco o Sr. Tabelião forneceu justificativa suficiente para cobrança. O pagamento pelos representantes não pode ser interpretado como aceitação, mormente em consideração ao conteúdo da representação.
Não se explicou sua razão e, ao se considerar a série de equívocos perpetrados durante a realização da escritura, é de se a ter por indevida a cobrança de despesas. As certidões do ato notarial são situações jurídicas diversas do registro da escritura pública no respectivo livro, portanto, não é irregular a cobrança de emolumentos por aquelas nos termos da legislação incidente. Os valores atribuídos às ações são diversos e superiores aos indicados nos documentos apresentados pelos representantes (a fls. 107/111) redundando no aumento do importe do valor da escritura e, por consequência, dos emolumentos cobrados.
A alegação do Sr. Tabelião dos valores terem sido indicados pela meeira e herdeiros e respectivo advogado não afasta o dever de assessoramento a cargo do Titular da Delegação Estatal de serviço público, no caso concreto realizado pelo escrevente que nomeou. A devolução de valores acrescidos de multa (pena privada) em favor da parte está previsto no art. 32 da Lei Estadual n. 11.331/02. A aplicação da multa pretendida pelos representantes exige dois pressupostos: (i) a natureza de emolumentos e (ii) má-fé, representado pelo dolo no sentido de exigir valores sabidamente indevidos. As despesas da ordem de R$ 600,00 e o ITCMD não permitem a aplicação da multa pretendida pelo fato de não possuírem natureza jurídica de emolumentos, assim e também considerada a interpretação restritiva incidente não é possível a aplicação da pena privada quanto a eles. A má-fé, consoante pacífico entendimento da E. Corregedoria Geral da Justiça (nesse sentido, Proc. CG n. 2012/108699 e 2012/00061322), deve estar caracterizada para aplicação do disposto no art. 32, parágrafo 3º, da Lei Estadual n. 11.331/02. Quanto aos equívocos acerca da cobrança das despesas (não especificadas), do ITCMD e, principalmente, do valor da ações repercutindo no importe dos emolumentos não há indicações que tais irregularidades tenham sido perpetradas de forma dolosa para o aumento do emolumentos devidos. Além disso, ressalte-se a não influência naqueles relativamente às despesas e ao ITCMD.
Diante disso, não caberá aplicação da multa em questão por comprovada a má-fé e o dolo no aumento indevido e abusivo nos emolumentos, apesar da irregularidade de cunho culposo. Não obstante, competirá a devolução da importância de R$ 600,00 (seiscentos reais) acrescido de correção monetária desde seu recebimento (18.05.2012, fls. 144). Os juros moratórios, a razão 1% a.a. serão devidos a partir da impossibilidade da interposição de recursos administrativo desta decisão. De outra parte, não cabe devolução administrativa dos montantes relativos à ITCMD e emolumentos devidos por força da diminuição da indicação dos valores da ações em virtude do imposto não ter sido recebido pelo Sr. Titular da Delegação e a escritura pública manter-se hígida por não alterado seu conteúdo, inclusive para fins de emolumentos, os quais, aliás, não são exclusivos do Tabelião (art. 19, inc. I, da Lei Estadual n. 11.331/02).
Passo à análise da responsabilidade administrativa disciplinar do Sr. Tabelião. São fortes os indícios de ilícito administrativo pelas seguintes razões: a. cobrança de valores pelo Sr. P R C, escrevente que atendeu os participantes do ato notarial, para obtenção de documentos, o que, inclusive era proibido na serventia pelo Titular da Delegação; b. equívocos na apuração e indicação do recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação; c. indicação equivocada do valor da ações inventariadas; d. indicação na escritura de que o ato fora realizado na sede serventia, quando o foi em diligência no escritório do advogado da meeira e herdeiros, como declarou o Sr. P R C (a fls. 247/248).
Ainda que o Sr. Tabelião não tenha participado diretamente dos atos, o escrevente atuou sob sua designação e nomeação, destarte, há indícios de ilícito administrativo da parte do Titular consistente na falta de orientação, fiscalização e controle dos atos realizados na delegação sob sua responsabilidade. Nestes termos, segue portaria que instaura processo administrativo disciplinar em face do Sr. (…) Tabelião de Notas da Comarca da Capital. Não cabe comunicação dos fatos aqui tratados à Receita Federal e tampouco ao Conselho Nacional de Justiça ante a ausência de razão jurídica bastante a tanto, ao menos nesse momento.
Outrossim, diante da natureza do caso, que aparentemente se reveste de colorido penal, reputo conveniente a extração de peças de todo o expediente para encaminhamento à Central de Inquéritos Policiais e Processos CIPP, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal para conhecimento e providências tidas por pertinentes.
Ante ao exposto: a. não conheço do pedido de retificação e ratificação do ato notarial e de requisição de informações dos Srs. Escreventes por não ser pertinente à atividade administrativa desta Corregedoria Permanente; b. indefiro a aplicação da multa prevista no art. 32 da Lei Estadual n. 11.331/02; c. determino a devolução da importância de R$ 600,00 (seiscentos reais) acrescido de correção monetária a partir de 18.05.2012 e juros moratórios de 1% a.m. a partir da impossibilidade da interposição de recursos administrativos desta decisão e, d. instauro processo administrativo disciplinar em face do Sr. (…) Tabelião de Notas da Comarca da Capital.
Encaminhe-se cópia desta decisão à E. Corregedoria Geral da Justiça para conhecimento e eventuais providências tidas por pertinentes no exercício do Poder Hierárquico ao qual está submetida esta Corregedoria Permanente. Ciência ao Ministério Público, facultado eventual requerimento. No mais cumpra-se o determinado na Portaria, juntando-se o presente expediente àquela. Intimem-se.
(D.J.E. de 29.01.2014 – SP)