Pai pode vender apartamento do filho?
Por Zeno Veloso
Santino Andrade comprou um apartamento de uma incorporadora, pagou totalmente o preço e providenciou a lavratura da respectiva escritura de compra e venda. Mas colocou o imóvel em nome de seu filho, Romualdo, menor de oito anos de idade, e assim decidiu pensando em beneficiar a criança, garantir-lhe um bem para morar futuramente. Naquela ocasião, Santino apresentava excelente situação econômico-financeira, e era dono de três outros imóveis.
Mas a vida e o destino nem sempre seguem os sonhos e planos que fazemos. Os negócios de Santino entraram em crise e ele precisou urgentemente vender o apartamento que havia adquirido em nome do filho, que já tinha, nessa altura, onze anos de idade.
O proprietário de outro apartamento, no mesmo edifício, mostrou grande interesse na compra e tratou de fechar logo o negócio. Em nome do filho, como seu representante legal, Santino assinou o contrato particular de promessa de compra e venda, obrigando-se a assinar, futuramente, a escritura pública definitiva. Fernando Alves, o comprador, recebeu a posse do imóvel e até convidou parentes e amigos para jantar e mostrar a casa nova, a realização do sonho.
Infelizmente, um pesadelo se avizinhava. Fernando não teve o cuidado de se assessorar de um profissional sério, competente, e fechou o negócio sem maior atenção e cuidados, como fazem muitos que resolvem adquirir um imóvel e estão de tal forma empolgados e entusiasmados que não avaliam bem os riscos que correm, os prejuízos que podem sofrer.
Por sorte, o comprador não aceitou a insistente sugestão do vendedor para lavrar a escritura num cartório escolhido por este, e resolveu procurar um tabelião de sua confiança, até porque era ele que iria pagar as custas, tributos e todas as despesas.
Vendedor e comprador, então, foram ao notário, e este disse que Santino não podia assinar e escritura de compra e venda em nome de seu filho. O vendedor argumentou que o tabelião devia estar fazendo confusão, provavelmente estava enganado, pois ele havia consultado um amigo muito competente, “que entendia de leis”, e este garantiu que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores, competindo este poder familiar – que é o nome moderno do antigo pátrio poder – aos pais, cabendo-lhes representá-los até aos 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento. O poder familiar, dentre outras causas, extingue-se com a maioridade do filho, que ocorre aos 18 anos de idade.
Realmente, tudo isso que Santino expôs tem base legal, vem escrito nos artigos 1.630, 1.631, 1.634, inciso V, e 1.635, inciso IV, do Código Civil. Mas o maior dos erros é ler e interpretar o Código isolando preceitos e deixando de observar o todo orgânico, o conjunto normativo. Não se pode interpretar a lei em tiras, considerando a regra sozinha, destacando-se do sistema.
O Código Civil tem um subtítulo que regula o usufruto e a administração dos bens de filhos menores, e o artigo 1.689 dispõe que o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos e têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. Podem os pais, então, alugar imóveis dos filhos menores; os rendimentos dos bens desses filhos podem ser usufruídos pelos pais, detentores, como são, do poder familiar, via de regra sem prestação de contas.
Em razão disso tudo e de tudo isso, podem os pais vender livremente um apartamento que é de propriedade do filho menor? Não, é a resposta, e a matéria vem direta e expressamente prevista no artigo 1.691 do Código Civil: “Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole mediante prévia autorização do juiz”.
Portanto, é inválida a venda do apartamento de filho menor feita pelos pais dele, sem que tenha sido tomada, previamente, a providência prescrita no artigo 1.691. O alvará judicial é imprescindível, tem de ser apresentado ao tabelião, mencionado na escritura de compra e venda. E ao juiz cabe avaliar a situação de necessidade, ou verificar o evidente interesse do filho. O Ministério Público precisa intervir, dar o seu parecer.
No “Código Civil Comentado”, editora Saraiva, obra coletiva da qual tive a honra de participar, meu amigo e mestre, desembargador Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, do TJ/PE, discorrendo sobre o aludido artigo 1.691, afirma que o mesmo cerca de proteção os bens dos filhos menores dos possíveis atos de má administração praticados pelo pais, durante o exercício do poder familiar e que o objetivo da norma é a garantia, a preservação do patrimônio do menor, assim como a segurança do terceiro que integra a relação jurídica.
Zeno Veloso é jurista.
Fonte: Jornal O Liberal. Seção Opinião. Belém, 27/02/2010.