CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de arrematação – Imóveis indisponíveis – Penhora em execução fiscal a favor da Fazenda Nacional – Recusa de registro com base no artigo 53, §1°, Lei 8.212/91 – Alienação forçada – Registro viável – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3000029-33.2013.8.26.0296, da Comarca de Jaguariúna, em que é apelante MILTON BREGNOLI, é apelado OF. DE REG. DE IMÓV., TÍT. E DOCS., CIVIL DE PES JUR. E CIVIL DAS PES. NAT. E DE INT. E TUTELAS DA COMARCA DE JAGUARIÚNA.
ACORDAM,em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO. VENCIDO O DES. RICARDO MAIR ANAFE, QUE DECLARARÁ VOTO.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de março de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO N° 33.939
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE ARREMATAÇÃO – IMÓVEIS INDISPONÍVEIS – PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL A FAVOR DA FAZENDA NACIONAL – RECUSA DE REGISTRO COM BASE NO ARTIGO 53, §1°, LEI 8.212/91 – ALIENAÇÃO FORÇADA – REGISTRO VIÁVEL – RECURSO PROVIDO.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jaguariúna, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de arrematação expedida pela 1ª Vara Cível da mesma Comarca e extraída da ação executiva, fundada no fato de os imóveis arrematados estarem indisponíveis, nos termos do §1° do artigo 53 da Lei n° 8.212/91.
O apelante afirma que os requisitos legais foram atendidos e que a existência de outras penhoras não obsta o registro, porque as garantias sobre o imóvel arrematado passam para o preço da arrematação.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
O entendimento sedimentado pelo Conselho Superior da Magistratura era no sentido de que, em razão do artigo 53, §1°, da Lei n° 8.212/91, impossível ingressar no registro título que importe em disposição ou oneração, quer decorrente de alienação voluntária, quer decorrente de alienação forçada, sob o fundamento de que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade de bens, de que o referido dispositivo legal tem caráter genérico, a exemplo do que se decidiu em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral da Justiça:
“Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Negativa de acesso de carta de arrematação – Imóvel penhorado, em parte ideal, em execução fiscal – Indisponibilidade determinada pelo artigo 53, par. 1º, da Lei 8.212/91 – Dúvida procedente – Recurso Desprovido.
(…)
Já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que ‘enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional, impossível o acesso de carta de arrematação’ (Apelação n. 029.886-0/4, São Paulo, j. 04/06/1996, rel. Des. Márcio Bonilha). Isso porquanto, como está no mesmo aresto, ‘a indisponibilidade de bens decorrente da Lei 8.212/1991 (art. 53, parág. 1º) envolve a expropriação forçada e conseqüente venda judicial para pagamento das obrigações do devedor’. Sendo assim, decidiu-se que ‘a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade’.
De outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação. Ou seja, se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada, oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo, ‘a posteriori’. (Ap. Cív. n. 100.023-0/4 – j. 29.05.2003).
Também nesse sentido aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005:
“O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível.
Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível N° 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível n° 79.730-0/4, Capital.
A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.
O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).
Recentemente, no âmbito deste Conselho, houve alteração desse entendimento, reconhecendo-se que a indisponibilidade decorrente do §1º, do art. 53, da Lei n° 8.212/91 incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, como no caso da arrematação judicial aqui tratado, e isso com fundamento em decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398, em que o voto do eminente relator Ministro Felix Fischer traz a seguinte consideração:
“Tenho, contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao §1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial.
Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.” (Apelação n° 0007969-54.2010.8.26.0604 – Relator Desembargador Renato Nalini).
Neste mesmo sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – dúvida inversa – imóvel penhorado com base no art. 53, §1°, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Possibilidade de registro da Carta de Arrematação – Recurso provido.” (Apelação Cível n° 0004717-40.2010.8.26.0411 – Relator Desembargador Renato Nalini).
À vista do exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível n. 3000029-33.2013.8.26.0296
Apelante: Milton Bregnoli
Apelado: Oficial do Registro de Imóveis Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede – Comarca de Jaguariúna
TJSP-VOTO Nº 17.188
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
Registro de Imóveis.
Carta de arrematação expedida em processo de execução em trâmite perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Jaguariúna – Impossibilidade de Registro sem o prévio cancelamento da indisponibilidade determinada por força do disposto no artigo 53, §1°, da Lei 8.212/91 – Princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/1976) – Dúvida procedente.
Recurso desprovido. 
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jaguariúna, que julgou procedente a dúvida suscitada.
A dúvida, em apertada síntese, consiste na possibilidade ou não de se registrar carta de arrematação expedida em processo de execução em trâmite na 1ª Vara Cível da Comarca de Jaguariúna, à vista da indisponibilidade do bem imóvel constante do registro, considerando o disposto no artigo 53, §1°, da Lei 8212/91.
É o relatório.
2. Respeitado entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, o recurso não merece provimento.
Como bem salientou o Excelentíssimo Senhor Relator, por vários biênios o Conselho Superior da Magistratura sedimentou entendimento segundo o qual, por força do disposto no artigo 53, §1°, da Lei n° 8.212/91, não é possível registro de título que importa em disposição do imóvel, quer decorrente de alienação voluntária, quer decorrente de alienação forçada, sob o fundamento de que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade, e que o referido dispositivo legal tem caráter genérico.
Com efeito, ubi lex non distinguit nec nostrum est distinguere.
A propósito, vide Apelação Cível n° 29.886-0/4 – São Paulo, 16/02/1996, Relator Márcio Martins Bonilha; Apelação Cível n° 07-6/4 – Rio Claro, 04/09/2003, Relator Luiz Tâmbara; Apelação Cível n° 558-6 – Marília, 03/08/2006, Relator Gilberto Passos de Freitas; Apelação Cível n° 950-6/7 – São José do Rio Preto, 02 de dezembro de 2008, Relator Ruy Camilo; Apelação Cível n° 990.10.034.303-3 – Americana, 30/06/2010, Relator Munhoz Soares.
Transcrevemos, a guisa de exemplo, trecho do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n° 557-6/3 – Marília, relatado pelo eminente Desembargador Gilberto Passos de Freitas, com julgamento em 09/11/2006:

“A hipótese em questão versa sobre pleito do Apelante de registro de carta de arrematação expedida nos autos de execução fiscal movida pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo em face de Melhoramentos Materiais para Construções Ltda., relativamente aos imóveis das matrículas n°s 32.726, 32.727, 32.728 e 32.729. O registro da carta de arrematação em questão foi recusado pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de Marília, devido à indisponibilidade dos bens resultante de penhoras levadas a efeito em benefício da Fazenda Nacional e do INSS, recusa essa confirmada pela decisão de primeira instância, proferida pelo Meritíssimo Juiz Corregedor da Serventia.
Em que pesem os argumentos expendidos pelo Apelante, o recurso não comporta provimento.
Com efeito, nos termos do art. 53, §1º, da Lei n. 8.212/1991, os bens penhorados em execução judicial de dívida ativa da União, das autarquias federais e das fundações públicas federais ficam, a partir da constrição judicial, indisponíveis.
Foi, precisamente, o que se deu no presente caso, em que os imóveis objeto da arrematação efetuada pelo Apelante foram penhorados em processos de execução instaurados pela Fazenda Nacional e pelo INSS. Observe-se que o fato de a arrematação ter se dado em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual não afasta a indisponibilidade decorrente da penhora havida em processo executivo instaurado a requerimento da União e suas autarquias ou fundações, já que o disposto no §1º do art. 53 da Lei n. 8.212/1991 não excepciona tal hipótese.
Por outro lado, mostra-se irrelevante saber se a penhora e a arrematação levadas a efeito no processo em que expedida a carta que se pretende registrar foram anteriores à penhora que ensejou a indisponibilidade. O que efetivamente importa, em tais casos, é o momento em que apresentada a registro a carta de arrematação, pois, se posterior à indisponibilidade resultante da penhora realizada em favor da União ou de autarquia federal, obstado estará o ingresso do título no fólio real.
De fato, sendo a indisponibilidade forma especial de inalienabilidade de bens, vedado estará o acesso de todo e qualquer título de disposição ou oneração, ainda que formalizado anteriormente àquela primeira.
Como já decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral de Justiça:
“Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Negativa de acesso de carta de arrematação – Imóvel penhorado, em parte ideal, em execução fiscal – Indisponibilidade determinada pelo artigo 53, par. 1º, da Lei 8.212/91 – Dúvida procedente – Recurso Desprovido.
(…)
Já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que “enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional, impossível o acesso de carta de arrematação” (Apelação n. 029.886-0/4, São Paulo, j. 04/06/1996, rel. Des. Márcio Bonilha). Isso porquanto,como está no mesmo aresto, a indisponibilidade de bensdecorrente da Lei 8.212/1991 (art. 53, parág. 1º) envolve aexpropriação forçada e consequente venda judicial parapagamento das obrigações do devedor’. Sendo assim,decidiu-se que a indisponibilidade de bens é forma especialde inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo oacesso de títulos de disposição ou oneração, ainda queformalizados anteriormente à decretação dainalienabilidade’.
De outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação.
Ou seja, se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada, oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo, a posteriori’. (Ap. Cív. n. 100.023-0/4 – j. 29.05.2003).
Registre-se, de outra banda, que o entendimento ora adotado não se contrapõe à orientação atual deste Colendo Conselho, segundo a qual se mostra viável o registro de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União ou suas autarquias, já que ressalvada, de maneira expressa, nessa orientação, a impossibilidade do registro da carta de arrematação ou adjudicação eventualmente expedida.
Pertinente, no ponto, transcrever trecho de aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005:
“O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível.
Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível N° 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível n° 79.730-0/4, Capital.
A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.
O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).
Convém ressaltar, neste ponto, que a presente decisão não destoa do entendimento recente firmado por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura, externado nos autos da Apelação Cível n° 362-6/3, que considerou viável o registro de mandado de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União, porquanto naquela oportunidade ressalvou-se, expressamente, que o imóvel objeto da matrícula poderia ser alienado, mas que o registro de eventual carta de arrematação ou adjudicação não teria ingresso no fólio real sem que baixada a restrição.”
Como se pode perceber, em conformidade com o acima analisado, correta se evidencia a postura do oficial registrador, na espécie, ratificada de forma acertada pela respeitável decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente da Serventia.
Portanto, em conclusão, não há, efetivamente, como admitir o registro do título em questão, tal como pretendido pelo Apelante.” (grifos nossos)
Data venia,não se pode concordar com a alteração deste sólido entendimento, tendo como base o v. Acórdão do Colendo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398 – SP, cuja ementa transcrevemos:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. INDISPONIBILIDADE. IMÓVEL PENHORADO EM EXECUTIVO FISCAL. ART. 53, §1º, LEI 8.212/91. ALIENAÇÃO FORÇADA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 711 DO CPC.
I – A indisponibilidade a que se refere o art. 53, §1º, da Lei n° 8.212/91, traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor executado após a efetivação da constrição judicial.
II – É possível a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.
III – Ainda que o executivo fiscal tenha sido suspenso em razão de parcelamento, é possível tal solução, porquanto retirar-se-ia do produto da alienação o valor referente ao crédito tributário, colocando-o em depósito judicial até o adimplemento do acordo, não havendo qualquer prejuízo à garantia do crédito fazendário.
Recurso provido, (grifamos – STJ – Rel. Min. Felix Fischer J. 17/02/2004, v.u.)
Não se discorda do teor da decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça. O que não se pode admitir, data venia, é que seja ele utilizado para embasar a mudança do entendimento supra aludido por três simples razões.
Em primeiro lugar (i), porque a decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça foi proferida em Agravo de Instrumento tirado em processo de execução. Não se tratando de processo de dúvida registrária, a equivalência pura e simples de entendimentos pode dar azo a uma premissa equivocada, como de fato ocorreu. Alienação forçada não é sinônimo de registro da carta de arrematação.
Em segundo lugar (ii), porque em processos de dúvidas registrárias não há como ser atendida a ressalva feita no v. Acórdão, “desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto”.
Com efeito, diante da peculiaridade do procedimento de dúvidas registrárias (judicialiforme: em parte administrativo, em parte judicial), como poderá o Oficial de Registro de Imóveis, e por conseguinte, o Juízo Corregedor Permanente, ter certeza de que estarão resguardados, dentro do montante auferido com a alienação judicial do bem, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao gravame imposto?
O fato de ser possível a alienação do bem imóvel em processo de execução diverso ao da execução fiscal não implica no registro da respectiva carta de arrematação sem o cancelamento da indisponibilidade do bem. Vide, a esse respeito, o v. acórdão suso transcrito, relatado pelo eminente Desembargador Gilberto Passos de Freitas.
É que somente o juízo competente (executivo fiscal federal) poderá concluir que os valores apurados com a venda do bem garantirão a execução fiscal. A tal juízo caberá determinar, à vista da garantia em dinheiro, o cancelamento da indisponibilidade.
Em outras palavras, o imóvel poderá ser alienado judicialmente, mas para que seja possível o registro da respectiva carta de arrematação, há de ser providenciada a baixa da indisponibilidade.
Em terceiro lugar (iii),essa cautela indispensável, sob pena de afronta ao dispositivo legal em comento (artigo 53, §1°, da Lei 8.212/91), visa a assegurar o princípio de continuidade.
Como já se defendeu em voto divergente nos autos da Apelação Cível n° 0016743-28.2013, o que se busca com os Registros Públicos desde os seus primórdios é a maior fidelidade possível à realidade existente no mundo jurídico. Isso para evitar que alguém possa dispor de algo que não é seu, sempre como norte as máximas romanas do suum cuique tribuere e neminem laedere.
Consoante ensinamento de Afrânio de Carvalho: “o princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transforma-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público. (…) A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha”. (grifamos. Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 304-305)
Pois bem. Se a carta de arrematação for registrada sem que solucionada a questão da indisponibilidade do bem, plantar-se-á, indubitavelmente, uma lacuna no registro do imóvel em questão, ferindo o princípio de continuidade. Quiçá, poderia criar distorções como em hipóteses em que o imóvel viesse a ser alienado por preço muito inferior ao do mercado, insuficiente para garantia do crédito fazendário.
Por epítome, havendo ofensa a texto expresso de lei (artigo 53, §1°, da Lei 8.212/91) e existindo prejuízo ao princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/1976), o título não comporta registro.
3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, nego provimento ao recurso.
Ricardo Anafe
Presidente da Seção de Direito Público. (D.J.E. de 05.05.2014 – SP)