STJ: Direito civil – Recurso especial – Compromisso de venda e compra – Esponsabilidade – Cotas condominiais – Registro na matrícula do imóvel – Imissão na posse – Ciência inequívoca – Artigos analisados: Arts. 267, V e VI; 472 do CPC; Arts. 1.225, VII; 1.345; 1.417 do código civil.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.297.239 – RJ (2011/0290806-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF
ADVOGADO : MARCUS FLÁVIO HORTA CALDEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMÍNIO SHOPPING DA CAIXA
ADVOGADO : APARECIDA AUGUSTO DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : SOAREZ INCORPORAÇÕES LTDA
ADVOGADO : ELIDA SÉGUIN E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. ESPONSABILIDADE. COTAS CONDOMINIAIS. REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA
INEQUÍVOCA. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 267, V E VI; 472 DO CPC; ARTS. 1.225, VII; 1.345; 1.417 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Ação de cobrança de cotas condominiais, ajuizada em 02.05.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 14.12.2011.
2. Discussão relativa à responsabilidade do antigo proprietário de imóvel pelo pagamento das cotas condominiais.
3. É cediço que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes na relação jurídico-processual em curso, de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados.
4. Vários aspectos da responsabilidade da recorrente foram analisados, não tendo o Tribunal de origem invocado a preliminar de coisa julgada para extinguir o processo, nos termos do art. 267, V, do CPC, apesar de mencionar o resultado da outra ação e utilizá-lo como reforço de argumentação para acolher o pedido condenatório.
5. Consoante o princípio da obrigação propter rem, responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino. A dívida, assim, pertence à unidade imobiliária e deve ser assumida pelo proprietário ou pelo titular dos direitos sobre a unidade autônoma, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.
6. No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de compra e venda, o entendimento amparado na jurisprudência desta Corte é no sentido da possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas condominiais tanto em face do promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador dependendo das circunstâncias do caso concreto.
7. Ficando demonstrado que (i) o promissário-comprador imitira-se na posse e (ii) o condomínio tivera ciência inequívoca da transação, deve-se afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador.
8. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação.
9. Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável, na matrícula do imóvel, seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem. nos termos dos arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, no entendimento desta Corte, ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial.
10. Uma vez comprovada a inexistência da obrigação do compromissário comprador quanto ao pagamento das cotas condominiais, referentes ao período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, porque não imitido na posse do bem, não se pode, agora, afirmar o contrário somente porque atualmente, ele é o efetivo proprietário do bem ou porque assumira essa responsabilidade, perante a recorrente, no compromisso de compra e venda
11. A existência de eventual cláusula no compromisso de venda e compra, atribuindo de forma diversa a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais, quando não há imissão na posse do bem pelo promitente comprador, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o condomínio.
12. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 08 de abril de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se de recurso especial interposto por FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF, com base no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ).
Ação: de cobrança de cotas condominiais, ajuizada por CONDOMÍNIO SHOPPING DA CAIXA contra FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF e SOAREZ INCORPORAÇÕES LTDA., alegando, em suma, que os réus se encontravam em débito com o condomínio no período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, que antecedeu a imissão na posse do bem pelo compromissário comprador do bem Colégio Saint John Ltda.
Contestação: FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF sustentou, em síntese, a sua ilegitimidade passiva, haja vista que o imóvel em questão teria sido alienado a terceiro em data anterior ao período de cobrança, por meio de compromisso de venda e compra registrado, no qual estava prevista a responsabilidade do adquirente pelo pagamento das cotas condominiais.
Sentença: julgou procedente o pedido para condenar os réus ao pagamento dos valores devidos entre novembro de 1998 e julho de 1999, sob o fundamento de que, não obstante a alienação do bem, por meio do compromisso de venda e compra firmado com o Colégio Saint John Ltda., já fora decidido pelo TJ/RJ, em sede da outra ação de cobrança proposta em face desde último, que somente a posse e a possibilidade de gozar, usar e fruir do bem marcariam o momento do início da obrigação de pagar as cotas condominiais (e-STJ fls. 502/505). Foi interposta apelação pela FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF (e-STJ fls. 511/530).
Acórdão: o TJ/RJ negou provimento à apelação, conforme a seguinte ementa (e-STJ fl. 597/600):
Direito Civil. Cobrança. Cotas condominiais. Novembro de 1998 a julho de 1999. Imóvel cedido com imissão na posse do promitente comprador em data posterior ao período em débito. Legitimidade passiva do promitente vendedor. Sentença de procedência. Apelação reiterando a alegação de ilegitimidade passiva. Ausência de fundamentos de mérito capaz de conduzir a
reforma da sentença. Manutenção. Artigo 557, §1º do Código de Processo Civil.
Preliminar. Ilegitimidade passiva. Rejeição.
Em momento algum o apelante provou quando, efetivamente, o promitente comprador foi imitido na posse. À míngua de qualquer outra prova, prevalece a solução encontrada em acórdão anteriormente julgado que decidiu pela improcedência do pedido de cobrança de cotas em face daquele promitente comprador, em razão da sua imissão ter ocorrido apenas em agosto de 1999.
Mérito. O apelante não apontou qualquer argumento capaz de conduzir a reforma da sentença, vez que deve suportar os encargos do imóvel aquele que desfrutou do domínio útil. Artigo 1336, I do Código Civil.
“COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. RECURSO DE PROPRIETÁRIOS COM ALEGAÇÃO DE QUE A OBRIGAÇÃO É DA LOCATÁRIA. DESACERTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.336, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. OBRGAÇÃO DE NATUREZA PROPTER REM E, PORTANTO, DE RESPONSABILIDADE DE QUE DETEM O DOMÍNIO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO DOS RÉUS.”
(2009.001.21261 – APELAÇÃO – DES. RAUL CELSO LINS E SILVA – Julgamento: 06/05/2009 – DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).
Desprovimento do recurso.
Embargos de declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 603/618), foram rejeitados (e-STJ fls. 620/623).
Recurso especial: interposto por FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF, como base na alínea “a” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 626/648), aponta ofensa aos seguintes dispositivos de lei:
(i) art. 535 do CPC, sob o fundamento de que o acórdão recorrido foi omisso em relação à ciência do condomínio sobre a cláusula de responsabilidade do Colégio Saint John Ltda. pelo pagamento das taxas condominiais, bem como quanto aos efeitos do registro da promessa de compra e venda na matrícula do imóvel; e quanto à impossibilidade de aplicação, na presente ação, da solução dada em outra lide judicial, da qual o recorrente não fez parte;
(ii) arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, pois o compromisso de venda e compra firmado em caráter irrevogável e irretratável, devidamente registrado na matrícula do imóvel, constitui direito real, ficando o seu titular, por consequência, sujeito à prestação condominial, de caráter propter rem em relação ao imóvel;
(iii) art. 267, VI, do CPC, haja vista a sua ilegitimidade passiva, decorrente da promessa de venda e compra do imóvel firmada com o Colégio Saint John Ltda., e registrada na matrícula do imóvel antes do ajuizamento da presente ação de cobrança, na qual havia previsão expressa da responsabilidade do compromissário comprador pelas despesas de condomínio desde a sua assinatura;
(iv) art. 472 do CPC, com base na impossibilidade de aplicação da conclusão de acórdão proferido em ação, da qual a recorrente não participou, para afastar a responsabilidade do Colégio Saint John Ltda. pelo pagamento das cotas condominiais.
Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/RJ (e-STJ fls. 713/719), tendo sido interposto agravo contra a decisão denegatória, ao qual dei provimento para determinar o julgamento do recurso especial (e-STJ fls. 984).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se a controvérsia a determinar se o antigo proprietário do imóvel tem responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais relativas ao período que antecedeu a imissão na posse do atual proprietário, que, à época, era compromissário comprador do bem.
A peculiaridade da hipótese reside no fato de que o compromisso de compra e venda tinha cláusula dispondo sobre a responsabilidade do compromissário comprador pelo referido pagamento, desde a sua assinatura.
1. Da violação do art. 535 do CPC.
01. Da análise do acórdão recorrido, nota-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TJ/RJ pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.
02. O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica omissão, obscuridade ou contradição, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a matéria posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.
03. Por outro lado, é pacífico no STJ o entendimento de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição.
04. Constata-se, em verdade, a irresignação das recorrentes e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.
2. Da Responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais.
2.1. Premissas fáticas
05. É importante que se faça uma breve digressão acerca do quadro fático que dá suporte a presente demanda, conforme estabelecido pelas instâncias ordinárias, a fim de se analisar a responsabilidade pela dívida condominial no período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999.
06. A recorrente FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF era proprietária e condômina do imóvel em questão até novembro de 1997, quando celebrou compromisso de venda e compra do bem com o Colégio Saint John Ltda. (e-STJ fls. 504).
07. No referido compromisso, o qual foi registrado na matrícula do imóvel posteriormente (julho de 2001), estava prevista a responsabilidade do Colégio Saint John Ltda. pelo pagamento das cotas condominiais desde a sua respectiva assinatura (e-STJ fls. 550).
08. Configurado o inadimplemento, o recorrido CONDOMÍNIO SHOPPING DA CAIXA ajuizou, ainda em 1999, ação de cobrança das cotas condominiais em face do compromissário comprador do imóvel, a qual fora julgada improcedente, com trânsito em julgado, em razão da imissão na posse do imóvel pelo Colégio Saint John Ltda. somente ter ocorrido em agosto de 1999 (e-STJ fls. 550), ou seja, posteriormente ao período do débito.
09. Diante disso, em 02.05.2003, o CONDOMÍNIO SHOPPING DA CAIXA ajuizou nova ação de cobrança, agora em face da recorrente FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS – FUNCEF, visando ao recebimento dos valores em aberto, referentes ao período em que ela ainda era proprietária bem e antes da imissão na posse do Colégio Saint John Ltda.
10. O Tribunal de origem reconheceu a obrigação da recorrente tendo em vista que, conforme reconhecido na ação anterior, considerando que a imissão na posse do novo proprietário só ocorreu em agosto de 1999, a recorrente exercia o domínio útil do bem no período do débito em questão.
11. Ficou consignado, ainda, pelo acórdão, que “do contrário, não restaria ao credor qualquer meio para ver seu crédito satisfeito, pois a ação proposta em face do atual proprietário foi improcedente e, agora, em face do antigo proprietário não teria melhor sorte” (e-STJ fl. 550).
2.2. Dos limites subjetivos da coisa julgada.
12. Sustenta a recorrente que o Tribunal de origem violou o art. 472 do CPC ao julgar procedente o pedido com base no que ficara decidido em sede de outra ação da qual a FUNCEF não fez parte.
13. Realmente, o simples fato da ação anterior, proposta em face do então compromissário comprador e atual proprietário do bem – Colégio Saint John Ltda., – ter sido julgada improcedente não pode caracterizar o único fundamento para a procedência ou não da presente ação. Os argumentos que devem servir de base para a fixação da responsabilidade pelo pagamento da dívida condominial, devem ser estritamente jurídicos e não representar uma compensação pelo insucesso de outra demanda.
14. É cediço que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes na relação jurídico-processual em curso, de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados.
15. Corresponde à própria natureza processual do instituto, já que, se foram as partes que objetivamente estabeleceram o conteúdo da decisão transitada em julgado, somente a elas deve se restringir, não alcançando terceiros estranhos ao processo. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte: REsp 1.015.652/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 12/06/2009 e REsp 206.946/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJ de 07/05/2001.
16. Poder-se-ia até admitir a exceção, prevista no art. 42, §3º, do CPC, se tivesse ocorrido o inverso, ou seja, se a ação anterior tivesse sido promovida em face da antiga proprietária e a presente ação estivesse sendo movida em face da adquirente ou cessionária do imóvel.
17. Com efeito, na dicção do referido dispositivo legal, “a sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. Mas, mesmo assim, deveria ter sido requerida, e aceita pela parte adversa, a substituição processual, não se operando de forma automática.
18. Considerando que, na hipótese, a recorrente e antiga proprietária do bem não integrou a relação processual na ação de cobrança anteriormente proposta, não pode sofrer os efeitos da coisa julgada lá estabelecida, sendo perfeitamente cabível nova discussão a respeito da sua responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais em sede da presente ação.
19. E foi exatamente o que ocorreu na presente ação. Vários aspectos da responsabilidade da recorrente foram analisados, não tendo o Tribunal de origem invocado a preliminar de coisa julgada para extinguir o processo, nos termos do art. 267, V, do CPC, apesar de mencionar o resultado da outra ação e utilizá-lo como reforço de argumentação para acolher o pedido condenatório em face da FUNCEF.
20. Diante do exposto, não há que se falar em violação do art. 472 do CPC.
2.3. Da natureza propter rem da obrigação condominial
21. Consoante o princípio da obrigação propter rem, responde pela contribuição de pagar as cotas condominiais, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade e que, efetivamente, exerce os direitos e obrigações de condômino. A dívida, assim, pertence à unidade imobiliária e deve ser assumida pelo proprietário ou pelo titular dos direitos sobre a unidade autônoma, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio. É o que dispõe o art. 1.345 do Código Civil.
22. Nesse sentido o magistério de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro. 2º volume: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11):
A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito. Infere-se daí que essa obrigação provém sempre de um direito real, impondo-se ao seu titular de tal forma que, se o direito que lhe deu origem for transmitido, por meio de cessão de crédito, de subrogação, de sucessão por morte, etc., a obrigação o seguirá, acompanhando-o em suas mutações subjetivas; logo, o adquirente do direito real terá de assumi-la obrigatoriamente, devendo satisfazer uma prestação em favor de outrem.
23. Sobre o tema por demais discutido nas Turmas de Direito Privado do STJ – legitimidade para responder por dívidas condominiais pretéritas, quando ocorre alteração da titularidade do imóvel –, esta c. Turma já teve a oportunidade de decidir que “o arrematante de imóvel em condomínio responde pelas cotas condominiais em atraso, ainda que anteriores à aquisição” (AgRg no REsp 682.664/RS, minha relatoria, DJ de 05/09/2005), admitindo-se, por exemplo, a responsabilidade do novo adquirente “ainda que se cuidem de cotas anteriores à transferência do domínio, ressalvado o seu direito de regresso contra o antigo proprietário” (REsp 869.155/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 25/06/2007).
2.3. Da responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais.
24. A partir dessas considerações sobre a natureza propter rem da obrigação de condomínio, em princípio, poder-se-ia concluir que a recorrente seria, de fato, parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, já que o Colégio Saint John Ltda., na condição de atual proprietário, é quem deve responder por todas as despesas condominiais, mesmo que anteriores à aquisição do imóvel.
25. Todavia, não se pode olvidar que (i) a aquisição do imóvel foi precedida de compromisso de venda e compra; e (ii) conforme apurado em outra ação, os débitos em questão referem-se a período em que a recorrente ainda era proprietária do bem e não havia ocorrido a imissão na posse pelo compromissário comprador.
26. No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de compra e venda, o entendimento amparado na jurisprudência desta Corte é no sentido da possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas condominiais tanto em face do “promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador dependendo das circunstâncias do caso concreto” (EREsp nº 136.389/MG, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13/9/99; REsp 541.878/DF, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29.3.2004; REsp 712.661/RS, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 1º/07/05; REsp 728.251/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 12/09/05), sem prejuízo, todavia, de uma cabível ação de regresso.
27. Essas considerações têm relevância na hipótese porque, conforme já mencionado, quando ajuizada a primeira ação de cobrança, o Colégio Saint John Ltda. ainda não era o proprietário do bem, mas compromissário comprador, revelando-se necessário, para se determinar a legitimidade passiva ad causam e a responsabilidade pelo adimplemento da obrigação, aferir com quem, efetivamente, encontrava-se estabelecida a relação jurídica material (uso, gozo e fruição do imóvel).
28. Com efeito, de acordo com a jurisprudência desta Corte, ficando demonstrado que (i) o promissário-comprador imitira-se na posse e (ii) o condomínio tivera ciência inequívoca da transação, deve-se afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador.
29. Nesse ponto, é importante ressaltar a prescindibilidade do registro do compromisso de venda e compra, bastando a comprovação da ciência inequívoca do condomínio acerca da alienação do bem (AgRg no REsp 1320500/SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2012/0084902-0, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11/06/2013; AgRg nos EAg 660515/RJ, 2ª Seção, rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região, DJe de 27.02.2009, EREsp 261693/SP, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, Rel. p/ acórdão Ministro ARI PARGENDLER, DJ 10/03/2003, EResp 489.647/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 15/12/2009).
30. Considerando que, naquela primeira ação de cobrança, ajuizada em face do compromissário comprador, não foi demonstrada a imissão na posse do Colégio Saint John Ltda., antes de agosto de 1999, o que, aliás, também é incontroverso nesses autos, verifica-se que, na realidade, quem possuía legitimidade passiva e responsabilidade pelo pagamento dívida, haja vista a natureza propter rem da obrigação, era a promitente vendedora, ora recorrente, porque além de proprietária do bem, conforme o registro imobiliário, exercia seu domínio direto.
31. Portanto, uma vez comprovada, naquela oportunidade, a inexistência da obrigação do compromissário comprador quanto ao pagamento das cotas condominiais, referentes ao período compreendido entre novembro de 1998 e julho de 1999, porque não imitido na posse do bem, não se pode, agora, afirmar o contrário somente porque o Colégio Saint John Ltda., atualmente, é o efetivo proprietário do bem ou porque assumira essa responsabilidade, perante a recorrente, no compromisso de compra e venda.
32. Conforme já mencionado, o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse e pela ciência do credor acerca da transação.
33. Embora o registro do compromisso firmado em caráter irrevogável e irretratável, na matrícula do imóvel, seja apto a constituir o direito real à aquisição do bem. nos termos dos arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, no entendimento desta Corte, ele não implica necessariamente a obrigação de prestação condominial.
34. Por essas razões, também não procede o argumento da recorrente no sentido de que o Colégio Saint John Ltda. seria o responsável pelo pagamento das cotas condominiais, desde a assinatura do compromisso de venda e compra, porque havia cláusula nesse sentido no instrumento contratual.
35. Com efeito, perante o credor, quem responde pelas dívidas condominiais, em regra, é aquele que figura no registro imobiliário como proprietário do bem, podendo, conforme jurisprudência desta Corte, ser reconhecida a responsabilidade do promitente comprador, desde que ele tenha sido imitido na posse e o condomínio tenha ciência inequívoca da alienação.
36. Nesse sentido, o registro do compromisso de venda e compra na matrícula do imóvel, poderá implicar tão somente o atendimento do segundo requisito, qual seja, a ciência inequívoca dos terceiros, e do condomínio, sobre a alienação do bem. Mas, não tendo havido a imissão na posse do compromissário comprador, o promitente vendedor continua a exercer o domínio direto sobre o imóvel, usufruindo dos serviços prestados pelo condomínio, os quais justificam a sua contribuição.
37. Assim, a existência de eventual cláusula atribuindo de forma diversa essa responsabilidade pelo pagamento das cotas, quando não há imissão na posse do bem pelo promitente comprador, obriga somente os contratantes e poderá fundamentar o exercício do direito de regresso, mas não vincula o condomínio.
38. Diante do exposto, o acórdão recorrido, ao afirmar responsabilidade da antiga proprietária do bem pelo pagamento das cotas condominiais, na hipótese, não violou os arts. 267, VI, do CPC e arts. 1.225, VII; e 1.417 do Código Civil, razão pela qual deve ser mantido.
Forte nestas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do
voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.