TJ|MG: Apelação – Ação de obrigação de fazer – Outorga de escritura – Contrato particular de promessa de cessão de direitos – Bem em nome do falecido – Ausência de forma pública – Demais herdeiros – Pressuposto válido de constituição do proceso – Carência da ação. O negócio jurídico firmado entres as parte intitula-se “instrumento particular de promessa cessão de direitos e ação à herança”. Tal entabulação foi feita sem a concordância dos demais herdeiros, uma vez que inexiste assinatura dos mesmos no contrato. Ademais o imóvel objeto da pretensão outorga de escritura esta registrado em nome do de cujus. A carência de ação do autor está evidenciada nos autos, pois de acordo certidão cartorária, fls.80/81, o imóvel encontra-se registrado em nome do falecido. A pretensão contida na inicial só seria razoável caso o bem estivesse sobejamente individualizado dentre a universalidade dos bens que compõem a entidade despersonalizada, qual seja, o espólio. Além disso, seria necessária a concordância de todos e herdeiros e interessados e a forma pública do ato.
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 1.0016.10.009330-7/001, de Alfenas.
Relator: Des. Rogério Medeiros.
Data da decisão: 09.02.2012.
EMENTA: APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇAO DE FAZER – OUTORGA DE ESCRITURA – CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS – BEM EM NOME DO FALECIDO – AUSENCIA DE FORMA PÚBLICA – DEMAIS HERDEIROS – PRESSUPOSTO VÁLIDO DE CONSTITUIÇÃO DO PROCESSO – CARENCIA DA AÇÃO. O negócio jurídico firmado entres as parte intitula-se “instrumento particular de promessa cessão de direitos e ação à herança”. Tal entabulação foi feita sem a concordância dos demais herdeiros, uma vez que inexiste assinatura dos mesmos no contrato. Ademais o imóvel objeto da pretensão outorga de escritura esta registrado em nome do de cujus. A carência de ação do autor está evidenciada nos autos, pois de acordo certidão cartorária, fls.80/81, o imóvel encontra-se registrado em nome do falecido. A pretensão contida na inicial só seria razoável caso o bem estivesse sobejamente individualizado dentre a universalidade dos bens que compõem a entidade despersonalizada, qual seja, o espólio. Além disso, seria necessária a concordância de todos e herdeiros e interessados e a forma pública do ato.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0016.10.009330-7/001 – COMARCA DE ALFENAS – APELANTE(S): MARIA APARECIDA ZAULI – APELADO(A)(S): LANDRE E CASTRO LTDA – RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador VALDEZ LEITE MACHADO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM ACOLHER PRELIMINAR E JULGAR EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
Belo Horizonte, 09 de fevereiro de 2012.
DES. ROGÉRIO MEDEIROS – Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:
VOTO
LANDRE E CASTRO LTDA ajuizou ação de obrigação de fazer em face de MARIA APARECIDA ZAULI.
As súplicas do autor visam que a ré seja forçada a promover os meios necessários para formalizar a transferência definitiva do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis de Alfenas e, ou, lavrar e firmar a competente Escritura Pública de Cessão de direitos hereditários, sob pena de multa. O referido imóvel se encontra situado na rua Juscelino Barbosa, 974, Alfenas, MG.
Citada, a ré apresentou peça de defesa, arguindo preliminares de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, bem como carência de ação por falta de interesse de agir. No mérito, refutou as alegações da parte autora e rogou pela improcedência dos pedidos.
Impugnação à contestação constante as fls. 117/126.
As fls. 327, tem-se decisão do juiz a quo concedendo vista às partes para especificarem provas.
As partes suplicaram pela produção pelo depoimento pessoal, bem como pela oitiva de testemunhas e, ainda, pela juntada de novos documentos que entendem úteis para o deslinde do feito.
O magistrado de primeiro grau rejeitou as preliminares e autorizou o depósito judicial pleiteado pelo autor, conforme fls. 130.
Audiência de tentativa de conciliação restou frustrada, conforme ata de fls. 134.
Sobreveio o julgamento antecipado da lide as fls. 134/137, em que o ilustre julgador de primeiro grau entendeu pela procedência do pedido constante na peça vestibular. Sendo assim, a ré foi condenada a outorgar, em favor da autora, escritura definitiva de venda e compra do imóvel objeto da lide, de modo a possibilitar a transmissão domínio, no prazo de trinta dias, contados a partir do trânsito em julgado, independente de qualquer outra formalidade, sob pena de incorrer em multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais). A ré foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos pela tabela da Corregedoria Geral de Justiça a partir da data da sentença. Igualmente, foi registrado que a quantia depositada nos autos será liberada para a ré após o cumprimento da sentença e o pagamento das verbas sucumbências, salvo se a ré incidir em multa diária, quando o numerário amortizará essa verba.
Inconformada a ré apresentou recurso de apelação as fls.140/148. Em sede de preliminar, discorreu sobre ausência de pressuposto válido do processo pela falta do espólio de Ivo Zauli no pólo passivo da lide. Ademais, salientou que o negócio jurídico firmado entre as partes traz a data em que a autora deveria ter feito o pagamento e não o fez. Discorreu, ainda, que a cláusula décima terceira do instrumento particular de promessa de cessão de direito à herança estabelece não deixa dúvida de que a transcrição da compra e venda e cessão ocorrerá somente após o registro do formal de partilha.
Preparo regular.
A autora apresentou contrarrazões as fls. 167/176, pugnando pela manutenção da sentença.
PASSO A DECIDIR.
Preliminar – ausência de pressuposto válido do processo e carência de ação
Primeiramente, destaco que o negócio jurídico firmado entres as parte intitula-se “instrumento particular de promessa cessão de direitos e ação à herança”. O negócio jurídico foi firmado após a morte do proprietário do imóvel. Ademais, tal entabulação foi feita sem a concordância dos demais herdeiros, uma vez que inexiste assinatura dos mesmos no contrato.
Enfatizo que o imóvel objeto da lide esta registrado em nome do de cujus Ivo Zauli, certidão de fls. 80/81.
No caso em julgamento, face as nuances apresentadas, tenho pela impossibilidade de cessão de direitos hereditários recaindo sobre um bem determinado pertencente à herança.
O Código Civil de 2002 prevê em seu artigo 1.793 que “o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública”.
Por sua vez, o §2º do citado artigo dispõe ser “ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente”.
Como cediço, cessão de direitos hereditários trata-se de negócio jurídico inter vivos, entre o herdeiro (cedente) e outro indivíduo, herdeiro ou não (cessionário), podendo ocorrer, tão somente, após a abertura da sucessão.
Por meio do referido negócio jurídico, o cedente transfere ao cessionário, por escritura pública, a título oneroso ou gratuito, parcial ou integralmente, o quinhão que lhe cabe na herança.
Sobre o tema, trago à baila a lição da ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, in Direito Civil Brasileiro, 6º volume, Direito das Sucessões, Saraiva, 16ª ed., 2002, São Paulo:
A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam não estejam individualizados na quota dos herdeiros; daí a possibilidade de sua transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário. É a hipótese em que se configura a cessão da herança, gratuita ou onerosa, consistindo na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo o quinhão hereditário ou de parte dele, que lhe compete após a abertura da sucessão (RT, 613:95, 528:110, 513:76, 462:209, 461:107).
Duas são as formas de cessão de direitos hereditários: uma a título universal, quando um ou mais de um herdeiro cede, no todo ou em parte, seus quinhões hereditário, incidindo a cessão sobre a totalidade dos bens; outra a título singular, melhor dizendo, sobre um bem certo e determinado.
A carência de ação do autor está evidenciada nos autos, pois de acordo certidão cartorária, fls.80/81, o imóvel encontra-se registrado em nome do falecido.
O Código Civil disciplina em seu art. 1.245 que a propriedade imóvel é transferida mediante o registro na matrícula do Imóvel, e somente aquele que detém a propriedade pode conceder a transferência do domínio, não sendo este o caso dos autos.
Além disso, os documentos constantes no caderno processual não comprovam que a ré, ora apelante, em algum momento, detinha o domínio sobre o imóvel objeto do litígio, portanto, não pode figurar no pólo passivo em relação à obrigação de fazer (outorga de escritura pública).
Coligi jurisprudência:
“AÇÃO DE OUTORGA DE ESCRITURA C/C RESSARCITÓRIA. BEM IMÓVEL. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. TÍTULO DE AQUISIÇÃO EM NOME DOS PROMITENTES VENDEDORES INEXISTENTE. TRANSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DO MÉRITO.
Tratando-se de imóveis, para que se processe a aquisição, o título aquisitivo, ou seja, o documento que materializa a alienação, como a escritura (contrato) de compra e venda, deverá ser inscrito no Registro Imobiliário. A partir deste momento, o adquirente torna-se proprietário; antes não”. (TJMG, Apelação nº 2.0000.00.403117-0, Rel. Des. Unias Silva, j. 27/11/2003).
Ademais, a cessão de direitos não constitui modo de adquirir propriedade, visto que os herdeiros só podem transferir o domínio da herança após o registro do formal de partilha, pois a universalidade de bens que adquiriram é indeterminada, deixando de ser indefinida somente após a partilha.
Ora, trata-se de instrumento particular de promessa de cessão de direitos hereditários, configurando apenas obrigação de fazer (art. 639 do CPC) e não de venda do imóvel.
Como já dito, o art. 1.793 do Código Civil permite que o herdeiro disponha de seu quinhão por escritura pública. A meus sentir, quem pode o mais (cessão por escritura pública) pode o menos (cessão por instrumento particular):
Note-se que a exigência de ser feita a cessão por escritura pública não impede a cessão por instrumento particular, apenas os efeitos são diferentes, pois enquanto aquela confere o direito real, com direito de seqüela, esta confere apenas um direito pessoal, que se converte em perdas e danos se não cumprida a obrigação.
Aqui, importante destacar que a autora, ora apelada, ao interpor a ação em epígrafe, visou a transferência definitiva de imóvel pertencente ao falecido.
Além disso, chamo a atenção para a exigência feita pela lei, especificamente no art. 1.794 do Código Civil, que dispõe que “O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto”,
No ensinamento de Clóvis Bevilaqua, “a propriedade a posse da herança transmitem-se, desde o momento da morte do de cujus, aos herdeiros legítimos e testamentários, sem necessidade de ato algum da parte dele” (Código Civil Comentado, Comentários ao art. 1572, Editoria Rio, l975, vol. V, pág. 744),
Além do mais, a manifestação de vontade externada pelos herdeiros podia ser feita por promessa de cessão de direito hereditários, o que não ocorreu no caso voga. Ressalto, ainda, que inexistiu a forma pública do ato.
Dessa forma, a legislação determinou forma para validar a cessão de direito, qual seja, a forma pública.
A meu sentir, a pretensão contida na inicial só seria razoável caso o bem estivesse sobejamente individualizado dentre a universalidade dos bens que compõem a entidade despersonalizada, qual seja, o espólio. Além disso, seria necessária a concordância de todos e herdeiros e interessados.
O contrato como apresentado é ineficaz para a pretensão almejada na exordial. Contudo, ressalvo que poderá a autora, em ação própria, discutir a não realização do contrato, com as devidas perdas e danos, cláusula penal, dentre outros.
Pelo exposto, a despeito do brilhantismo do julgador de primeiro grau, ACOLHO A PRELIMINAR, para julgar o feito extinto sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do Estatuto Processual Civil. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ESTEVÃO LUCCHESI e VALDEZ LEITE MACHADO.
SÚMULA: ACOLHERAM PRELIMINAR E JULGARAM EXTINTO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.